Para os filhos dos homens que nunca foram meninos...
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Rolam dias iguais a todos os dias; o Outono chega, cavalgando o vento. E Gineto mantém a mesma fé de quando entrou na prisão.
Através da cela, ouve tropel de cavalos e alarido de muito povo, a entrecortar um sussurro distante, confuso, de música e tiros e vozes... É a Feira. Gineto anima-se, crente de que os companheiros virão buscá-lo neste dia de festa, trazendo Rosete com eles. Encosta a face às grades, espera o regresso à vida livre.
Uma voz canta, mesmo por baixo da janela, uma canção que ele ouviu, certa tarde, no alto do Mirante. Ele grita:
— Gaitinhas! Tou aqui, Gaitinhas!
Mas a voz afasta-se. Gaitinhas-cantor vai com o Saguí correr os caminhos do mundo, à procura do pai. E, quando o encontrar, virá então dar liberdade ao Gineto e mandar para a escola aquela malta dos telhais — moços que parecem homens e nunca foram meninos.
Final de «Esteiros» , de Soeiro Pereira Gomes, livro que tem a seguinte dedicatória:
«Para os filhos dos homens que nunca foram meninos, escrevi este livro»
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A sua obra de escritor é curta, mas valiosa e significativa. A par dos «Contos Vermelhos», em que narra episódios da vida e da luta clandestina, e do romance «Engrenagem», inspirado pela sua experiência na Cimento Tejo, a sua afirmação como romancista revela-se com «Esteiros» escrito e editado antes de passar à clandestinidade.
«Esteiros» é uma comovente história da vida de crianças que (como ele escreveu) «nunca foram meninos». Uma história de trabalho infantil; de miséria; de picardias, de audácia e aventuras, transbordando qualquer coisa de heróico na vida dessas crianças.
«Esteiros» foi desde logo considerado e reconhecido como uma pequena obras prima. Pediu-me que a ilustrasse e assim fiz, certo porém de que os modestos desenhos não eram dignos do valor da obra literária. Observação atenta da vida, «Esteiros» é um romance de profundos sentimentos de amor e ternura pelas crianças e transmite (sem o explicitar) a indignação pela exploração e miséria de que são vítimas.
Este romance traduz (não em termos de análise política, mas com igual força de expressão e convencimento) o humanismo dos ideais e da luta dos comunistas.
Trecho de um depoimento de Álvaro Cunhal in «Avante!» Nº 1359 - Soeiro Pereira Gomes
Este "post" é dedicado às crianças vítimas da pedofilia, a propósito da leitura da sentença do "Processo Casa Pia"
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