Não há nada como (re)arrumar as estantes. Descobrem-se sempre preciosidades mais ou menos esquecidas. Mesmo para quem só arruma uma fila de livros por prateleira. Refira-se que em relação aos livros de “estudo” (por oposição aos de literatura), tenho o hábito de sublinhar a lápis lateralmente (na vertical), sempre e só com régua (!), o que me interessa. A régua, por aqueles caprichos da vida, é uma de 20cm, de massa, que me acompanha desde os 15 anos.
Vem isto a propósito do colega de coluna de opinião Vital Moreira. Reler o que sublinhei há 27 anos atrás no seu livro «O Renovamento de Marx» (1979, Ed. Centelha) foi um prazer renovado. Prazer esse que me levou a querer partilhá-lo com os leitores.
Não sei se, como refere na “Nota Prévia”, Vital Moreira os “enjeitará” ou não. Para mim foram, e são, referenciais do marxismo-leninismo em Portugal. Por isso aqui ficam alguns escolhidos ao acaso e por ordem de páginas:
Desde logo a referência a « (…) aquilo que há de mais singular no estatuto histórico da teoria marxista – a sua imediata relevância para uma praxis revolucionária». (p.8)
Depois, analisando Maximilien Ruben e a unidade do pensamento de Marx:
«A obra de Marx é uma, o pensamento de Marx foi um durante toda a sua vida: aquele que pela primeira vez se manifesta na Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e nos Manuscritos de 44 e permanecerá inalterado até a O Capital e à Crítica do Programa de Gotha.
Toda a obra de Marx é uma clara e ilimitada adesão ao “comunismo como escala de valores”, o seu socialismo “repousa sobre premissas éticas” O Capital é uma “condenação moral, um gesto de recusa”, “a ‘crítica da economia política’ confunde-se em ultima instância, e apesar do seu amoralismo, com um ensinamento ético”». (p.26, 27)
Sobre Herbert Marcuse e a teoria marxista da revolução:
«Toda a teoria da revolução terá que definir pelo menos os seguintes pontos: (1) o que é que se revoluciona – isto é, qual é o objectivo da revolução? (2) quem é que faz, e de que modo se faz, a revolução – isto é, quem é o sujeito e qual é o processo da revolução? (3) em vista de que é que se faz a revolução – isto é qual é o fim e o resultado da revolução?» (p.64)
«Todas as dificuldades da teoria da revolução de Marcuse entroncam muito mais fundo, no próprio cerne do fundamento ontológico da revolução. O que é a revolução? Por que é que ela terá de ser efectivada pelas forças exteriores ao sistema? Por que é que ela terá de se afirmar como ruptura total?» (p.73)
Desmontando Marcuse:
«Afinal, o conceito de revolução de Marcuse tem pouco ou nada de marxista. A pretensão de a legitimar dentro dos quadros da própria teoria marxista tem de ser rejeitada.
Ela representa antes um retrocesso ao pré-marxismo, ao socialismo utópico de um Fourier. Importa a rejeição da tentativa de teorização histórica ("científica”) de Marx. Significa uma revalorização do anarquismo. Implica uma desvalorização do aspecto económico da revolução. Manifesta a substituição da teoria da luta de classes por uma teoria de elites-massas. E traduz finalmente a decisão por um idealismo voluntarista, em que à “imaginação”, à “fantasia”, “à utopia”, à opção por soluções igualmente realizáveis (“socialismo ou barbárie”) é dado o lugar que em grande medida lhes falta numa concepção materialista da história.» (p.89, 90)
«A teoria da revolução em Marcuse é, no fim, uma teoria da não revolução. (…) Esta [teoria marxista] possui os conceitos necessários para apreender a transformação da sociedade presente na sociedade que a própria teoria inscreve no curso da história.» (p.91, 92)
Polemizando com António Reis sobre Marcuse:
«Tome-se este texto [citação da “Crítica do Programa de Gotha” onde Marx explica o conceito de comunismo] por aquilo que ele efectivamente é: uma referência em concreto a uma ideia mais geral – a de que a grandiosa visão da sociedade comunista, do homem enfim liberto de todas as alienações (visão contida nos Manuscrito de 44), é aqui feita depender da abundância material, do fim tendencial do trabalho, em resumo, do fim da economia. Ela pressupõe o fim da “escravizante subordinação à divisão de trabalho”, o alargamento da “esfera da liberdade”, e a eliminação da “esfera da necessidade», como Marx dirá noutro lado.» (p.103)
Na mesma polémica atente-se bem nesta passagem:
« (…) para mim a teoria marxista da revolução socialista se integra coerentemente na teoria marxista do capitalismo, que, por sua vez é uma “aplicação” particular da teoria geral das formações sociais.» (p.109)
E nesta:
«O capitalismo não é hoje o mesmo de há cem anos. Mas, por mais transformações que tenha sofrido – e foram muitas –, elas não implicam que o capitalismo tenha deixado de ser… capitalismo; que tenha deixado de haver apropriação e utilização privada do sobre-produto social por uma classe; que tenha deixado de existir o controlo da sociedade através de um estado de classe; que as ideologias das classes dominantes tenham deixado de ser as ideologias socialmente dominantes. Sob o ponto de vista marxista, afirmar isso seria negar os princípios fundamentais da teoria.» (p.110)
Obrigado Vital!
Nota final: No anterior artigo, certamente por falta de espaço “caiu” este período. «Igualmente significativo é o facto de os novos patrões, surgidos na década de 90 em Portugal, terem, em média, apenas 7,7 anos de escolaridade.». O que atesta que se mantém um nível de escolaridade e de qualificação de muitos e muitos empresários significativamente INFERIOR ao dos seus trabalhadores.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 13 de Novembro de 2007