A ladainha da Brigada do Reumático (V)
(continuação)
Quem, tendo vivido os derradeiros momentos do fascismo, não se recorda dessa antológica cena de ópera bufa envolvendo o encontro dos altos comandantes das Forças Armadas com o então presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, pomposa cerimónia que entrou na gíria popular como sendo a da «Brigada do Reumático»?
Passados cerca de 36 anos, com novos actores, em circunstâncias políticas diferentes e a pretexto da actual situação do país, mas repetindo o mesmo guião «operático-reumatismal», assiste-se, no Palácio de Belém, ao encontro entre o Presidente da República e um vasto conjunto de ex-ministros das Finanças, todos eles com vastos currículos políticos, académicos e profissionais.
(…)
Nenhum deles, e muito menos o anfitrião, tiveram qualquer culpa na situação actual. Longe disso, afirmam também a pés juntos as conhecidas e consabidas vozes do dono.
Não carregam com o peso de nenhuma responsabilidade. Nenhuma.
(…)
Com efeito, incluindo o actual Presidente da República:
(...)
Nenhum deles abençoou o «negócio da china» que dá pelo pomposo nome de outsourcing, ou seja, os serviços prestados pelos grandes escritórios de advogados e pelas empresas de consultoria, designadamente na área da economia e da engenharia para onde têm sido drenados, ao longo dos anos, centenas de milhões de euros, verbas que poderiam ser evitadas se fosse valorizado o saber existente, quer na função pública, quer nas nossas universidades.
(Abre-se aqui um parêntesis para dizer que, para a elaboração de uma história contemporânea, é mais importante o contributo dos grandes escritórios de advogados do que o papel científico dos historiadores. Com efeito, nesses grandes escritórios de advogados sabe-se mais das relações de poder e de dinheiro do que, na Idade Média, os padres sabiam por via da confissão).
Nenhum deles se esqueceu, um momento sequer, de introduzir na estrutura da função publica, no sector empresarial do Estado e na sociedade em geral modelos comportamentais, perfeitamente mensuráveis, tendentes a combater a corrupção, exemplarmente tipificada durante o cavaquismo na utilização dos dinheiros do Fundo Social Europeu e, no socratismo, nessa imensa hidra que dá pelo nome de «Face Oculta», em esquecer os gastos escandalosos levados acabo por essa miríade de boys e girls do PS, do PSD e do CDS-PP que proliferam nos ministérios, nos institutos, nas entidades reguladoras e no sector empresarial do Estado.
Nenhum deles deixou de solicitar ao Ministério Público uma investigação, caso a caso, das derrapagens nas obras públicas, no sentido de se saber a quem beneficiava o cambalacho em torno da diferença entre o valor original atribuído a uma obra e o valor final dessa mesma obra.
Nenhum deles impediu medidas justas e racionais na máquina do Estado, em ordem quer ao controle e à recolha de impostos por forma a introduzir uma maior justiça fiscal, quer a evitar o regabofe dos perdões e prescrições fiscais. O que aconteceu, a este propósito, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro e Oliveira Costa era secretário de Estado foi um mero descuido, sem qualquer consequência, não obstante as más línguas referirem que estávamos perante um verdadeiro caso de polícia. Embora tudo isto fosse público estamos certos de que o ministro das Finanças da altura não sabia de nada. Tão certo quanto à ignorância de Salazar relativamente à actividade da PIDE.
(continua)
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