A ladainha da Brigada do Reumático (VI)
(continuação)
Quem, tendo vivido os derradeiros momentos do fascismo, não se recorda dessa antológica cena de ópera bufa envolvendo o encontro dos altos comandantes das Forças Armadas com o então presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, pomposa cerimónia que entrou na gíria popular como sendo a da «Brigada do Reumático»?
Passados cerca de 36 anos, com novos actores, em circunstâncias políticas diferentes e a pretexto da actual situação do país, mas repetindo o mesmo guião «operático-reumatismal», assiste-se, no Palácio de Belém, ao encontro entre o Presidente da República e um vasto conjunto de ex-ministros das Finanças, todos eles com vastos currículos políticos, académicos e profissionais.
(…)
Nenhum deles, e muito menos o anfitrião, tiveram qualquer culpa na situação actual. Longe disso, afirmam também a pés juntos as conhecidas e consabidas vozes do dono.
Não carregam com o peso de nenhuma responsabilidade. Nenhuma.
(…)
Com efeito, incluindo o actual Presidente da República:
(...)
Nenhum deles deixou, junto do Banco de Portugal, de reclamar medidas eficazes contra a banca privada pela sua actividade no desvio de capitais para os paraísos fiscais, por via desse embuste que dá pelo nome de «planeamento fiscal». A magnitude deste comportamento está bem patente no mega processo «Furacão», recentemente relembrado pelo envolvimento do patrão da Mota Engil, suspeito de prática de crimes de fraude fiscal agravada e de branqueamento de capitais.
Nenhum deles teve qualquer problema na sua relação com as Finanças, quer no pagamento da sisa, quer na regularização de mais-valias, quer quando um ex-titular do Ministério declara às Finanças apenas um rendimento de três contos, (ainda circulava o escudo) em vez dos trinta contos recebidos por um parecer encomendado por um empresário relativo a um determinado negócio.
Concluindo: quando, repetidamente, usámos a expressão «Nenhum deles» fizémo-lo com a intenção de, salvo as devidas excepções, falar de pessoas que, à exaustão, em entrevistas, em declarações públicas, em artigos editados em jornais e revistas propuseram, para milhões de portugueses, a redução salarial e a diminuição das prestações sociais, ao mesmo tempo que muitos deles próprios foram, no circuito formado pelo Banco de Portugal, Caixa Geral de Depósitos, Universidades, administração pública, sector empresarial do Estado e actividades governativas, acumulando reformas sobre reformas, sem que tivessem atingido a idade legal para a reforma e sem que tivessem tido um período laboral similar ao período contributivo exigido pela Segurança Social.
É evidente que nada disto é ilegal.
Mas é evidente que tudo isto, no nosso Estado de Direito, é rasteiro, ilegítimo, imoral e socialmente condenável.
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O epílogo das brigadas do reumático
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Tudo o atrás referido, dizem os interessados e proclamam as vozes do dono, está, pois, em conformidade com o normativo legal.
As leis existem e elas são cumpridas. Enfim, reina a ordem no nosso Estado de Direito.
Porém, tal como em situação dolorosa exclamou Galileu, «...contudo, ela move-se...», também nós acreditamos que o Estado de Direito também se move.
Recordamos, voltando ao início do texto, que o epílogo do Estado de Direito, aquando da «Brigada do Reumático» recebida por Marcelo Caetano, acabou naquilo que todos nós sabemos, a jornada gloriosa do 25 de Abril, dando assim início a um novo Estado de Direito.
Quanto ao epílogo da simbólica «Brigada do Reumático» recebida por Cavaco Silva e de outras contemporâneas «Brigadas do Reumático», aguardemos pelo Estado de Direito que vier a ser ditado pelo povo.
O tempo que for necessário.
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