NOTÍCIAS, COMENTÁRIOS, ANÁLISES
Como consumidor «compulsivo» e de peso de informação sobre as diferentes e multifacetadas vertentes da realidade que nos rodeia descubro muitas vezes temas aparentemente «malditos». Manifestamente há, na comunicação social dominante, quem tenha dificuldade em lidar com o assunto Partido Comunista Português, PCP. Seja na TV, na rádio ou na imprensa escrita. Em alguns casos mais extremos até parece que o tema «queima» e que quem lhe toca perde o discernimento que manifesta na abordagem de outras questões.
Exemplifiquemos com um caso prático. A manifestação do passado sábado organizada pelo PCP e que decorreu sobre o lema «Liberdade e democracia».
Tratou-se da primeira manifestação de rua convocada pelo PCP desde a instauração do regime constitucional em Portugal em 2 de Abril de 1976. Repito: a primeira vez. Tal facto é despiciente? Não tem interesse jornalístico? Não merece comentário? Não é importante analisar o porquê de tal decisão? Pois sobre este facto relevante de um partido político, com representação parlamentar, considerar necessário vir para a rua e fazer ouvir dessa forma a sua voz nada. Nicles. Nepias. Zero. Nem uma palavra, nem uma linha. E não se pode dizer que não tiveram tempo. Entre a convocação, a 17 de Janeiro, e a realização, a 1 de Março, passaram 43 dias.
Aparentemente jornalistas, comentadores e analistas só deram por isso quando Jerónimo de Sousa o referiu.
O PCP apresentou 6 razões aqui enunciadas resumidamente: porque não podemos aceitar a violação diária de importantes direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos; porque não admitimos que por via de leis anti-democráticas se procure condicionar o direito de livre organização, intervenção e actividade partidária; porque a democracia não pode ser impedida dentro das empresas; porque as injustiças e desigualdades sociais são cada vez maiores; porque a democracia é também composta de direitos sociais cada vez mais negados à larga maioria da população; porque não há democracia sem participação.
Sobre todos e cada um destas realidades se têm pronunciado, repetidamente e em diversos tons, diferentes actores políticos, económicos, sociais e culturais do nosso país. Quando é o PCP a fazê-lo aqui d’el rei. Ou, melhor ainda, minimiza-se as posições dos comunistas portugueses. Quando isso não basta silencia-se pura e simplesmente.
As primeiras páginas dos 4 diários de maior circulação foram disso exemplo. Público, Diário de Notícias e Correio da Manhã nada. Nicles. Nepias. Zero. Nem uma fotografiazinha. O Jornal de Notícias constituiu honrosa excepção. É curioso e sintomático que os diferentes editores de diferentes periódicos tenham tomado a mesma decisão de paginação. Como é óbvio não se reuniram e puseram de acordo. Só que o mesmo padrão ideológico e o mesmo pensamento dominante, ainda que com variantes e matizes, produziram os mesmos resultados.
Quase todos os dias nos bombardeiam com generalizações abusivas sobre «a crise dos partidos». Ou/e sobre o fim da militância partidária. Ou/e sobre a falta de representação social dos partidos. Ou/e sobre a inexistência de uma oposição. O êxito desta marcha veio, goste-se ou não, compreenda-se ou não, respeite-se ou não, colocar um desmentido insofismável a todas estas teses.
Desculpem lá, mas vão ter de conviver com esta realidade: a alternativa a este «estado de coisas» em Portugal existe. Um número equivalente a cerca de 60% dos militantes do PCP (o dobro dos que estiveram presentes no comício das eleições presidenciais do Pavilhão Atlântico) expressou-o nas ruas com indesmentível orgulho e convicção.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação