Todos e a uma só voz!
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As horas que se seguiram à «irrevogável» demissão de Portas – terça-feira dia 2 – provocaram uma visível desconcertação no discurso dominante. De repente, era ler e ouvir alguns dos indefectíveis da política de direita clamar por eleições e arrasar os membros e os partidos do Governo. O degradante espectáculo oferecido pelo Presidente da República, dando posse em directo a uma ministra de um Governo em decomposição, era pasto para os mais variados gozos que, aliás, se mantiveram até ao final do dia. Foi contudo um breve desalinhamento da voz do dono. Em poucas horas foram tomadas todas as medidas para corrigir a situação: foi definido o guião ideológico que justificaria a continuação do Governo; foi mobilizado o exército de comentadores e analistas de serviço onde não constam comunistas; foi desenhado o encadeamento dos noticiários, das «sondagens», das primeiras páginas; foi decidido que o único ângulo, a única abordagem possível sobre a crise política era a do capital.
No acerto de tónicas e argumentos houve, em primeiro lugar, que desligar aqueles acontecimentos das consequências da política que o Governo leva a cabo – desemprego, empobrecimento, exploração, dependência, roubo e saque do País – e sobretudo, da poderosa luta de massas que se ergueu para a combater. Tudo se resumia a «jogos partidários», a estados de alma e ambições pessoais, a amuos e provas de força.
De seguida, a chantagem. Decretou-se que em dois dias o país «perdera» 3,8 (???!!!) mil milhões de euros e que a queda do Governo e as eleições teriam custos incalculáveis. Os mercados, que há alguns meses andavam arredados do vocabulário mediático, regressaram em força. Os mercados não aceitam eleições, os mercados estão irritados, os mercados não vão emprestar dinheiro. E também a troika, com uma 8.ª avaliação à porta, a mobilizar-se pela voz da Comissão Europeia ou do governo alemão. Aliás, registe-se o insultuoso sublinhado, tantas vezes repetido, de que Portugal não é hoje um país soberano. Nos casos em que a rasteirice foi mais longe desenvolveu-se, com muito pouca vergonha, a ideia de que o povo português não poderia «desperdiçar» com eleições o esforço entretanto realizado, ou seja, há que continuar a fazer sacrifícios.
Apagadas as causas da crise, ocultada a luta entretanto travada – cujas mobilizações do PCP (no dia 3) e da CGTP-IN (no dia 6) nunca foram além das «centenas de participantes» –, feita a chantagem e a intimidação, seguiu-se a fase do «acordo» e com ele «estamos melhor agora do que antes», como sintetizou José Miguel Júdice em nome da sociedade civil. O País tinha agora que agradecer a Passos e a Portas pela capacidade de encaixe de cada um «em nome do interesse nacional» e, sobretudo, ao Presidente da República, que «esteve muito bem» perante os acontecimentos. E tanto assim é que foram brindados com uma salva de palmas no Mosteiro dos Jerónimos por uma plateia onde pontificava Alexandre Soares dos Santos, o mais rico dos mais ricos de Portugal.
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