Concretizou-se, nestes últimos trinta anos, uma evolução nas relações capital/trabalho, profundamente desfavorável aos trabalhadores. Quer na distribuição dos rendimentos, quer no plano legislativo. Exemplos claros são as políticas de salários e fiscal. A legislação laboral e as condições laborais. Os contratos a prazo e o trabalho precário. A lei dos despedimentos e a negociação colectiva. Os direitos orgânicos nas limitações às liberdades sindicais e aos direitos das comissões de trabalhadores. O controlo de gestão.
1. Com o 25 de Abril de 1974 foram melhorados os salários, criado o salário mínimo nacional (SMN) e ampliadas as prestações da segurança social. Segundo cálculos então efectuados, foram abrangidos pelo estabelecimento do SMN cerca de metade dos trabalhadores. E este facto teve uma expressão ainda mais elevada no que se refere às mulheres trabalhadoras – 78%.
A repartição do rendimento entre capital e trabalho alterou-se profundamente a favor dos trabalhadores. A contratação colectiva, fixando não só os salários mas as condições de trabalho em geral, desenvolveu-se numa perspectiva sectorial e vertical. As convenções abrangiam todos ou a grande maioria dos trabalhadores.
Este quadro modificou-se profundamente ao longo do tempo. Sobretudo pela persistência de uma especialização produtiva baseada em produções de baixo valor acrescentado e pela natureza das políticas económicas. A parte dos salários no rendimento nacional, que atingiu os 59% em 1975, era de 40% em 2004.
As desigualdades salariais são muito elevadas. Portugal, com um factor 8,2 (2005), tem o maior leque salarial da União Europeia (U.E.) a 25. Em 2004 12,2% dos assalariados trabalhando a tempo completo recebia menos de 2/3 do ganho mediano. Este dado constitui uma indicação da incidência da pobreza laboral. Segundo o mais recente estudo sobre a «Pobreza em Portugal», 40% dos pobres são trabalhadores por conta própria ou por conta de outrem. Um em cada quatro assalariados a tempo inteiro vive com um salário de base próximo do SMN (até 15% acima deste salário). Esta realidade demonstra à saciedade que em Portugal se empobrece a trabalhar.
São mais atingidos alguns sectores de serviços (como os serviços sociais), o alojamento e restauração. Mas também algumas actividades industriais (como as indústrias têxteis, de vestuário e de calçado, por exemplo). O salário mínimo afastou-se progressivamente do salário médio. Passou de 68% em 1981 para menos de 50% em 2004. No outro extremo da escala, uma minoria de quadros superiores aufere ganhos, regalias e pagamentos em espécie, extremamente elevados. Por vezes superiores ou correspondentes aos da U.E.. Sublinhe-se que uma parte destes rendimentos não é declarada.
2. Os sucessivos governos têm apostado num modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e no baixo nível de escolaridade e de qualificação. As consequências estão à vista. Cerca de 71% da população empregada dispõe do ensino básico ou menos. Apenas 9,9% da população portuguesa têm a escolaridade de nível superior. Igualmente significativo é o facto de os novos patrões, surgidos na década de 90 em Portugal, terem, em média, apenas 7,7 anos de escolaridade.
Comparativamente à média da U.E. a 25, a fracção da população portuguesa com o ensino secundário completo é 2,6 vezes inferior. Por outro lado a taxa de retenção e abandono precoce nos Ensinos Básico e Secundário era de 46% em 2004. A maior de toda a U.E.. São estas e não outras, as principais causas do atraso estrutural do País.
O «Inquérito aos Orçamentos Familiares 2000» realizado pelo INE revelou uma correlação positiva entre o «grau de instrução do representante do agregado familiar» e «receitas médias líquidas anuais» do agregado familiar. De acordo com o INE, em 2006, o salário médio mensal de um trabalhador com o ensino básico era apenas de 565 euros. Mas com o ensino secundário e pós-secundário atingia os 758 euros. E com o ensino superior fixava-se nos 1355 euros.
3. E depois de uma vida inteira de trabalho como é? Em 2006, cerca de 83% dos reformados viviam com menos de um SMN por mês. Já 42% viviam com pensões inferiores a 300 euros (ou seja, 1 milhão e 100 mil reformados). O valor da pensão média das mulheres era 59,8% inferior à dos homens. E, no entanto, entre 1975 e 2004, a riqueza criada por trabalhador cresceu 41 vezes (o PIB por trabalhador subiu de 640 euros para 26 300 euros). Não obstante neste período ter baixado 2,3 vezes o número de activos por pensionistas.
