Chapelada Eleitoral
O pretexto é uma mentira esfarrapada, uma descarada aldrabice. A dita falta de «estabilidade governativa» das autarquias. Só que a realidade, essa «chata», aí está para os desmentir sem apelo nem agravo.
Desde o 25 de Abril de 1974 realizaram-se em Portugal por nove vezes eleições para as autarquias. Todas com o actual sistema eleitoral. Salvo erro ou omissão, NUNCA, em 31 anos de poder local democrático, um executivo camarário caiu por estar em minoria. O caso recente da C. M. de Lisboa, como é sabido, foi por opção própria do PSD.
Existem 308 câmaras municipais. Com base nos resultados das eleições de 2005 apenas 13%, ou seja, 42, são governadas por maiorias relativas. Onde os problemas de funcionamento, em geral, se têm resolvido pelo conhecido e democrático método da negociação política. As outras 87%, isto é, 266, são de maioria absoluta. Onde está pois a «falta de estabilidade»?
Acresce que só num país politicamente muito doente é que os dois maiores partidos (PS e PSD) podem defender que as maiorias absolutas são um quase insubstituível pilar da democracia. Na verdade, acordos, negociações, coligações e entendimentos entre diversas forças políticas têm, ou deviam ter, igual dignidade e naturalidade democráticas.
O que está de facto em causa nesta legislação não é tanto o garantir na secretaria maiorias absolutas. O que se pretende é afastar da vereação de 87% dos municípios portugueses os representantes dos partidos da oposição.
PS e PSD enchem a boca com loas à participação dos cidadãos e à proximidade entre eleitos e eleitores. Não deixa de ser elucidativo que lhes neguem logo à partida o simples e inalienável direito de, com o seu voto, poderem escolher aqueles que melhor os representem.
Uma questão exige resposta clara. O número de vereadores do executivo municipal é atribuído com base em quê? A resposta só pode ser uma – nos votos recebidos pelos partidos, coligações ou listas de cidadãos. Caso contrário poder-se-ia afirmar que tinha acabado a democracia.
Como muito correctamente aqui escreveu Vital Moreira (2005/06/25), «(…) a eleição conjunta [Câmara e A. M.] implicaria a natural "bipolarização" não somente na eleição do presidente da câmara municipal, mas também ao nível da eleição da assembleia municipal, garantindo na maior parte dos casos uma maioria fiel e obediente ao presidente, tanto mais que o candidato a presidente se encarregaria de controlar a composição da lista a que ele próprio irá presidir.»
E mais adiante: «A ameaça à democracia municipal desta proposta de reforma está na inaudita concentração do poder nas mãos do presidente da câmara e na domesticação política das assembleias municipais.»
Não podíamos estar mais de acordo. PS e PSD, a direita dos interesses, querem-nos impingir uma concepção antidemocrática da gestão das autarquias. Que acentuará inevitavelmente o carácter unipessoal e presidencialista da governação camarária. Reduzindo ao mesmo tempo a sua colegialidade e transparência. Depois disso ainda se poderá falar em «Poder Local democrático»?
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 23 de Janeiro de 2008
Adenda: Alguns dados do artigo estão incorrectos. Em 30 anos foram eleitos 2755 executivos municipais, havendo apenas necessidade de realizar eleições intercalares em 20, ou seja, em 0,7 por cento (sendo que em metade destes executivos dissolvidos existiam maiorias absolutas). Hoje existem 281 câmaras com maiorias absolutas, ou seja, 90 por cento do total. Portanto as câmaras com maioria relativa são 27.