CONTRIBUTOS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL PARA O ASSASSINATO DA DEMOCRACIA
A comunicação social nos nossos dias reproduz como nunca a ideologia dominante. Seja na TV, na rádio ou nos jornais.
Como negócio rege-se pelas leis do lucro. As audiências, ou as tiragens, com as consequentes receitas da publicidade, determinam, em última análise, os seus conteúdos essenciais.
A lei basilar da chamada economia de mercado da concentração e centralização do capital também se manifesta neste sector. A existência de um sector público com peso significativo em vários países atenua, mas não altera significativamente o panorama. As fontes de informação são cada vez mais afuniladas. Uma dúzia de grupos económicos controlam a esmagadora maioria do sector a nível planetário.
Os traços dominantes do que é difundido, ainda que com diferentes matizes, são comuns a públicos e privados. A defesa de que o capitalismo é o fim da história. Que a democracia, tal como a conhecemos, não sendo perfeita, não tem alternativa. A fabricação de factos políticos. A “venda” como notícias de acontecimentos acessórios: escândalos, crimes, desgraças. Os reality show. A vida da chamada alta sociedade apresentada como padrão. A primazia das sondagens, barómetros, estudos de opinião sobre a própria realidade. A ostracização de quem defende vias alternativas.
Mas também o que não se noticia. O que se silencia é, na maior parte das vezes, tão ou mais importante do que o que se publica.
Como, noutro plano, o facto de o volume da informação hoje disponível ser de tal ordem que é correcto afirmar que a “mais informação” raramente corresponde “melhor informação”. O “bombardeamento mediático”, com a televisão à cabeça, em vez de ajudar a compreender melhor o mundo pode conduzir a que as pessoas pura e simplesmente não tenham tempo suficiente para pensar.
A ausência de contextualização do que se noticia, a própria semântica, são igualmente planos onde se manifesta claramente o esforço para a padronização do pensamento.
Os exemplos abundam.
Em 1965 Suharto, na Indonésia, a pretexto de um golpe de estado encabeçado pelo Partido Comunista, desencadeou uma feroz repressão. A BBC, tida como órgão de referência, deu como provado a existência do golpe. A notícia espalhou-se por todo o planeta, contribuindo para a neutralização do protesto de amplos sectores da opinião pública mundial. Três milhões de mortos depois a BBC veio reconhecer que tinha sido manipulada. Apresentou desculpas. Mas os homens, mulheres e crianças, vítimas mortais da repressão, já não podiam receber esse acto de contrição.
Mais perto de nós é conhecida a actuação da TV pública francesa na criação do massacre de Timissoara. Acontecimento, reconhecidamente fabricado, que conduziu directamente ao derrube de Ceaucescu na Roménia. Os responsáveis foram demitidos. Mas, para o bem e para o mal, um regime político tinha sido derrubado com base numa mentira televisiva.
Para não falar na actuação da maioria da comunicação social australiana aquando da invasão de Timor Leste em 1975. Nem o assassinato de jornalistas do seu próprio país a fez arrepiar caminho. Ou dessa novel figura dos correspondentes de guerra “embebidos” nas tropas no Iraque e no Afeganistão
Mas também em Portugal. E muito recentemente.
A forma como a generalidade da comunicação social cobriu as recentes eleições autárquicas são um bom espelho do que afirmamos. Aliás Pacheco Pereira já se referiu duma forma correcta a esta mesma questão em artigo publicado logo após o acto eleitoral.
Fátima Felgueiras teve tempo de antena em directo que mais nenhum candidato logrou alcançar. Vinte minutos. O normal seria passar um resumo dos acontecimentos, com o devido enquadramento. Mas não. Significativamente nenhum director de informação tirou a senhora do ar. Nem o da R.T.P. A própria comunicação social escrita caiu no mesmo pecado. Dias e dias a fio com direito a títulos de primeira página. E páginas e páginas de prosa.
Estavam em causa candidatos a 308 concelhos de Portugal. Mas até parecia que eram só 10 ou 12 as autarquias em questão. Sempre as mesmas. O resto foi paisagem. Nesta questão falo com conhecimento de causa. No concelho onde fui candidato, Penalva do Castelo, a campanha eleitoral, quer na forma, quer no conteúdo, não se enquadra na fotografia que nos impingiram. E, obviamente, não foi exemplo único.
Pode-se afirmar que cada caso foi um caso. Mas esta diversidade não cabe no retrato das eleições que nos quiseram fazer crer. Valeu tudo. As tiragens e as audiências podem ter aumentado. As receitas também. Mas a democracia saiu a perder.
A difusão de sondagens com pretensos “empates técnicos”, que a realidade das votações mostrou estar a quilómetros da realidade, conduziu, nalguns casos, a movimentações significativas do eleitorado. Ao difundi-las como verdade absoluta o que pretendem os órgãos de comunicação social? Contribuir para o alheamento dos eleitores? Manipulá-los? É verdade, já me esquecia, as sondagens nunca se enganam. A realidade é que insiste em desmenti-las.
A comunicação social tem contribuído, voluntária e involuntariamente, para a menorização da democracia. O que não invalida, antes releva, a outra face da moeda. Tudo é dialéctico...
Nota: Não é só Cavaco Silva que tem de ter cuidado com os seus apoiantes. Manuel Alegre também. Há uma dúzia de anos EPC (Eduardo Prado Coelho) já nos tinha surpreendido com a peregrina tese de que não eram as suas análises da realidade portuguesa que estavam incorrectas. Não. A realidade é que se enganava!
Agora ficámos a saber que os comunistas portugueses foram os responsáveis pela edificação das sociedades nos países do leste da Europa no pós II Guerra. É a fábula do lobo e do cordeiro na versão de Coelho: “Se não fostes tu, foi o teu pai”. Brilhante. Para EPC os comunistas é que são o perigo para a democracia em Portugal. Cavaco e seus apoiantes não. Estamos esclarecidos. Manuel Alegre que se cuide...
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 5 de Dezembro de 2005