Podemos concluir que significativos retrocessos sociais acompanharam as políticas dos sucessivos governos. A precarização das relações de trabalho. O debilitamento da regulação contratual. A secundarização no discurso político do objectivo do pleno emprego. O elevado grau de inefectividade das normas. A inserção desfavorável dos jovens no emprego. A discriminação das mulheres trabalhadoras. O enfraquecimento da legislação da protecção do emprego.
Nota final: registe-se que a remuneração MÉDIA de cada um dos nove membros do conselho de administração do Banco Comercial Português (salário fixo+salário variável+fundo de pensões) representou, em 2005, 320.762 (trezentos e vinte mil setecentos e sessenta e dois) euros/mês vezes catorze (ver as fontes e os detalhes em http://ocastendo.blogs.sapo.pt/51071.html). Em 2006 a verba em causa atingiu os 259.214 (duzentos e cinquenta e nove mil duzentos e catorze) euros/mês. Ou seja, 650 SMN. Esta realidade parece não inibir alguns destes administradores de defenderem publicamente a necessidade de contenção dos salários dos trabalhadores portugueses…
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "´Público" - Edição de 6 de Outubro de 2007
A portuguesa Vanessa Fernandes igualou hoje o recorde de vitórias em provas da Taça do Mundo de triatlo, ao vencer em Rodes, na Grécia, alcançando o seu 19º triunfo global, sexto da época.
A campeã do mundo igualou a marca da lendária Emma Snowsill, sua antecessora, numa temporada em que apenas não venceu uma das sete corridas em que participou na Taça do Mundo, precisamente em Mooloolaba, cedendo só para a australiana, que corria em casa.
Intervenção de Álvaro Cunhal enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi, em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição. O Encontro abordou três grandes temas: "Una concepción y un método para enfrentar los desafíos del nuevo milenio"; "Democracia, democracia avanzada y socialismo"; "Por la unidad de la izquierda a la conquista del gobierno".
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O quadro das forças revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século XX.
O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo. Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objectivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.
Esta nova situação no movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objectivos e da sua acção.
Por isso, quando se fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma nova composição e novos limites.
Estes acontecimentos não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e insubstituíveis, tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.
Entretanto, com diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este ou outro nome.
1ª - Ser um partido completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças das forças do capital.
Trata-se de uma independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um partido comunista. Afirma-se na própria acção, nos próprios objectivos, na própria ideologia.
A ruptura com essas características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.
2ª - Ser um partido da classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos.
Segundo a estrutura social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às massas trabalhadoras.
Não tendo isto em conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.
A substituição da natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos” significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir o partido a uma posição neutral na luta de classes – o que na prática desarma o partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da política das classes exploradoras dominantes.
3ª - Ser um partido com uma vida democrática interna e uma única direcção central.
A democracia interna é particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho colectivo, direcção colectiva, congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da orientação e acção política, descentralização de responsabilidades e eleição dos órgãos de direcção central e de todas as organizações.
A aplicação destes princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido actua.
Nas condições de ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.
4ª - Ser um partido simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.
Ao contrário do que em certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre estes dois elementos da orientação e acção dos partidos comunistas.
Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena actualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países.
5ª - Ser um partido que define, como seu objectivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores, uma sociedade socialista.
Este objectivo tem também plena actualidade. Mas as experiências positivas e negativas da construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição da sociedade socialista como objectivo dos partidos comunistas.
6ª - Ser um partido portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.
Desmentindo todas as caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva, antidogmática, dialéctica, criativa, que se enriquece com a prática e com as respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenómenos. Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da prática.
Marx no “O Capital” e Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do capitalismo sofreu porém, na segunda metade do século XIX, uma importante modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao monopólio.
Deve-se a Lénine, na sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo nos finais do século XIX.
Extraordinário valor têm estes desenvolvimentos da teoria. E igual valor têm a investigação e a sistematização dos conhecimentos teóricos.
Numa síntese de extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lénine indica “as três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”.
Na filosofia, o materialismo-dialéctico, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à sociedade.
Na economia política, a análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a teoria da mais-valia.
Na teoria do socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do homem pelo homem.
Ao longo do século XX, acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas, contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.
