Tibete: Os acontecimentos de Março
Texto Hugo Janeiro
Seguir o rasto dos acontecimentos ocorridos na capital do Tibete a 14 do mês passado obriga, como refere James Miles, correspondente da The Economist e único jornalista ocidental presente no calor dos tumultos, a romper com os rumores que alimentam Lhasa.
Informações apuradas por Miles e divulgadas num artigo publicado a 19 de Março indicam que os protestos se iniciaram logo na segunda-feira, 10 de Março, quando alguns monges de Lhasa e de mosteiros limítrofes saíram à rua para festejar a rebelião de 1959.
Jill Drew, do Washington Post, confirma a notícia num trabalho publicado no dia 27, e acrescenta que a polícia procurou impedir a manifestação no centro da cidade e deteve pelo menos 15 pessoas, mas, sustentando-se em testemunhos oculares, adianta que não se registaram agressões policiais, como começou entretanto a ser difundido.
O boato avolumou-se e, sexta-feira, 14 de Março, novo protesto do Mosteiro de Ramoche acendeu o rastilho. Nessa tarde, na principal artéria de Lhasa «uma multidão de várias dúzias de pessoas saíram enlouquecidas, algumas delas aos berros ao mesmo tempo que apedrejavam lojas de chineses de etnia han», escreve Miles na revista The Economist. As mercadorias começaram a inundar as ruas criando enormes pilhas de fogo. Dezenas de edifícios foram incendiados.
«Durante horas, as forças de segurança pouco fizeram», sublinha Miles. Só pela manhã o quarteirão tibetano, centro da acção, foi cercado pelo exército que, apesar do aparato, possibilitou que a destruição se prolongasse, para espanto do jornalista e desespero dos habitantes do bairro, à mercê dos grupos de amotinados.
Alegadamente, as autoridades terão procurado evitar os confrontos com os grupos de jovens irados e, mesmo quando começaram a patrulhar o quarteirão tibetano, ouviam-se raros disparos para o ar. «Tiros singulares, deliberados, provavelmente mais de aviso do que com a intenção de matar», assegura Miles.
Jill Drew relata uma entrevista a um turista canadiano, John Kenwood, feita depois deste chegar a Katmandu, no Nepal. Kenwood confessa ter acompanhado a multidão que gritava «free Tibet». «Fazer parte de um bando poderoso e aos uivos que forçava a polícia a meter o rabo entre as pernas» suscitava-lhe um sentimento emocionante.
Mas o entusiasmo esfumou-se na conduta violenta. De repente pararam, lembra, «parecia que se iam virar contra toda a gente. Aquilo já nada tinha a ver com a liberdade no Tibete».
No Post, outro turista, o suíço Claude Balsiger, conta ter visto um idoso chinês ser atirado ao chão e um jovem de um dos grupos esmagar-lhe a cabeça com uma pedra, isto apesar de tibetanos mais velhos procurarem impedir.
Hospitais, carros de bombeiros que corriam a apagar fogos, ambulâncias, transportes colectivos, instalações de rede eléctrica, um total de 300 prédios e mais de 200 residências ou estabelecimentos comerciais foram alvos da fúria. De acordo com o balanço feito pelo governo chinês, os apoiantes «da causa tibetana» mataram 19 pessoas e feriram 623, das quais 382 civis e 241 polícias.
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