O Aumento dos Preços e a Redução da Soberania Alimentar
Nos últimos meses Portugal e o mundo foram confrontados com uma escalada no aumento dos preços dos bens alimentares. No nosso país traduziu-se na subida de 74% no preço do leite, 71% no arroz, 36% nos óleos, 34% nas massas, 34% nas farinhas, 24% nos ovos, entre outros. Daqui resulta uma grave situação para as condições de vida da população. Esta realidade coloca em evidência os alertas e as denúncias que, ao longo dos anos, o PCP realizou.
Durante anos, assistimos à destruição da produção agrícola nacional (desapareceram mais de 250.000 explorações agrícolas) e a uma completa submissão à União Europeia e à PAC. Assistimos ao abandono da terra, ao empobrecimento e esvaziamento da população agrícola, à ruína dos pequenos agricultores. Assistimos a uma política de subsídios desligada da produção e de favorecimento dos grandes proprietários (95% dos subsídios para 5% das explorações). Resultado? Portugal foi conduzido a uma crescente vulnerabilidade e dependência agro-alimentar. Hoje importa-se de 60% a 80% da alimentação de que o país necessita.
A destruição da soberania alimentar é obra de sucessivos governos com consequências económicas e sociais gravíssimas. As dificuldades com que o país está hoje confrontado para enfrentar esta crise resultam essencialmente das opções políticas erradas que governos do PSD e PS, com ou sem CDS-PP, tomaram nos últimos 30 anos.
O Governo PS no Programa de Desenvolvimento Rural insiste em prosseguir uma política agrícola ruinosa. Sob o pretexto da «competitividade» liquidam-se as compensações para a agricultura dita não competitiva (acabando com os apoios para as explorações com menos de 0,5 ha). Impõe-se o fim da electricidade verde e a não actualização do apoio ao gasóleo agrícola. Liquida-se a pequena produção familiar. Elimina-se a produção em vastas áreas agrícolas. Facilita-se o destino de solos agrícolas de boa qualidade para outros usos. Promove-se a transferência de uma produção pecuária extensiva e baseada nos pastos para a pecuária intensiva na base de rações. Prossegue-se a liquidação da vinha e da produção de leite.
Para os comunistas, a crise dos preços dos bens alimentares resulta ainda de um complexo conjunto de factores.
Em primeiro lugar, as políticas de liberalização do comércio mundial no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), que transformaram a alimentação numa banal mercadoria.
Em segundo lugar, as políticas de «ajustamento estrutural» impostas aos países do Sul pelo Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI) com a liquidação das suas agriculturas de subsistência e auto-consumo.
Em terceiro lugar, a «conjuntura» da crise financeira internacional. Num quadro em que meia dúzia de oligopólios/monopólios dominam o comércio mundial agropecuário e onde os produtos agro-alimentares estratégicos básicos se transformam em objecto da especulação bolsista.
Finalmente, a combinação de outros factores decorrentes do agravamento das contradições no seio sistema capitalista. Destacam-se as questões ambientais e os seus efeitos na desertificação de territórios e a escassez de água. O aumento do preço do petróleo. O agravamento da situação de ocupação de solos com culturas industriais, nomeadamente por via da política dos agro-combustíveis.
A realidade impõe cada vez mais a defesa a produção nacional e a garantia da soberania alimentar. É o que veremos na próxima «Conversa da Treta».
In "Jornal do Centro" - Edição de 30 de Maio de 2008