Daí o carácter imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas, procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a reflexão comum.
É de esperar que o Encontro Internacional na Fundação Rodney Arismendi de Setembro do ano corrente dê uma contribuição positiva para que este objectivo seja alcançado.
No dia em que se assinala o 90º aniversário de Óscar Lopes (2 de Outubro), o Secretário-Geral do PCP, Jerónimo de Sousa, endereçou ao militante comunista e prestigiado ensaísta, crítico literário e historiador uma saudação com o seguinte teor:
«No momento em que celebras mais um aniversário de uma vida exaltante, e procurando interpretar a grande admiração e fraternidade da Direcção do Partido para contigo – pelo homem, pelo intelectual, pelo revolucionário e comunista – recebe um imenso abraço extensível à tua companheira.
Tens dado camarada, uma inestimável contribuição na construção do Partido que temos e do Partido que somos, na conquista da liberdade e da democracia e na luta por uma nova sociedade.
O teu exemplo dá-nos força e confiança para prosseguir os muitos combates que travamos para alcançar um devir colectivo mais justo, livre e solidário neste fazer e refazer permanente da nossa acção e da nossa luta».
Intervenção de Álvaro Cunhal enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi, em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição. O Encontro abordou três grandes temas: "Una concepción y un método para enfrentar los desafíos del nuevo milenio"; "Democracia, democracia avanzada y socialismo"; "Por la unidad de la izquierda a la conquista del gobierno".
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O objectivo da construção de uma sociedade socialista de forma alguma impede, antes implica, que um partido comunista tenha soluções e objectivos a curto e médio prazo que proponha como alternativa à situação existente.
Atenção porém. Uma análise da situação e a definição de uma política têm de partir de realidades básicas do capitalismo, a que correspondem conceitos fundamentais da teoria revolucionária do proletariado:
— a divisão da sociedade em classes, umas que exploram, outras que são exploradas; — a luta de classes;
— a política de classe dos governos.
Trata-se de realidades e de conceitos. A sua descoberta não se deve a Marx e Engels mas a economistas e filósofos anteriores. O que é novo no marxismo é a análise das situações económicas e políticas concretas tendo na base esses conceitos.
É certo que, em situações pré-revolucionárias e noutras em que se criou um temporário equilíbrio das forças de classe, o poder político, fortemente condicionado, pode conjunturalmente não conduzir uma política ao serviço do capital. Pode mesmo realizar medidas progressistas de carácter anti-capitalista. São porém situações excepcionais e de pouca duração.
Não é o caso de países capitalistas de democracia burguesa. Nesses, o poder político falseia as quatro vertentes da democracia.
A económica – pela propriedade dos sectores básicos da economia pelo grande capital e a submissão do poder político ao poder económico.
A social – pela exploração e a miséria dos trabalhadores e das massas populares e a concentração da riqueza num número limitado de gigantescas fortunas.
A cultural – pela propaganda da ideologia do grande capital, por um sistema de ensino discriminatório para os filhos das classes trabalhadoras, pela propaganda de ideias obscurantistas, pelos atentados à criatividade artística, pela multiplicação de seitas religiosas.
A política – pelo abuso e absolutização do poder e a liquidação dos órgãos e mecanismos de fiscalização democrática do seu exercício, pela alteração inconstitucional da legalidade e das competências dos órgãos de soberania quando as leis em vigor se revelam insuficientes para o exercício absoluto do poder do grande capital.
E toda esta degradação se desenvolve com os pretextos da necessária “estabilidade” e do “Estado de direito”.
A degradação da democracia política – trazendo consigo os espectaculares e teatrais conflitos de chicana parlamentar, o carreirismo, a impunidade e a corrupção – provoca o descrédito da política e dos políticos.
Entretanto, a política é uma actividade necessária e os comunistas e outros verdadeiros democratas são diferentes e melhores na prática política e distinguem-se da chamada “classe política” desacreditada.
Os poderosos meios de comunicação social (jornais, revistas, rádios, televisão, audiovisuais), propriedade e instrumento de grandes grupos monopolistas, não constituem um novo poder independente, como alguns pretendem, mas um instrumento do grande capital na sua ligação dominante com os governos.
Sendo a luta pela democracia um dos objectivos centrais da acção de um partido comunista é indispensável definir quais são os elementos fundamentais dessa democracia.
De um governo é de exigir a simultaneidade e complementaridade das suas vertentes fundamentais. Não basta que um governo se afirme democrático. É necessário que de facto o seja.
