Situação económica e social (IV)
2.2.40. Com a criação de um sistema de três patamares – sistema de protecção de cidadania, sistema previdencial e sistema complementar –, o Governo PS procedeu a profundas alterações ao sistema de Segurança Social, subvertendo o seu carácter público, universal e solidário, com repercussões especialmente gravosas no ataque ao direito à reforma e a uma pensão digna.
2.2.40.1. O processo de convergência dos regimes de protecção social da Administração Pública com o Sistema Público de Segurança Social que, a partir de 2005, o actual Governo impôs, é responsável por consideráveis retrocessos na protecção social dos trabalhadores, tanto do sector público como do privado.
2.2.40.2. O objectivo de redução das despesas com pensões deu corpo a um conjunto de medidas que reduz o valor das reformas dos trabalhadores em resultado da aplicação do chamado «factor de sustentabilidade» que, dando início a um processo de desvalorização das pensões, representa em 2008 uma redução do valor da pensão de 0,56%, e que atingirá 20% em 2050. Esta redução é ainda mais penalizadora para os baixos salários, em resultado da antecipação da aplicação da nova fórmula de cálculo com base na média ponderada da carreira contributiva. As novas regras para a indexação e actualização das pensões, tendo por base um Indexante de Apoios Sociais (IAS), condicionam injustamente os seus aumentos anuais à taxa da inflação e ao crescimento do PIB. A criação de um regime público de capitalização de contas individuais, a ser financiado por contribuições «voluntárias» dos trabalhadores, representa uma forma artificial de «atenuação» da quebra dos valores das suas pensões e visa o fomento dos fundos privados de pensões.
2.2.40.3. A redução dos direitos dos trabalhadores está patente, ainda, nas alterações ao subsídio de desemprego, responsáveis pelo aumento do número de desempregados excluídos desta prestação social; na destruição da universalidade do direito ao abono de família e na desvalorização do seu valor para milhares de famílias com um ou dois filhos; no estabelecimento da diferenciação do valor do subsídio de maternidade e paternidade para licenças de 120 e 150 dias (de 100% para 80%).
2.2.40.4. A criação de novas prestações sociais, de combate à pobreza entre os idosos e de apoio à maternidade e paternidade, pelo Governo PS, salda-se pelo reduzido alcance social em resultado da imposição de um conjunto de requisitos que são um factor de exclusão dos segmentos da população que delas necessitam.
2.2.40.5. Utilizando o aparelho do Estado para disseminar uma concepção caritativa e assistencialista, o Governo PS avança no processo de privatização da Acção Social e da rede de equipamentos e serviços sociais de apoio à criança, à família, à terceira idade e aos cidadãos com deficiência. Esta opção abre novos caminhos de lucro para o sector privado e transfere para a «organização» dos cidadãos a realização de actividades de prestação de serviços e de solidariedade social. Cresce, assim, o número de associações que inserem a sua acção neste âmbito, a maioria das quais com o estatuto de IPSS.
2.2.41. Intensificaram-se os níveis de exploração e violação sistemáticas dos direitos das mulheres trabalhadoras, designadamente em função da gravidez, da maternidade e do apoio à família, o que contribui de forma decisiva para a perpetuação do «tradicional» ciclo de discriminação que pesa sobre as trabalhadoras, e que se repercute negativamente na vida familiar e na participação na vida social e política.
2.2.41.1. Aumentou a precariedade e o desemprego entre as trabalhadoras de diversas idades e qualificações, ao mesmo tempo que se acentuou a sua desigual distribuição pelas profissões e níveis hierárquicos, acompanhada pela degradação do seu estatuto remuneratório e por profundas desigualdades salariais. O processo de privatização de importantes funções sociais, da responsabilidade do Governo PS, acentuou a desigualdade e a exclusão de acesso a equipamentos sociais de apoio à infância e aos idosos por parte das famílias trabalhadoras de mais baixos rendimentos. Mantém-se a ausência de políticas adequadas de prevenção e apoio às vítimas de violência doméstica.
2.2.42. A política social do Governo PS para a terceira idade caracteriza-se pela imposição de um conjunto de medidas de redução do valor das reformas e pensões, penalizando os actuais e futuros reformados, agravando e aprofundando a injustiça social na política de distribuição dos rendimentos, e trazendo como consequência imediata a acentuação e a extensão da pobreza e a perda do poder de compra, não só dos pensionistas com valor mais baixos, como da generalidade dos reformados do sector privado e dos aposentados da Administração Pública.
2.2.42.1. A privatização dos equipamentos e serviços sociais em detrimento da existência de uma Rede Pública, com o aumento crescente de dificuldades de acesso às valências de apoio domiciliário e de lares por parte dos idosos dependentes e com baixos rendimentos, e a falência de medidas como a criação do Complemento Solidário do Idoso, a par de novas taxas moderadoras e da redução na comparticipação de medicamentos, põem em causa o direito dos idosos à protecção social. O encerramento de serviços públicos, designadamente os de saúde, a desertificação e o envelhecimento de importantes regiões do País, acrescentam novos factores de isolamento, de vulnerabilidade social e de pobreza entre os reformados e idosos.
