Manifestações «autorizadas»
Uma mentira mil vezes repetida não passa, por esse facto, a ser verdade.
As centrais de comunicação dos sucessivos governos de Guterres, Barroso, Santana e Sócrates andam há muito a passar uma mensagem subliminar: os cidadãos portugueses precisam de autorização para se manifestarem.
A propósito da recente Cimeira da Nato em Lisboa mais uma vez os poderes instituídos puseram em marcha essa mensagem. E foi ver alguns jornalistas acríticos, manipuláveis ou manipuladores, a repetirem essa ideia até à náusea. Foi um fartote de «manifestações autorizadas» e «manifestações não autorizadas». Dias houveram em que não falhou um bloco de notícias. Fosse nas televisões generalista, fosse nas «especializadas» em «informação». O mesmo nas rádios, nos jornais e nas revistas.
Comentadores, apresentados como «especialistas» quais papagaios certificados, elucidavam, explicavam, explanavam para todos nós esse conceito: as manifestações carecem de autorização.
Mais grave foi ler, ouvir e ver comandos e porta-vozes da PSP a alinharem pelo mesmo diapasão. O que ou traduz ignorância, ou intenção deliberada. Em qualquer dos casos o Ministro e o Governo remeteram-se ao silêncio. E o mesmo se aplica ao Presidente da República.
E no entanto…
A Constituição da República Portuguesa afirma, de uma forma inequívoca, no seu artigo 45.º (Direito de reunião e de manifestação):
«1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, SEM NECESSIDADE DE QUALQUER AUTORIZAÇÃO.
2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.».
E o Decreto-Lei n.º 406/74 declara no seu artigo 1.º -1:
«A todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares, INDEPENDENTEMENTE DE AUTORIZAÇÕES, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas.»
Os promotores das manifestações apenas deverão AVISAR o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal, conforme o local se situe ou não na capital do distrito.
Será que alguns editores e jornalistas desconhecem a Constituição da República? Os comentadores e especialistas não sabem do que falam? Nas Escolas da PSP e da GNR não se ensina a legislação em vigor? Ou estamos perante um acção concertada, onde até nem falta o regresso ao tristemente célebre «inimigo interno» do tempo do fascismo de Salazar e Caetano?
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In "Jornal do Centro" - Edição de 26 de Novembro de 2010
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