É, ao mesmo tempo, necessário definir-se mais concretamente, em cada situação concreta, a democracia pela qual se luta. Numa situação dada, num momento dado, pode, por exemplo, a luta pela democracia dar grande relevo à luta pelo reforço dos elementos de democracia directa e participativa a par da democracia representativa.
As eleições são um dos elementos-base de um regime democrático, mas só assim podem ser consideradas se respeitam a igualdade e se são impedidos os abuso do poder, as discriminações e exclusões. Se estas condições não são conseguidas, as eleições tornam-se uma fraude, um grave atentado à democracia e um instrumento da monopolização do poder, por vezes em alternância, pelas forças políticas ao serviço do capital.
Uma “democracia avançada”, pela qual lutam alguns partidos, é definida como um regime democrático que proceda a realizações progressistas de carácter não capitalista (como a nacionalização de alguns sectores da economia e a liquidação da propriedade latifundiária).
Seja desta forma ou de outra, definidos os objectivos da luta pela democracia num momento dado, os comunistas não podem estar, não querem estar e não estão isolados.
A compreensão da luta de classes, realidade omnipresente na sociedade como motor da evolução histórica, não contraria nem exclui a necessidade de alianças sociais e políticas da classe operária, dos trabalhadores e do seu partido com objectivos concretos imediatos, tendo em conta que a arrumação e correlação das forças políticas assenta na relação e correlação das classes e estratos sociais. A definição correcta de quais podem ser essas alianças exige, primeiro, o apuramento no concreto das alianças sociais objectivamente consideradas, depois, a definição, quando possível, da representatividade de tais ou tais classe e estratos sociais por tais ou tais partidos e da base social de apoio com que estes contam.
Não existem situações iguais. Pode haver, em tais ou tais países, situações económicas, sociais e políticas semelhantes. Há porém sempre diferenças que exigem respostas diferentes. Não há soluções nem “receitas” universais. A cópia de soluções conduz a orientações que não correspondem às exigências da realidade concreta.
Grandes descobertas científicas e tecnologias revolucionárias estão provocando mudanças profundas na composição das classes trabalhadoras e na própria composição social da sociedade nos países desenvolvidos. Neles torna-se particularmente complexa a definição das alianças sociais – base das alianças políticas.
Há, a este respeito, definições muito pouco claras.
No quadro da política de alianças, em numerosos países de democracia burguesa, partidos democráticos, nomeadamente partidos comunistas, têm definido, como seu objectivo, uma política denominada de “esquerda”.
Há casos em que, na orientação desses partidos, esta palavra “esquerda” exclui o apoio ou comparticipação numa política de “direita”. Tem então um significado claro e positivo.
Entretanto, na generalidade dos países, a palavra “esquerda”, no dicionário político contemporâneo, tem um significado impreciso, cheio de incógnitas, contraditório, objectivamente confusionista. Ao definirem-se partidos da “esquerda” ou sectores de “esquerda”, incluem-se com frequência nesse número, além de partidos da “extrema-esquerda” anticomunistas, partidos socialistas e social-democratas que, na sua acção política, defendem e praticam uma política de “direita”.
O mesmo em relação a governos intitulados de “esquerda” ou “da esquerda”. As experiências mostram que, em alguns casos, a participação comunista em governos de partidos socialistas ou social-democratas, tidos como sendo a “esquerda”, significa a comparticipação na realização de políticas de “direita”.
Que se defina como objectivo uma política democrática nas suas quatro vertentes, que se lute por ela e que não se proclame uma política que inclua a participação (ou o objectivo de alcançá-la) em governos como são na actualidade muitos governos que, intitulando-se “de esquerda”, são instrumentos do grande capital, das transnacionais, dos países mais ricos e poderosos, da actual ofensiva “global” do imperialismo visando impor o seu domínio em todo o planeta.
É também o caso dos chamados “pactos de estabilidade” assinados por partidos e organizações sindicais reformistas, que sacrificam direitos fundamentais dos trabalhadores à intenção de superar a actual crise do capitalismo.
Não é esse o caminho que a luta dos trabalhadores, dos povos e nações actualmente exige.
O caminho necessário cabe aos partidos comunistas (e outros partidos revolucionários) defini-lo nas condições concretas dos seus países. Com convicções, com coragem e com a sua identidade comunista.