2.2.43. A forte incidência das desigualdades sociais e da pobreza entre crianças e jovens até aos 18 anos está patente nas situações que, ao longo dos anos, têm vindo a ser sinalizadas pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. Uma realidade inseparável da situação dos agregados familiares correspondentes, 38,2% dos quais com elevada precariedade económica (subsídio de desemprego, rendimento social de inserção, pensões de sobrevivência social ou de invalidez).
2.2.44. A situação das pessoas com deficiência, especialmente vulneráveis às situações de marginalização social, de desemprego e de aumento de preços dos bens e serviços essenciais e das despesas com a saúde, viu-se agravada com a redução de direitos dos trabalhadores deficientes, como é patente na retirada de benefícios fiscais, na redução do valor das suas reformas, nas propostas do Código do Trabalho e nos retrocessos em matéria de reparação por acidentes de trabalho – designadamente com uma nova Tabela de Incapacidades que fragiliza a protecção social dos acidentados de trabalho e favorece as seguradoras.
2.2.45. O agravamento da situação económica e social teve também repercussões graves nos trabalhadores imigrantes, a maioria em situação de maior fragilidade no mercado de trabalho, ocupando muitos deles trabalhos pouco qualificados, de baixos salários, em condições de precariedade e de ausência de direitos, com excessivas cargas horárias.
2.2.45.1. O recurso à mão-de-obra imigrante, barata, mais fragilizada e muitas vezes em situação irregular é, na lógica da exploração capitalista e da obtenção de acrescidas mais-valias, utilizado para pressionar a desvalorização dos salários, aumentar a precariedade e limitar o exercício dos direitos. Vítimas, eles próprios, a exemplo dos restantes trabalhadores, da degradação da situação económica e social e da exploração, os imigrantes são responsáveis por cerca de 5% do PIB nacional, sendo o seu contributo para as contas públicas, através de impostos e taxa, maior que os custos que lhe estão associados fazendo-os por isso contribuintes líquidos para a nossa sociedade.
2.2.45.2. A perspectiva de uma nova vaga de imigração, a concretizarem-se as obras públicas anunciadas para os próximos anos, torna mais urgente o combate às formas ilegais de contratação de trabalhadores imigrantes e às redes de imigração ilegal, o cumprimento da legislação do trabalho por parte do patronato e a extensão progressiva dos direitos políticos dos imigrantes.
2.2.46. O crescimento no número de portugueses que saíram de Portugal entre 2003 e 2006, 18,7% segundo o relatório da OCDE de Junho de 2007, é expressão do agravamento da situação económica e social do País e um desmentido sobre o alegado fim dos fluxos de emigração em consequência da adesão de Portugal à então CEE. Com a acrescida agravante de o aumento da emigração dos últimos anos se realizar em condições de grande precariedade e enorme exploração, onde predomina o trabalho temporário e sazonal.
2.2.46.1. A política de direita desenvolvida ao longo dos anos, e acentuada pelo Governo PS, traduzida no encerramento de consulados e sua entrega à gestão de privados, nas alterações ao regime de contratação de professores na rede do ensino do português no estrangeiro com reflexos negativos na qualidade do ensino, na governamentalização do Conselho das Comunidades, na manutenção da discriminação que atinge os ex-militares emigrantes impedindo-os de ver o tempo de serviço militar contado para efeitos da reforma, na anulação do porte-pago aos órgãos de informação regionais e da emigração, na eliminação das contas «poupança emigrante», vem fragilizando a ligação às suas terras de origem.
2.2.47. A política de habitação do actual Governo, ao serviço dos interesses do grande capital e dominada por uma orientação de favorecimento da especulação imobiliária, confirma e acentua a progressiva desresponsabilização do Estado, que vem pondo em causa o direito à habitação, constitucionalmente consagrado. O capital financeiro a ela associado, esquecendo os problemas de habitação das camadas e classes mais desfavorecidas, onerando desmesuradamente os orçamentos das famílias de médios recursos, forçadas a elevadas taxas de endividamento, põe em risco a indústria da construção civil. Esta política, agora agravada com a publicação pelo actual Governo do Plano Estratégico de Habitação (visando remeter o Estado para um papel subsidiário da dinâmica do mercado de habitação e de mero regulador), é responsável pelo aumento da especulação imobiliária sobre as periferias e o abandono dos núcleos históricos das cidades, pela existência de um excedente de 650 mil fogos, ao mesmo tempo que persistem problemas de sobrealojamento e inabitabilidade, pela imposição do modelo único de habitação própria, com o estrangulamento do mercado de arrendamento.
