Os Fingidores
«Se queremos criar empregos e se achamos que temos de melhorar de vida, então temos de ter maior investimento em actividades directamente produtivas. Não há maneira de reduzir o desemprego, de melhorar o produto e melhorar as condições de vida e também, é claro, de reduzir a dívida, sem produzir mais.» (João Salgueiro). E de súbito fez-se luz na cabeça do ex-presidente da Associação Portuguesa de Bancos. Que entre outras coisas também já foi, recorde-se, técnico do Banco de Fomento, director do Departamento Central de Planeamento, vice-governador do Banco de Portugal, presidente do Banco de Fomento, presidente da Caixa Geral de Depósitos, subsecretário de Estado do Planeamento (entre 1969 e 1971), ministro de Estado e das Finanças e do Plano (de 1981 a 1983). E, obviamente, não teve qualquer responsabilidade na actual situação económica e social do país. Nem andou durante mais de 40 anos a defender e a praticar exactamente o contrário do que defende agora!
«A dívida externa é a dívida para a qual pouca gente está a olhar. Ninguém está a reconhecer a existência deste problema», (Vítor Bento). Ninguém? E então o PCP? Para não ir mais longe, desde o início do século XXI (onde estava Vítor Bento?) que os comunistas portugueses andam a alertar para a crescente dívida externa de Portugal. E a propor medidas para resolver este problema. É só ler as Resoluções Políticas do XVI, XVII e XVIII Congressos. Ou as conclusões das Conferências e Seminários sobre as questões económicas. Ou os comunicados do Comité Central. Ou… O senhor Conselheiro de Estado tem andado distraído? Ou não estuda o que colegas seus de profissão escrevem?
«Ter uma reserva alimentar é uma questão de prioridade política». Portugal «tem terras disponíveis» e deve aproveitá-las para «não continuar a importar dois terços do que consome». (Basílio Horta). Confesso que estou estupefacto. Quem o afirma, obviamente, não defendeu, durante dezenas de anos, o contrário. Nem assistiu, impávido e sereno, à destruição sistemática da nossa agricultura. Nem permaneceu calado perante esse escândalo que tem sido, números redondos, o facto de ao longo dos anos 5% dos agricultores receberem 95% dos subsídios. E, inversamente, 95% dos agricultores terem de se contentar com os restantes 5%.
Teixeira dos Santos: «Não vejo muito mais por onde ir» se os mercados nos exigirem mais. «É quase uma insaciabilidade dos mercados a medidas de austeridade desta natureza.». Teixeira dos Santos e José Sócrates sabem, com conhecimento de causa, que o problema das taxas de juro da dívida soberana se resolve em 24 horas. Sabem que há soluções técnicas para isso. Sabem que a questão é política. Ambos o sabem, só que não querem afrontar o directório das grandes potências da União Europeia (UE). E por isso continuam a falar nos «mercados», escondendo de todos nós quem são os bancos, as companhias de seguros e os fundos que andam a lucrar com este negócio. E que negócio!
Por cada 1 milhão que pedem emprestado ao Banco Central Europeu (BCE) pagam 10 mil euros de juros. Por cada 1 milhão que «emprestam» a Portugal recebem em troca 60 ou 70 mil euros. Um lucro de 600 ou 700 por cento!!! Esta é a razão principal porque nos chamados leilões da dívida a procura é 3 e 4 vezes superior à oferta. Pudera! Quem não gostaria de ter um negócio assim? Mas a coisa não fica por aqui. De seguida, pegam nos títulos da dívida, os tais que segundo eles são um grande risco e daí as elevadas taxas de juro que cobram, e vão apresentá-los como garantia junto do BCE para novos empréstimos. É a agiotagem no seu melhor.
Este saque financeiro às economias dos países periféricos existe, não só, mas também por que as grandes potências da UE assim o impuseram quando da criação do euro. O sistema foi desenhado e concebido para assegurar lucros em permanência às mega empresas financeiras. Enquanto assim for a especulação vai-se manter. Os senhores aqui citados, obviamente, sabem-no. Fernando Pessoa escreveu «O poeta é um fingidor». Nem só os poetas…
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 4 de Fevereiro de 2011
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