A propósito da operação de propaganda que sido dada às chamadas medidas de apoio à natalidade, o PCP tece os seguintes comentários: 1º Estas medidas tem um alcance social muito limitado e estão longe de constituir o essencial de uma verdadeira política de apoio à função social da maternidade e paternidade de que as famílias das classes trabalhadoras necessitam. 2º Neste pacote não há a reposição do salário a 100% para licenças de maternidade/paternidade de 150 dias, nem a reposição da universalidade do direito de todas as crianças ao abono de família, nem tão pouco a atribuição de um subsídio de nascimento a todas as crianças até aos12 meses, medidas que o PCP há muito preconiza. A limitada rede pública de creches e jardins-de-infância de qualidade e acessíveis aos filhos das classes trabalhadoras, a crescente privatização da educação, o aumento generalizado do custo de vida e as limitações no acesso à habitação pesam negativamente na hora de decidir ter ou não filhos. 3º Na verdade, o Governo prepara-se para criar novas e duradouras dificuldades quanto ao momento e número de filhos que casais das classes trabalhadoras como resultado das alterações que pretende realizar em matéria de desregulação dos horários de trabalho, dos despedimentos sem justa causa e da precariedade. 4º Num quadro marcado pela forte precariedade e desemprego que marcam a vida dos jovens, estas medidas afastam-se largamente do que seria necessário realizar para proteger a função social da maternidade e paternidade, no que se refere aos direitos laborais e de segurança social.
Intervenção de Álvaro Cunhal enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi, em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição. O Encontro abordou três grandes temas: "Una concepción y un método para enfrentar los desafíos del nuevo milenio"; "Democracia, democracia avanzada y socialismo"; "Por la unidad de la izquierda a la conquista del gobierno".
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A ofensiva imperialista actualmente em curso tem, como objectivo declarado e anunciado, a imposição em todo o mundo do domínio absoluto do capitalismo como sistema único, universal e final.
É esse o significado fundamental da teoria da chamada “globalização”.
Trata-se do maior perigo e da mais sinistra ameaça que defronta a humanidade em toda a sua história.
É certo que alguns aspectos e elementos do desenvolvimento objectivo do capitalismo, tendendo à “mundialização”, se vinham já verificando. Tal o caso da internacionalização dos processos produtivos, das relações económicas e financeiras, da informação e comunicação social, da criação de zonas de integração económica.
É também certo que o imperialismo, na luta “pela divisão do mundo”, tinha já como armas intervenções militares, agressões e guerras.
A ofensiva “global” do imperialismo é porém coisa diferente.
Tendo os Estados Unidos como força fundamental hegemonizante, a actual ofensiva desenvolve-se em todas as frentes.
São instrumentos da ofensiva económica a criação de gigantescos grupos de empresas transnacionais, órgãos diversos com acrescidos poderes de imposição “legal” de regras e políticas (FMI, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial), apossamento dos recursos e sectores estratégicos dos países mais fracos, cortes de créditos, políticas económicas decididas por órgãos supranacionais a estados membros de uniões de carácter federativo, medidas de estrangulamento financeiro e bloqueios económicos visando forçar à rendição países que se oponham à ofensiva.
Zonas de integração económica tornam-se zonas de integração política, com órgãos supranacionais, ministros supranacionais, submissão efectiva dos mais pobres e menos desenvolvidos aos mais ricos e poderosos.
Este processo agudiza muitas das contradições do capitalismo. Tem, como seu elemento, o alargamento, mesmo em países capitalistas desenvolvidos, de áreas sociais vivendo numa extrema miséria e, em países subdesenvolvidos, povos inteiros com milhões de habitantes morrendo de fome.
Agudiza-se simultaneamente a concorrência, e gera-se a possibilidade de graves conflitos, entre os gigantescos pólos económico-políticos e entre os países mais ricos e poderosos. Entretanto (e esse é um traço novo distintivo) todos se integram na ofensiva “global”.
Significativo dos grandes projectos e planos é a Acordo Multilateral de Investimentos (AMI). Segundo esse projecto, os grandes potentados económicos e financeiros associados poderiam, com o apoio militar necessário, impor, país por país, as formas de exploração, o apossamento dos sectores vitais da economia, o destino dos capitais investidos e criados e ainda a obrigação dos governos fantoches de, com medidas repressivas eficientes, esmagarem eventuais lutas e revoltas dos trabalhadores e dos povos respectivos.
O AMI é como que o projecto de uma carta constitucional do imperialismo na sua ofensiva económica e política “global”.
