AQUI HÁ GATO
Os leitores que me desculpem a redundância mas, ou muito me engano, ou andam a enganar-nos. Como diz a sabedoria popular «aqui há gato».
Desde a introdução da nova moeda o fenómeno alastrou a vários países da chamada “zona euro”. Assiste-se, nomeadamente em França, Itália e outros, a um divórcio crescente entre os números oficiais e o real nível de rendimentos da maioria da população. Sobre este facto se têm pronunciado cada vez mais economistas, e não só, insuspeitos de simpatia pelo marxismo-leninismo, ou mesmo pelo movimento sindical.
Também em Portugal há uma contradição insanável entre a taxa oficial de inflação e a real subida do custo de vida sentida por todos nós. A culpa, obviamente, não é dos funcionários do INE. Mas sim dos critérios que estão subjacentes à composição do chamado “cabaz de compras” (despesas). Cabaz a partir do qual se calcula a referida taxa.
Este cabaz tem ainda como referência o Inquérito aos Orçamentos Familiares realizado em 2000 (antes da entrada de Portugal na Zona Euro). E do qual não faz parte (???), por exemplo, o valor dos chamados empréstimos à habitação.
É verdade que um novo inquérito às Despesas Familiares foi realizado em 2005. Mas os seus resultados ainda não são conhecidos, tendo a sua divulgação vindo a ser adiada mês após mês. O que não deixa de ser muito estranho. Será que a central de informações do governo classificou este documento como de «muito secreto»? Só pode.
Mistério dos mistérios. Nada faz subir a taxa de inflação.
Nos empréstimos à habitação, que abrangem mais de 1.600.000 famílias (cerca de metade das famílias portuguesas), as taxas de juro subiram, em 2007, perto dos 25%. Para 2008 as perspectivas não são muito melhores. Na saúde as despesas agravaram-se em média 7,5% (três vezes mais do que a inflação registada). Só as despesas dos portugueses com os serviços hospitalares cresceram no mesmo ano 53,8%.
Nos transportes o aumento para 2008 é 3,9%, com a reserva de que haverá nova actualização. O acréscimo do preço do pão poderá chegar aos 30%. Os restantes produtos alimentares rondarão os 5 a 10%. A subida no preço da electricidade será de 2,9%. Os aumentos no gás andarão entre os 4,3 e os 5,2%. Os novos preços nas portagens já estão em vigor com um acréscimo de 2,6%. A intenção do governo é aumentar, na saúde, as taxas moderadoras em 4%. Nos combustíveis o agravamento é certo, mas o seu valor é um enorme ponto de interrogação com repercussões em quase todos os produtos de consumo.
E no entanto a taxa de inflação prevista para 2008 é de 2,1%. Sem comentários…
É sabido que é no conjunto dos trabalhadores e reformados que de uma forma mais violenta se faz sentir o brutal aumento do custo de vida. A realidade evidente é que a taxa de inflação é, em Portugal e na União Europeia, sobretudo um importante instrumento e um garrote para fazer conter a evolução dos salários e das pensões. É um meio para agravar ainda mais a injusta repartição do rendimento nacional. Recorde-se que a parte dos salários no rendimento nacional, que atingiu os 59% em 1975, era de 40% em 2004.
A verdade nua e crua é que a taxa de inflação é uma ferramenta fundamental da política de efectivo favorecimento dos lucros e da acumulação capitalista em detrimento de uma justa valorização dos salários e pensões. Política que tem sido impiedosamente praticada pelos sucessivos governos, com particular destaque para o de José Sócrates.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 10 de Janeiro de 2008