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O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O Bem e o Mal revisitados (IV)

O discurso do choque de civilizações em quatro blogues portugueses

   Neste artigo o autor, João Valente Aguiar do Blog «Vinhas da Ira», analisa com profundidade a blogosfera que, embora se apresente e seja “um campo idilicamente democrático e plural, não deixa de ser sintomática a coincidência de os blogues com maior número de leitores internáuticos partilharem significativa parte do ideário neoliberal veiculado pelos grandes meios de comunicação social, por políticos, por think tanks e por empresários”. É essa a razão por que “tanto blogues auto-definidos como de esquerda como blogues assumidamente de direita raramente discordam em torno da substância da sua visão do mundo”.

(continuação)

Neste domínio como em muitos outros, é muito difícil destrinçar qualquer tipo de distinção conceptual e/ou ideológica de fundo entre todos os quatro blogues o que nos levaria a perguntar onde está a direita e onde está a esquerda, de acordo com a terminologia mais em voga no campo político. Quase que apetece perguntar até que ponto é que uma esquerda que não se distingue em praticamente nada da direita política se pode continuar a chamar de esquerda. De facto, o sistema de poder imperialista parece viver da necessidade de se legitimar criando “esquerdas” e “direitas” fictícias e que se resumem a aplicar os ditames de organização e regulação do sistema contra os direitos dos trabalhadores e dos povos.

Nos blogues que se afirmam de direita, começando pelo O Insurgente, manifesta-se a última aresta de pensamento veiculada na análise empreendida ao pretérito blogue. Na mesma bitola, o discurso (da apologia) da força continua a receber forte aplauso por parte da blogosfera mainstream. Senão vejamos.

«O Irão afirma-se cada vez mais em sua posição de “rogue state” e requer respostas mais duras da parte do Ocidente. Diante da necessidade imperativa de neutralizar uma ameaça concreta à sobrevivência de algum de seus aliados, os Estados Unidos, que são a maior potência militar do mundo, dispõem de condições de agir, porém a um custo possivelmente muito elevado perante a opinião pública internacional» (O Insurgente, 15 de Abril de 2007) [itálicos nossos].

As afirmações em itálicos demonstram mais do mesmo sumo argumentativo que temos vindo a dar conta pelo que não nos debruçaremos detidamente sobre isso. Ressalte-se apenas a última parte do trecho, onde cinicamente se declara que o maior obstáculo para uma possível intervenção militar dos EUA no Irão é o custo mediático e de popularidade para aqueles. Das vidas humanas dos soldados de ambas as partes e de prováveis milhares de civis mortos nada é referenciado no texto – e em nenhum dos que lemos de todos os blogues. A eficácia bélica e o pragmatismo funcional ditam as regras.

No mesmo texto, a Europa é criticada por não seguir o exemplo norte-americano e por não se fortalecer militarmente. Assim, a «Europa dedicou-se a construir um paraíso onírico kantiano onde a utilização da força é praticamente impensável e toda e qualquer ameaça deve ser enfrentada através do diálogo e do multilateralismo institucionalizado» (idem). Não é de todo verdade que os países europeus tenham adoptado na sua história métodos exclusivamente diplomáticos para resolver conflitos. Porém, o que há de mais relevante nesta afirmação tem que ver com a desvalorização do factor negocial em detrimento (do elogio aberto e tácito) do recurso da força como o procedimento mais legítimo e racionalmente razoável. No seguimento, reafirma-se, quase de forma obsessiva, a mesma motivação: 

«Se queres a paz, prepara-te para a guerra (“si vis pacem, para bellum”), já dizia o escritor militar romano Vegetius, por volta de 390 a.C. Assim, deve-se primeiro garantir a sobrevivência através do fortalecimento das capacidades de poder perante os outros Estados da região. Depois, pode-se começar a pensar nos benefícios da paz para o desenvolvimento de relações económicas que promovam o bem-estar e a prosperidade» (idem).

Estes dois aspectos – o elogio da força bélica e a criação de um estereótipo do terrorista como agente do Mal – conjugam-se perfeitamente.

