«(...) Nada disto altera o carácter de classe em que assentam as eleições norte-americanas. Que as primárias ocorram em dia de trabalho, que cada estado tenha diferentes métodos de selecção, que menos de metade dos possíveis eleitores participe, que muitos imigrantes e afro-americanos não possam votar, tudo faz com que o processo assente na exclusão dos pobres e dos trabalhadores. Mais importante ainda, os que conseguem angariar mais fundos são normalmente os vencedores. Isto transforma os candidatos em agentes assalariados dos doadores da classe dominante. A disputa presidencial continua firmemente nas mãos da classe dirigente e os seus políticos em dois grandes partidos capitalistas, os republicanos e os democratas. Os candidatos que lideram este ano os dois partidos têm sido ao longo das suas carreiras políticas firmes defensores dos interesses do imperialismo norte-americano e do grande capital. (...) Ninguém deve esperar alterações profundas nas políticas dos EUA através desta eleição. Tendo isto presente, resta saber qual a lição a tirar destas votações. (...) Os observadores estrangeiros podem subestimar o impacto das questões raciais e de género nos EUA. Pela primeira vez um afro-americano ou uma mulher pode ser eleito presidente, e eles estão em competição (...).»
Inicia-se a publicação da entrevista da revista «O Militante», edição de Janeiro/Fevereiro de 2008, ao secretário Geral do PCP, Jerónimo de Sousa.
Camarada Jerónimo de Sousa: pedindo-te um breve balanço do ano que acaba de terminar, talvez começar pelo visível crescimento do descontentamento e da luta popular.
Se é verdade que se diversificou e aprofundou a ofensiva do Governo, no plano económico, social e político e contra a soberania nacional, o que foi marcante foi a expressão do descontentamento e o nível e a dimensão da luta dos trabalhadores, que atingiu o ponto mais alto na manifestação de 18 de Outubro, onde participaram mais de 200 mil pessoas num dia normal de trabalho.
Que importância e significado atribuis à Greve Geral de 30 de Março?
A valorização qualitativa e quantitativa que fazemos da Greve Geral de 30 de Maio não pode ser dissociada do quadro em que foi preparada e realizada. Sendo uma necessidade para enfrentar a grave ofensiva em curso, a possibilidade estava condicionada por diversos factores. Era a primeira greve de confronto com um Governo PS. A precariedade, que atinge 1 milhão e 200 mil trabalhadores, as pressões e a intimidações nas empresas, em particular nos transportes, condicionaram o exercício do direito à greve.
Nestas condições, a participação e envolvimento de 1 milhão e 400 mil trabalhadores na Greve Geral (alguns com grande coragem) constituiu um marco histórico da luta dos trabalhadores portugueses e do movimento sindical unitário.
Nalguns casos, como no Metro e na Transtejo, os grevistas tiveram de lutar pelo direito à greve face à atitude repressiva das administrações.
O facto de, apesar do sucesso da Greve Geral o Governo persistir na sua violenta ofensiva retira-lhe importância, como pretendem sectores inclinados ao compromisso e à abdicação?
Mais do que sectores, só as organizações que quase sempre conciliaram e capitularam em momento decisivos é que desvalorizaram a greve. Para além dos mesmos do costume, teve significado a posição do BE a criticar a decisão da Greve Geral, confundindo «greve geral» com «greve total». Como, aliás, fez o Governo PS, na sua avaliação mistificatória e desvalorizadora dos números de adesão à greve.
Quais as mais importantes lições e experiências do desenvolvimento da luta ao longo de 2007? Há um aspecto que gostaria de relevar! É tão errado fazer a luta pela luta como ficar pela constatação de que não há condições para lutar. Uma outra questão é a de saber se só se decide a luta desde que se tenha a garantia, à partida, de adquirir resultados. A luta de resistência, o trazer o descontentamento e o protesto para o terreno da luta organizada liberta energias, eleva a consciência social e potencia a disponibilidade para outras lutas. Não são dissociáveis a luta de 2 e 28 de Março e a Greve Geral de 30 de Maio. Nem o impacto mobilizador da Greve Geral na manifestação de 18 de Outubro. A luta dos trabalhadores deu confiança a outros sectores e camadas sociais. Quem esteve na manifestação de 18 de Outubro não fez cálculos aos ganhos. Voltará a lutar no futuro. Porque resistir e lutar é já vencer!
Como vês a acção a partir da empresa e local de trabalho e o papel das células de empresa do Partido?
