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O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

Bloco de Esquerda: Um neo-reformismo de fachada socialista (II)

Texto de José Manuel Jara

    (continuação)

Em que condições viu a luz do dia o BE? Diz FL (J. Notícias, 29.01.05): «Nascemos de uma crise profunda no sistema político.» E adiante: «Todas as causas com as quais nos comprometemos fazem parte do nosso código genético e não abandonámos nenhuma.» Das duas uma, levando a metáfora do código à letra: ou o BE combina, por adição, os fragmentos de DNA da UDP, do PSR e de tutti quanti e é uma coisa híbrida, um «mosaico», ou a recombinação da informação genética adulterou de tal maneira o código, que a «coisa» é irreconhecível, uma verdadeira metamorfose num «bloco» bem cimentado. De qualquer modo, independentemente do código, o «fenótipo», a aparência do «movimento», permite leituras interessantes. Nos tempos idos, as principais forças constitutivas do Bloco aparentavam ser, sob forma de partidos, os verdadeiros «revolucionários proletários» (LCI/PSR), os verdadeiros «comunistas» (PCR/UDP), ou eram membros do Partido Comunista Português (Política XXI/Renovadores); agora, pretendem ser os verdadeiros e novos «socialistas», parlamentares, eleitorais, evolucionistas, numa palavra: reformistas. A mutação produziu uma viragem de 180 graus!  

    Em 2004, os dirigentes do Bloco editaram um novo Ensaio Geral, Passado e futuro do 25 de Abril (Ed. D. Quixote). Ajustar contas com a revolução, ou melhor o «ensaio» de revolução, porque ainda não tinham crescido para uma revolução de verdade. O historiador e líder do Bloco, Fernando Rosas, conclui enfaticamente que «a democracia política não só não se alcançou contra a revolução, como está geneticamente presa a ela» (p. 32), que «a revolução portuguesa de 1974/5 constitui a marca genética específica da democracia portuguesa». Uma pomposa verdade de La Palisse… Fernando Rosas dá, no seu ensaio, uma versão curiosa do «25 de Abril», na qual as forças populares e revolucionárias são subalternizadas, nomeadamente o PCP: «A revolução é fruto, antes de mais, da incapacidade histórica das classes dominantes (…)». E ao longo da sua prosa, no lugar do movimento de massas, da luta organizada das classes trabalhadoras, da luta de classes nas várias etapas da Revolução, vai tecer-se uma narrativa em que o historiador utiliza metáforas como «explosão», «vaga», «ondas de propagação», «panela de pressão», «desordem telúrica», «tensão», «vaga de choque», expressões para justificar de modo naturalista, sem teoria política, o processo histórico. A descrição põe a tónica no irracional, no espontâneo, como resultado do recalcamento do papel de vanguarda do PCP no processo revolucionário. Diga-se que já em «25 de Abril» o código genético político de FR era ferozmente anti-PCP. Daí não ser de estranhar que, mais adiante, F. Rosas pisque o olho à direita quando denuncia «que o alvo (do PCP na Revolução) é cumprir os objectivos da “Revolução Democrática Nacional” e avançar para um poder do tipo das democracias populares.» (p. 40). De novo a designação deturpada, grave imprecisão para um historiador, «democrática nacional», em vez de «democrática e nacional». Com uma no cravo e outra na ferradura, à boa maneira oportunista, diz numa boutade radical: «A revolução representou historicamente o mais profundo e ameaçador abalo sofrido por uma oligarquia que desde sempre, em Portugal, reinava incólume e segura.» E num golpe final de obscuro maquiavelismo, de quem faz sentenças acusatórias sobre a Revolução e contra o PCP, diz: «O que fez do 25 de Abril uma operação militar com o PCP, mas não do PCP.»

    Luís Fazenda, outro líder do Bloco, também tenta pôr a sua cabeça em ordem na altura em que o «25 de Abril» fez trinta anos. No capítulo do livro acima referido, que intitula As voltas do PREC, este antigo dirigente da UDP parece mais apostado em manter alguns vínculos com o seu passado revolucionário. E diz, como quem tira uma conclusão definitiva: «E o 25 de Abril foi mesmo uma revolução democrática. Tal como se produziu não foi imaginada por ninguém» (…) «A revolução esteve materialmente perto do socialismo.» L. Fazenda está perplexo, apercebe-se pela leitura que faz de várias obras de Álvaro Cunhal, que este «compreende melhor do que ninguém as condições do derrube do fascismo nas circunstância concretas». Mas logo a seguir, arrependido desta imperdoável concessão, vai afirmar que «é escusado mascarar o 25 de Abril concreto com a estratégia da Revolução Democrática e Nacional» e que «Cunhal falhou na percepção da passagem da Revolução Democrática ao socialismo». A falibilidade da infalibilidade do PCP!...

Por sua vez, os grupos esquerdistas são apostrofados por Fazenda, em jeito de autocrítica, como radicais sectários e de uma ingénua mediocridade.

Na sua versão pretérita, como «radicalistas de fachada socialista» (A. Cunhal, 1970), ou na sua versão póstuma, no «começar de novo» do Bloco de Esquerda, o que sobressai nestas correntes é um idealismo, uma compreensão insuficiente da história nos seus avanços e recuos, na sua sinuosidade. No passado viram-se como os arautos da revolução iminente, iluminados pela «ideia» a realizar independentemente das condições sociais e históricas objectivas. Agora, são uma espécie de «sociedade» por antecipação, uma nova «ideia» original para um «socialismo» sem fronteiras, «desclassificado», utópico, numa promoção reformista, quase evangélica, de uma nova verdade.

É a crise de alcance histórico, crise do capitalismo, crise do modo de vida de camadas das classes médias, crise profundamente contraditória, porque a par da grave derrota sofrida pelo socialismo a nível mundial, após a restauração do capitalismo na Europa de Leste e na ex-URSS.

(continua)

                                    

In jornal "Avante!" - Edição de 28 de Agosto de 2008

                         

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