É certo que o empreendimento da construção da nova sociedade – a sociedade socialista – se revelou mais difícil, mais complexa, mais irregular, mais acidentada e mais demorada do que nós, os comunistas, previmos e anunciámos.
Absolutizaram-se como leis objectivas de curso imparável leis relativas à evolução económica e social num determinado período histórico. Absolutizaram-se leis tendenciais relativas ao sistema capitalista que, sendo tendenciais, podiam ser contidas, e de facto de certa forma o foram, por factores que as contraditavam. Acreditou-se na irreversibilidade do socialismo. Considerou-se quase como fatal que a competição económica entre os dois sistemas se resolveria a curto prazo a favor do socialismo.
Subestimaram-se factores subjectivos, todas as consequências de erros graves, a possibilidade de a partir do próprio poder político após a revolução se verificar um afastamento dos ideais comunistas, conduzindo à mudança efectiva do exercício popular do poder político, à degeneração da democracia socialista, à estagnação e ulterior bloqueio das forças produtivas, à oposição do povo ao poder e como resultado, à degeneração e desagregação do sistema socioeconómico socialista.
Mau grado essas incorrectas apreciações e previsões, o facto é que o século XX ficará marcado na história precisamente por esse empreendimento gigantesco de transformação social que foi a concretização da sociedade socialista. Pelas suas grandes realizações e conquistas. Pela transformação radical do bem estar dos povos. Por importantes direitos alcançados pelos trabalhadores. Pelo ruir do sistema colonial e a conquista da independência por povos secularmente dominados, explorados e colonizados por Estados estrangeiros. O que marca o século XX na história não é qualquer superioridade do capitalismo, mas as profundas e revolucionárias transformações sociais verificadas pela luta dos trabalhadores e dos povos do mundo.
O século XX não foi o século do “fim do comunismo” (como para aí apregoam), mas sim o século do “princípio do comunismo” como concretização e edificação de uma nova sociedade para o bem do ser humano.
Silenciar Lénine é silenciar a revolução socialista, a grande e histórica realização da Revolução de Outubro e o poderoso e determinante impulso que a revolução socialista e a teoria revolucionária deram à luta emancipadora dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo ao longo do século XX.
Com Marx a utopia converteu-se em pensamento político e este em acção revolucionária. Com Lénine o projecto político e a acção revolucionária converteram-se na revolução vitoriosa, na realização concreta do objectivo de construção da sociedade nova – a sociedade socialista, considerada como primeira fase do comunismo.
O abandono do leninismo por alguns partidos comunistas conduzi-os a converterem-se em partidos social-democratas ou social-democratizantes. O abandono do pensamento de Marx por partidos socialistas e social-democratas que durante muitos anos se afirmaram de inspiração ideológica marxista conduzi-os a afastarem-se totalmente de posições socialistas.
Considerando a influência e a força da teoria revolucionária no século XX é infundada a tentativa de opor o pensamento de Marx ao pensamento de Lénine e vice-versa. As teorias de Marx foram desenvolvidas por Lénine a partir da análise do desenvolvimento do capitalismo, das transformações económicas e sociais, dos novos conhecimentos científicos, da experiência da luta revolucionária.
As grandes transformações progressistas realizadas no mundo ao longo do século XX estão ligadas a três elementos principais de que são inseparáveis: a luta dos trabalhadores, designadamente da classe operária, das massas populares, dos povos submetidos; a acção de forças revolucionárias orientadoras e mobilizadoras da energia popular transformadora, com papel preponderante dos partidos comunistas; uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que ganhando as massas se tornou uma força material e que permitiu não apenas explicar o mundo mas ser um guia para a acção transformadora.
Se consideramos um século XX como o século de grandes conquistas e mudanças sociais revolucionárias, coloca-se a questão de saber a que forças sociais e políticas se devem essas conquistas e mudanças.
Avançando nos caminhos desconhecidos da construção da sociedade nova não só é indispensável descobrir as soluções certas, mas é também indispensável a prevenção e atenção à surpresa e ao inesperado e a preparação para se estar em condições de dar com criatividade respostas adequadas às novas situações.
Os processos e transformações revolucionárias ao longo do século, o empreendimento da construção do socialismo nas condições económicas, sociais e políticas mais variadas em países de todos os continentes, a diversidade das vitórias e êxitos e as derrotas e fracassos e nomeadamente a derrocada da URSS e dos países do leste da Europa, indicaram porém que não há nem pode haver um modelo universal de socialismo, que a diferença de situações implica a diferença de soluções, e que na construção da nova sociedade há que discernir os elementos que a impulsionam e asseguram e factores negativos que a contradigam e possam conduzir à sua própria destruição.