É sabido que o conhecimento desse projecto, elaborado sob a égide dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha, provocou tão vasta reacção e indignação que foi retirado da consideração imediata. Mas o facto é que foi guardado para consideração ulterior.
A par, e por vezes como instrumento directo da ofensiva económica (estreitamente ligada à acção política e diplomática) a ofensiva militar tem como instrumentos a dominante superioridade em armamentos, nomeadamente dos Estados Unidos, e a NATO como força autónoma supranacional, mas também dominada e comandada efectivamente pelos Estados Unidos.
A ofensiva militar traduz-se em ultimatos, bombardeamentos, intervenções armadas, municiamento e fomento de forças rebeldes contra governos democráticos, intervenções para impor governos tirânicos e governos fantoches, agressões e guerras contra países que se opõem corajosamente ao domínio dos Estados Unidos e de outros países imperialistas, atentados de organizações terroristas e acções militares de terrorismo de Estado.
Acresce a monstruosa institucionalização de um tribunal político internacional comandado pelo imperialismo para julgar e condenar até à prisão perpétua destacados defensores dos seus povos e países.
E ainda a gigantesca poluição da atmosfera, de rios e oceanos pelos países mais desenvolvidos e a rapina e destruição de recursos naturais de países atrasados, que têm como consequência a destruição do equilíbrio ecológico em vastas regiões do globo.
Todos estes aspectos da ofensiva atingem um nível nunca antes atingido e fazem parte do processo de integração mundial das forças do imperialismo na sua ofensiva “global”.
Como perspectiva, o imperialismo proclama imparável e irreversível a ofensiva e anuncia, a título definitivo, a estabilidade e a estabilização final do sistema. No plano ideológico anuncia a universalização do pensamento, o fim das ideologias e o “pensamento único”.
Mas a ofensiva não é imparável e irreversível. E com aquelas noções, espalhadas pela propaganda, o imperialismo procura afinal enganar-se a si próprio. Ou seja: o seu objectivo declarado, de louca ambição, constitui a actual utopia do capitalismo.
Utopia porque, por um lado, o capitalismo, pela sua própria natureza, está roído por contradições e problemas que não consegue ultrapassar. Porque, por outro lado, existem forças que se opõem, que resistem e que, reforçando-se, podem impedir que o imperialismo alcance tal objectivo.
São elas:
a) Os países que, com os comunistas no poder, insistem no objectivo de construir uma sociedade socialista, embora por caminhos muito diferenciados. b) O movimento operário, nomeadamente o movimento sindical. c) Os partidos comunistas e outros partidos revolucionários, lutando com confiança e coragem.
d) A resistência potencial de países capitalistas actualmente dominados e explorados pelo imperialismo, com perda efectiva da sua independência nacional. e) Novos movimentos nacional-libertadores.
f) Movimentos em defesa do meio ambiente, contra o poder e as decisões dos países mais ricos e directamente contra a “globalização”.
Estas são as forças fundamentais para impedir o domínio do imperialismo em todo o mundo. Mas não basta a consciência disso. É indispensável uma actuação correspondente. É necessário reforçá-las e lutar para que coincidam e convirjam.
Tal é o único caminho para travar, dificultar, impedir o avanço da ofensiva do imperialismo e para criar condições que acabem por derrotá-la e por determinar uma viragem na situação internacional.
De lembrar ainda que o imperialismo não se limita ao ataque frontal nas suas várias frentes. Procura activamente dividir as forças que lhe resistem, miná-las por dentro, conduzi-las a desistirem da luta, à autodestruição e ao suicídio.
Em alguns casos tem-no conseguido. Mas, em muitos outros, verifica-se o seu reforço, revitalização, crescente influência e iniciativa.
Importante é difundir, sublinhar, valorizar os exemplos que confirmam esta apreciação.
O jornal web www.odiario.info e a Revista Vértice vão promover em Serpa, nos dias 5, 6 e 7 de Outubro, o II Encontro Internacional Civilização ou Barbárie.
Os Editores - 10.08.07
A iniciativa reunirá naquela cidade alentejana eminentes pensadores, cientistas políticos e autarcas de 17 países: Angola, Argentina, Bolívia, Brasil, Cabo Verde, Canadá, Colômbia, Cuba, Egipto, Espanha, Estados Unidos da América, França, Líbano, México, Portugal, Reino Unido e Venezuela