NADA SERÁ COMO DANTES
Com a entrada em vigor da nova lei a partir de 2009 nada será como dantes nas autarquias.
Nada será como dantes nas campanhas eleitorais e nas eleições. Na maioria dos 308 concelhos do nosso país vamos assistir há repetição da falácia da «eleição para 1º ministro». Quando é de eleger 230 deputados da Assembleia da República que se trata. Pode-se afirmar com um elevado grau de certeza que, tal como sucede nas legislativas, analistas, comentadores e jornalistas não falarão de eleições para a Assembleia Municipal (AM). Mas centrarão as suas notícias, análises e comentários no eventual «Presidente» da Câmara. E PS e PSD lá estarão no terreno a escamotear o verdadeiro carácter das eleições.
Nada será como dantes nos executivos municipais. Será assegurada, na maior parte dos casos, uma maioria fiel e obediente à pessoa do presidente. Tanto mais que o candidato a presidente se encarregará de controlar a composição da lista à AM a que ele próprio irá presidir. É o regresso do caciquismo em todo o seu esplendor! Reforçado com o facto inadmissível de ser necessária uma maioria de 3/5 (em vez de 50%) na AM para que o executivo caia. O que como é fácil de verificar tornará na prática tal desiderato impossível. Acresce que vão crescer exponencialmente os conflitos entre partidos políticos e cabeças de lista.
Nada será como dantes no controlo directo da maioria pelos vereadores da oposição. Nos executivos com 5 elementos a oposição terá direito a 1. Nos com 7 a 2, com 9 a 3, com 11 a 4 e com 13 (caso de Lisboa) a 5. O exemplo de Lisboa é paradigmático. Com cerca de 29% dos votos, se a nova lei já estivesse em vigor, o PS elegeria 8 vereadores. As restantes forças políticas, que alcançaram 71% dos votos, teriam de se contentar com 5. É a bipolarização forçada em toda a sua plenitude! Para quem tiver dúvidas basta analisar o que se vai passar em 2009 com o CDS/PP. Os seus quadros nas vereações das câmaras municipais resultam, no fundamental, de cerca de 4 dezenas de coligações com o PSD. Perfeitamente dispensáveis por parte dos sociais-democratas neste novo quadro legal. O PSD «engolirá» os vereadores do CDS/PP sem qualquer problema eleitoral.
Nada será como dantes nas relações das Juntas de Freguesia com os executivos camarários e com as AMs. A nova lei, no âmbito da AM, retira aos presidentes de junta de freguesia o poder de votar os orçamentos e planos municipais. Trata-se de uma absurda afronta aos titulares dos órgãos autárquicos que de forma mais próxima e directa respondem perante as populações. Sublinhe-se que a participação dos presidentes das juntas nas AMs em representação directa dos cidadãos que os elegeram, é, como foi referido no debate no parlamento, um elemento de valorização democrática das assembleias e um factor acrescido em defesa dos interesses das populações.
Ainda há quem duvide da legitimidade da preocupação quanto ao estado da democracia e o seu futuro? Ainda há quem se interrogue sobre a razoabilidade de se considerar que a democracia está doente em Portugal?
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 6 de Fevereiro de 2008