Pesporrentos e prepotentes
A Câmara Municipal de Viseu (CMV) insiste em remover periodicamente as estruturas de propaganda política do Partido Comunista Português (PCP) - e APENAS as do PCP. Só neste ano de 2011 fê-lo nas eleições presidenciais. Fê-lo nas eleições legislativas. Fê-lo na Festa do «Avante!» (!!!) (terá sido por causa da visita de Pedro Passos Coelho a Viseu?).
Porquê esta autêntica cruzada contra a liberdade de propaganda do executivo da CMV? Porquê este afrontamento gratuito das leis da República, quando se trata de uma Câmara, cujo Presidente ainda é presidente da instituição que representa todos os municípios portugueses, a ANMP?
Estamos perante uma actuação da CMV repetida e sistemática. Que não se compreende senão à luz de um perigoso instinto censório, prepotente e autoritário. Que só é explicável pela pretensão de deliberadamente «eliminar» a forte presença política dos comunistas na cidade e no Concelho.
E no entanto a Lei é clara.
O Artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa estipula que «Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.». E que «O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.».
Ao longo dos últimos 25 anos, sempre que é chamado a pronunciar-se sobre este tema, o Tribunal Constitucional (TC) tem-no feito no mesmo sentido. Basta ler os sucessivos acórdãos – nº 74/84, 248/86, 307/88, 636/95, 231/2000, 258/2006. O TC considera, inequivocamente, que em matéria de propaganda política «a regulamentação legislativa é integralmente reservada à Assembleia da República». E «só a Assembleia da República pode proceder à sua restrição, seja qual for o motivo invocado para o fazer.».
Mais diz o TC: «a própria regulamentação de direitos, liberdades e garantias deve ser feita por lei ou com base em lei, não podendo ficar para regulamentos dos órgãos autárquicos mais do que “pormenores de execução”».
E reafirmam o TC, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e o Tribunal da Relação de Coimbra (este último numa sentença que abrange a CM de Viseu) que: os «órgãos executivos autárquicos não têm competência para regulamentar o exercício da liberdade de propaganda e não podem mandar retirar cartazes, pendões ou outro material de propaganda gráfica, assim como concomitantemente as autoridades policiais se devem abster de impedir o exercício dessa actividade política, no desenvolvimento de direitos fundamentais dos cidadãos».
«A aposição de mensagens de propaganda, seja qual for o meio utilizado, não carece de autorização, licenciamento prévio ou comunicação às autoridades administrativas, sob pena de se estar a sujeitar o exercício de um direito fundamental a um intolerável acto prévio e casuístico de licenciamento que, exactamente por ser arbitrário, pode conduzir a discriminações e situações de desigualdade das forças políticas intervenientes», afirma o Tribunal Constitucional.
O mesmo tem sido, como não podia deixar de o ser, o entendimento da CNE.
A CMV sabe-o perfeitamente. Não é por acaso que no Regulamento de Publicidade do Município de Viseu de 2005 logo no seu Artigo 2.º, nº 2, se estipulava que «Exclui-se do âmbito de aplicação deste Regulamento a afixação e inscrição de mensagens de propaganda de natureza política.».
Também aqui se recorda o Parecer da CNE a propósito do «Regulamento sobre o Ordenamento da Propaganda Política», aprovado pela CMV, em Janeiro de 1995.
Disse então a CNE: «A liberdade de propaganda política, tenha ou não cariz eleitoral ou de apelo ao voto, vigora, pois, tanto durante a campanha eleitoral como fora dela e os órgãos executivos autárquicos carecem de competência para regulamentar o exercício da liberdade de propaganda…». E no nº 14 desse parecer: «As deliberações que consubstanciam o “Regulamento do Ordenamento da Propaganda Política” [da Câmara de Viseu] em apreço são materialmente ilegais».
Desenganem-se os prepotentes. Os 48 anos de ditadura fascista, com ilegalização, milhares de PIDE's, dezenas de milhar de legionários e bufos, aparelho repressivo da GNR e da PSP, perseguições, torturas e prisões não silenciaram a voz do Partido Comunista Português. Não será agora que ele se calará.
Nota solta: Este artigo foi escrito no dia 13 com os dados disponíveis nesse dia.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In "Jornal do Centro" - Edição de 16 de Setembro de 2011
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