Um artigo de Rui Ramos, previamente publicado no jornal Público, é muito esclarecedor de como estes dois eixos temáticos se interligam e conciliam na perfeição. Acompanhado por um cartaz de terroristas islâmicos com chamas infernais como pano de fundo, o artigo começa por criticar os contestatários das teses do choque de civilizações – «há quem não tenha desistido de “iraquizar” o Ocidente» (O Insurgente, 12 de Julho de 2007), o que significaria que qualquer opositor à política intervencionista dos EUA seria um colaborador dos extremistas islâmicos.

 

Logo de seguida o autor procede por via da ridicularização desses oponentes:

«Não lhes basta conter os terroristas. Querem compreendê-los. É possível contê-los. Mas compreendê-los? Compreender, para os Ocidentais, não é apenas entender: é detectar as causas e razões, e ficar assim habilitado para as eliminar de uma vez e para sempre. O grande princípio ocidental é o de que se há um problema, tem de haver uma solução – de preferência, imediata e sem dor. (…) É a maneira ocidental de compreender os outros: ou são atrasados, ou somos nós próprios. Mas os terroristas não são uma coisa nem outra. São, como sugere o estudo de Shiv Malik sobre a carnicifina de Londres em Julho de 2005, jovens afastados da tradição e alienados das suas famílias e comunidades de origem, mas que não querem integrar-se na versão ocidental da modernidade. Procuram uma ordem nova garantida pela revelação divina. E visto que não parecemos capazes de levar a sério esta dimensão religiosa, como compreendê-los?» (idem).

Mais uma vez, tudo o que se assemelhe a um qualquer exercício de indagação teórica é imediatamente cunhado como algo infrutífero e, indo mais além, desnecessário. Para este autor, para conter o terrorismo só «poderemos contar com duas coisas»:

1) «com o debate ideológico dentro das comunidades islâmicas. Não está ao alcance dos que estão de fora fazer muita coisa aí»;

2) «nenhum truque dispensará a força – a força prudentemente usada, mas a força necessária para tornar evidente que a opção terrorista leva à prisão e não à glória, e que dirigir e albergar terroristas é o caminho para grutas em montanhas remotas, e não para os palácios de qualquer capital» (idem).

Não só há, novamente, uma desvalorização de todo e qualquer método não-violento, como, por outro lado, o artigo encerra vincando uma tirada de tom jocoso sobre os que contestam a política intervencionista dos EUA e seus aliados, e o correlativo enquadramento ideológico do choque de civilizações: «é reconfortante constatar que as polícias, com a sorte do seu lado, se têm mostrado mais eficazes que os nossos sábios para lidar com os terroristas» (idem).

Um outro texto publicado no mesmo blogue e da autoria de Claudio Vellez cola metonimicamente o terrorismo ao colectivismo.

«Mais do que um embate civilizacional, o terrorismo, no século XXI, volta-se contra todo um modo de vida e representa o que poderíamos chamar de “braço armado” de uma complexa estratégia de construção de um mundo alternativo através da recuperação de um ideal de cunho colectivista que exige a aniquilação gradativa das liberdades individuais» (O Insurgente, 11 de Junho de 2007).

O autor diverge de Huntington apenas na contextualização do terrorismo na evolução histórica da humanidade. Onde para Huntington o choque de civilizações surge como um fenómeno trans-histórico, para Vellez é o colectivismo que está na base matricial do terrorismo, islâmico na sua modalidade mais actual. Com efeito,

«o pano de fundo ideológico que alimenta os grupos terroristas e as actividades extremistas, contudo, tem a sua origem no holismo que dilui a expressão das individualidades na concepção colectivista que se manifesta, inclusive, na aberração política do totalitarismo» (idem).

Apreende-se nestas palavras a interpenetração de três conceitos: colectivismo, terrorismo e totalitarismo como se ambos caminhassem passo a passo desde sempre. Por exemplo, se é verdade que a Alemanha nazi era um Estado totalitário não se pode afirmar pela existência de colectivismo na vigência desse regime. No extremo político da Alemanha hitleriana, a União Soviética se teve uma forte componente colectivista (no sentido de procurar construir uma sociedade alicerçada no primado do colectivo sobre o indivíduo singularizado), muito dificilmente se pode afirmar que houve totalitarismo.

O objectivo do autor do blogue O Insurgente parece, assim, claro. Criar uma amalgama confusa de conceitos, colocando no mesmo tabuleiro elementos políticos claramente distintos entre si como os fascismos, o movimento socialista e comunista e o terrorismo islâmico.

(continua)
                      

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