Ainda e sempre trafulhas
O governo PSD/CDS deu à luz um chamado «Livro Verde» (negro, e não verde se ao conteúdo se fizesse corresponder a cor). Nele se apresentam um conjunto de propostas para uma dita reforma administrativa do poder local.
Propostas que constituem um verdadeiro programa de subversão do poder local democrático. Representam uma nova e mais despudorada tentativa de concretização da velha ambição dos partidos da política de direita de ajustar contas com uma das mais importantes conquistas de Abril. Visam, ao arrepio da Constituição da República, liquidar a autonomia das autarquias e reconstituir um modelo de dependência e subordinação existente até ao 24 de Abril. Propostas que, sublinhe-se, reeditam outras anteriormente apresentadas pelo Partido Socialista.
Estamos perante um manto de falsidades e de formulações generalizantes do tipo «ganhos de escala», «coesão territorial», «sustentabilidade financeira», «racionalização e eficiência», «reforço saudável do municipalismo» e outras que tais.
Qual a realidade das intenções que se esconde sob estas banalidades?
Em primeiro lugar, o desfiguramento do sistema eleitoral. Pretende-se a eliminação da eleição directa das Câmaras e a imposição de um regime de executivos homogéneos.
O objectivo é reduzir de forma significativa o número de eleitos (menos 20 mil!!!). Que interessa que a realidade os desminta? Desde o 25 de Abril de 1974 realizaram-se em Portugal por dez vezes eleições para as autarquias. Todas com o actual sistema eleitoral. Nestes anos foram eleitos 3.063 executivos municipais. Houve apenas necessidade de realizar eleições intercalares em 20 (0,7%). Em metade destes executivos dissolvidos haviam maiorias absolutas. A realidade é tramada…
Mais. Se estas propostas fossem aprovadas os executivos camarários, nomeados e demitidos pelo Presidente da Câmara, ficariam ao nível do actual gabinete de apoio. Seria a consagração legal de um regime construído sobre o poder absoluto e a falta de controlo democrático. Contendo, portanto, em si mesmo ausência de transparência e factores de corrupção.
Em segundo lugar, a liquidação (pomposamente chamada de «agregação») de, para já, quase duas mil freguesias. Ao que se seguiriam dezenas de concelhos. Tudo isto acompanhado de um novo (mais um!) regime de finanças locais.
O objectivo é eliminação, de facto, da autonomia administrativa das autarquias. Colocá-las ao nível de uma qualquer repartição do ministério das finanças ou do ministério da tutela. A ambição dos autores destas propostas é de impor um sistema de governação local que, à boa maneira do fascismo, tratava de nomear presidentes de câmaras e regedores para as freguesias, remetendo a gestão política para os chefes de secretaria municipais.
Deixemo-nos de trafulhices! O Povo tem memória! Os mesmos (PSD, CDS, PS) que hoje defendem maiores poderes para as Assembleias Municipais, são os mesmos que sempre, repito, sempre, chumbaram na Assembleia da República propostas nesse sentido.
Os mesmos que hoje querem apagar do mapa duas mil freguesias, são os mesmos que durante mais de 30 anos e até ontem (anterior legislatura) propuseram e concretizaram a criação de dezenas e dezenas de freguesias.
Os mesmos que hoje falam em «sustentabilidade financeira» sabem que é residual o peso do poder local no Orçamento do Estado – 7% da despesa. E ínfimo o das freguesias – 0,1%. Não, não é gralha caro leitor. É mesmo verdade!
A população, o movimento associativo e outras organizações presentes na vida local, os eleitos em geral, os trabalhadores da administração local, não deixarão de erguer a sua voz. E não permitirão que se concretizem estes projectos de liquidação do poder local democrático. Projectos de mutilação de princípios constitucionais e de empobrecimento da vida e do regime democrático.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In "Jornal do Centro" - Edição de 25 de Novembro de 2011
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