2.2.48. Na saúde, os últimos anos ficam marcados por uma ofensiva sem precedentes contra o Serviço Nacional de Saúde (SNS), assente em quatro eixos principais: a desresponsabilização do Estado face à sua obrigação constitucional de garantir o acesso aos cuidados de saúde de todos os portugueses em condições de igualdade; o encerramento sistemático de múltiplos serviços de saúde; a transferência para as famílias de uma parte crescente dos custos com a saúde; uma política laboral contra os direitos dos profissionais.
2.2.48.1. A estratégia de degradação da oferta pública de cuidados de saúde e encerramento de serviços (SAP; urgências hospitalares e maternidades), fruto da sintonia entre os governos do PSD/CDS-PP e do PS com os grandes grupos financeiros, que vêem na saúde uma importante área de negócio, tem-se traduzido na redução da capacidade de resposta e no desacreditar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ao mesmo tempo que abre portas à sua privatização.
2.2.49. A política de desresponsabilização do Estado, assente na lógica do «Estado mínimo» e no princípio do utilizador-pagador para garantir a progressiva separação dos papéis de financiador, regulador e prestador, assumindo o Estado os dois primeiros, tem como objectivo delegar em entidades não públicas a prestação de cuidados mediante mecanismos de contratualização ou pela via da privatização de serviços.
2.2.49.1. É neste contexto que se sucedem os licenciamentos para novas unidades privadas de saúde, nomeadamente hospitais, com o Estado a assumir-se como principal cliente, como é o caso dos contratos da ADSE com os novos Hospitais privados e dos projectos de revisão da legislação relativa às Convenções.
2.2.49.2. Uma política desastrosa de formação de profissionais de saúde, particularmente médicos e enfermeiros, e uma política laboral que, no sector público, lhes reduz vencimentos, lhes restringe direitos, lhes aumenta a precariedade e destrói a perspectiva de uma carreira, empurra os médicos para as unidades privadas e os enfermeiros para o desemprego, pondo em causa a própria existência do SNS a curto prazo.
2.2.49.3. Os Cuidados Primários, sector que o Governo mais utilizou na propaganda para esconder as graves insuficiências aí existentes, acabaram por esbarrar na contradição insanável entre os que defendem o seu desenvolvimento no serviço público e aqueles que, entendendo este sector como fundamental para «alimentar» os hospitais privados, apostam na sua privatização.
2.2.50. No contexto político em que a chamada reforma dos Cuidados Primários foi anunciada – marcado pelo ataque mais violento de sempre contra o SNS, sem recursos financeiros, sem profissionais, em particular médicos de família, sem instalações e equipamentos adequados –, a criação de Unidades de Saúde Familiares (USF) mais não é de que um canto de sereia para abrir caminho à privatização dos Cuidados de Saúde Primários. O número, claramente reduzido face às perspectivas iniciais, de USF em funcionamento e a desorganização que em alguns casos tem marcado esse início, são testemunhos do carácter meramente propagandístico da «Reforma».
2.2.50.1. O quadro está claro: de um lado estão os que defendem uma reforma democrática do SNS como garante do acesso em equidade aos cuidados de saúde por parte de todos os portugueses; do outro, os que o querem pura e simplesmente destruir para que desta forma o acesso e a qualidade aos cuidados de saúde fiquem dependentes das regras do mercado.
2.2.51. Apesar de, nos últimos anos, a visibilidade social da toxicodependência ter diminuído – devido às medidas de combate ao consumo da heroína – assiste-se hoje a uma diversificação do tráfico, do tipo de drogas consumidas e dos consumidores.
2.2.51.1. O fenómeno da toxicodependência continua a ser uma realidade profundamente influenciada pela degradação da situação económica e social e que deixa atrás de si um rasto de destruição e desintegração humana e social que, afectando sobretudo as camadas mais jovens da população, tem registado, por via da perpetuação dos consumos, um número crescente de consumidores mais velhos.
2.2.51.2. Apesar do papel assumido pelo SNS através do Instituto da Droga e da Toxicodependência na prevenção, tratamento e combate à toxicodependência, constituem sinais inquietantes: o crescente peso dos interesses privados nesta área; a concentração e redução de serviços públicos; a instabilidade profissional em que se encontram os técnicos e funcionários do IDT; a não aplicação da Lei da Droga por falta de capacidade de resposta e de articulação entre as estruturas do estado; o abandono e falência da componente de reinserção social e do emprego; os cortes orçamentais para esta área.
2.2.51.3. A absorção por parte do IDT da estrutura pública de combate e tratamento do alcoolismo – também este um gravíssimo problema social –, constitui uma medida que, tendo sido sobretudo determinada por critérios economicistas, necessita de ser acompanhada dos meios técnicos e profissionais necessários a um avanço do País nesta área.
In Projecto de Teses do XVIII Congresso do PCP
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