A ladainha da Brigada do Reumático (III)
(continuação)
Quem, tendo vivido os derradeiros momentos do fascismo, não se recorda dessa antológica cena de ópera bufa envolvendo o encontro dos altos comandantes das Forças Armadas com o então presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, pomposa cerimónia que entrou na gíria popular como sendo a da «Brigada do Reumático»?
Passados cerca de 36 anos, com novos actores, em circunstâncias políticas diferentes e a pretexto da actual situação do país, mas repetindo o mesmo guião «operático-reumatismal», assiste-se, no Palácio de Belém, ao encontro entre o Presidente da República e um vasto conjunto de ex-ministros das Finanças, todos eles com vastos currículos políticos, académicos e profissionais.
(…)
Nenhum deles, e muito menos o anfitrião, tiveram qualquer culpa na situação actual. Longe disso, afirmam também a pés juntos as conhecidas e consabidas vozes do dono.
Não carregam com o peso de nenhuma responsabilidade. Nenhuma.
(…)
Com efeito, incluindo o actual Presidente da República:
(...)
Nenhum deles foi apologista quanto aos critérios na concessão de crédito por parte da banca, no privilégio dado à «economia de casino», em detrimento da economia ligada à produção de bens transaccionáveis.
Nenhum deles permitiu que os recursos colocados à disposição da banca fossem delapidados na construção de uma excessiva rede de autoestradas, no estímulo à obsessiva renovação do parque automóvel, na densificação de telemóveis, sectores que guindam Portugal nos primeiros lugares do ranking mundial.
Nenhum deles concordou com o peso excessivo que a banca teve na trilogia «venda de terrenos-construção de novas habitações-actividades imobiliárias», porque sabiam que o vultuoso crédito aí destinado faltaria em sectores estratégicos na área da agricultura, das pescas e das indústrias. Acresce a isto o facto de eles saberem que o país iria pagar cara a circunstância de haver uma excessiva oferta de casas novas, comparativamente à procura, ou seja: um imenso capital empatado, isto num país que anda de mão estendida a pedir dinheiro emprestado no estrangeiro.
Nenhum deles pugnou pela existência das famigeradas parcerias público-privadas, designadamente em todas aquelas em que o Estado arca com a socialização dos prejuízos, garantido aos privados um negócio certo e seguro, com taxas de rentabilidade muito superiores aos valores médios dos vários sectores da nossa economia.
A este propósito, tenhamos presente, entre muitos outros, o rocambolesco processo do Hospital Amadora-Sintra, sob a gestão do Grupo Mello, e o não menos rocambolesco processo do terminal de Alcântara a cujo concessionário, onde pontifica o egrégio Jorge Coelho, foi garantida uma taxa interna de rentabilidade na ordem de cerca de 14%, valor de fazer inveja à taxa de rentabilidade dos capitais próprios da generalidade das empresas ligadas aos sectores primário e secundário do nosso tecido produtivo.
(continua)
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