A empresa, o local de trabalho, é o lugar onde se dá o principal conflito e confronto de classe. O patronato e o Governo têm noção disso. Aí se forma a consciência do grau da exploração e da injustiça, ou do que significa, no concreto, a aplicação de uma lei laboral injusta. Aí se libertam energias, se alicerça a unidade e se irradia a luta organizada, partindo do concreto para o geral. Os comunistas eleitos pelos seus companheiros de trabalho nas empresas e para os sindicatos têm uma particular responsabilidade na acção unitária, na linha da frente da acção reivindicativa e da luta. Mas tal acção não dispensa antes exige a organização e a intervenção política das células de empresa. Dois graus de intervenção e organização que fazem evoluir a consciência dos trabalhadores sobre o seu papel na produção e na sociedade e a necessidade de terem o seu Partido.
Estamos em vésperas do Congresso da CGTP, que importância lhe atribuis? Que resposta dão os comunistas às visíveis pressões para influenciar os seus resultados?
Julgo que o XI Congresso da CGTP vai constituir uma grande afirmação da Central Sindical visando o seu fortalecimento. É um Congresso que vem de grandes lutas, em si mesmo portadoras do prestígio e da influência que a CGTP-IN mantém e alarga e que resulta do empenhamento e acção desse grande e combativo colectivo unitário.
Era inevitável (sempre aconteceu em todos os Congressos da Central Sindical) que as pressões, as inventonas e a intriga, promovidas de uma forma articulada, procurassem ensombrar e dificultar o êxito do Congresso. Os seus autores são os mesmos que profetizam o fim da luta de classes, o fim ou a desnecessidade do sindicalismo de classe, a mando do principal interessado e ganhador no aumento da exploração dos trabalhadores e da liquidação dos seus direitos: o poder económico. Se há coisa que mais receio provoca ao grande capital e seus seguidores é a luta organizada, é a organização autónoma dos trabalhadores e dos seus sindicatos, é a sua unidade! Temos uma grande confiança que o Congresso saberá rechaçar essa ofensiva ideológica e dele sairá mais forte, reafirmando-se como a Central Sindical dos trabalhadores portugueses.
Um dado importantíssimo no ano que finda foi a irrupção das lutas das populações e a criação de comissões de utentes de norte a sul do país. Que importância atribuir-lhe na acção militante das organizações do Partido?
A ofensiva do Governo não foi apenas contra os trabalhadores e os seus direitos. Foi contra as populações, contra diversas camadas sociais, privatizando, eliminando ou reduzindo serviços públicos e as funções sociais do Estado, nomeadamente nas áreas da saúde, educação, nos transportes, da justiça, da segurança, da água e do saneamento.
Atingidas nos seus direitos, as populações reagiram, organizaram-se e realizaram pequenas e grandes acções de luta, com o papel destacado das Comissões de Utentes. Obrigaram muitas vezes o Governo a recuar ou a adiar medidas.
Resistir, resistir e protestar é fundamental. O movimento devia alargar-se, porque novas arremetidas estão em curso. Os militantes do Partido devem estimular a sua criação, respeitar e animar a sua acção e composição unitária.
A ofensiva do Governo do PS ao serviço do grande capital atinge não apenas o trabalho assalariado mas todas as outras classes e camadas não monopolistas; que incidências na luta?
Se mais uma vez se confirma que são os trabalhadores e as suas organizações a força motora da luta, é verdade que classes e camadas não monopolistas estão nela a participar.
Os reformados, a juventude estudantil, os pequenos e médios agricultores, as populações vão ganhando consciência da importância do protesto e da luta. Que partindo dos seus interesses e direitos concretos só por si não conseguem alterar o rumo da política nacional. A manifestação de 18 de Outubro foi reflexo dessa consciência. O desenvolvimento da luta, a sua convergência ou confluência são alicerces de alianças sociais mais sólidas e mais alargadas que podem determinar um novo rumo para a política nacional.
Depois de acções nacionais com uma dimensão de massas tão ampla, como prosseguir no imediato a luta?
Intensificar e diversificar a luta nas empresas, sectores e regiões. As lutas grandes não surgem com um toque de varinha mágica. Neste fazer e refazer permanente, a pequena luta, a acção de protesto enchem o caudal da luta mais forte acertando a necessidade com a possibilidade.
Considero que o próprio Congresso da CGTP-IN é um momento importante para dar mais balanço, força e confiança à intensificação da luta no futuro.