Situação económica e social (V)
2.2.52. Na educação, nos últimos anos foram, na continuidade da política de direita, dados novos e qualitativos passos, tendo como linha condutora a crescente desresponsabilização do Estado, o ataque à Escola Pública, gratuita e de qualidade para todos, a promoção do ensino privado e a subalternização de critérios pedagógicos em prol de preceitos economicistas e elitistas.
2.2.52.1. As alterações que têm vindo a ser implementadas no sistema educativo são, no essencial, desrespeitadoras da Lei de Bases e da própria Constituição da República, consubstanciam um retrocesso muito significativo em matéria de ensino, o que, por si só, constituirá um forte condicionamento ao nosso desenvolvimento futuro.
2.2.52.2. A política de desresponsabilização do Estado nesta área social fundamental prosseguida pelos governos do PSD/CDS-PP e do PS, visando a sua progressiva privatização, tem como eixo central a desvalorização da Escola Pública enquanto instrumento para a concretização do preceito constitucional que obriga o Estado a garantir o direito ao ensino de todos os portugueses, com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolares.
2.2.52.3. O objectivo é óbvio: colocar a Escola Pública ao serviço da perpetuação das assimetrias e injustiças, tornando-a reprodutora das relações de classe e da ideologia dominante, reservando o acesso ao conhecimento para as elites e atribuindo às camadas trabalhadoras apenas a oportunidade de adquirir competências profissionais ao serviço das necessidades flutuantes do mercado capitalista., de que são exemplo o novo Estatuto do Aluno e o alargamento dos exames nacionais, medidas que visam, no essencial, colocar mais obstáculos ao prosseguimento dos estudos. O fosso entre os estudantes que são, à partida, encaminhados para o prosseguimento dos estudos para entrada imediata no mercado de trabalho é cada vez maior para, e para o qual contribui de forma significativa a actual concepção dada pelo Governo ao ensino profissionalizante.
2.2.52.4. A escola tem vindo a constituir-se num aparelho ideológico central. As alterações introduzidas aos conteúdos curriculares, os conteúdos de alguns manuais escolares e até algumas provas de exame, confirmam a manipulação cada vez mais abusiva do ensino pelo aparelho político ao serviço do capital.
2.2.53. Num contexto em que a educação assumiu também um novíssimo valor como oportunidade de negócio para o capital, o Governo PS encerrou mais de 2500 escolas do 1.º ciclo do ensino básico, desenvolveu um processo de privatização indirecta da educação, como acontece com as chamadas Actividades de Enriquecimento Curricular e, também, através de licenciamentos de colégios privados apoiados com dinheiros públicos, desvirtuando o princípio do carácter supletivo do ensino privado em relação ao público, com claros prejuízos para este. ~
2.2.53.1. É neste quadro de desvalorização da Escola Pública que se integram a imposição de um novo modelo de gestão das escolas do ensino pré-escolar, básico e secundário, a delegação de novas competências para as autarquias locais na área de todo o ensino básico e as medidas que estão a ser implementadas no ensino especial, bem como o ataque às escolas especializadas no ensino das artes.
2.2.53.2. Contrariando o preceito constitucional que incumbe o Estado a garantir a gratuitidade do ensino obrigatório e a progressiva gratuitidades dos restantes níveis, os custos com a educação e ensino são cada vez mais elevados, atingindo valores insuportáveis para muitas famílias, com consequências no abandono precoce e na qualidade das aprendizagens.
2.2.54. O afastamento desumano de dezenas de milhar de alunos com necessidades educativas especiais das medidas de educação especial, processo agora agravado por uma avaliação destas necessidades feita com base numa Classificação Internacional de Funcionalidade e Incapacidade (CIF) da área da saúde, é uma faceta brutal da política de direita na educação.
2.2.55. A intenção governamental de delegar competências às autarquias locais na área da educação pode favorecer objectivamente, com a asfixia financeira das autarquias, a privatização do Ensino Básico e impedir a concretização do carácter universal do sistema de ensino a nível nacional. Depois de – também pela mão do PS – ter sido dificultada e limitada, o novo decreto de gestão vem amputar o que resta de participação democrática na vida das escolas. Os professores, funcionários e estudantes são arredados da gestão escolar e a direcção da Escola é centralizada num órgão unipessoal, funcionando como um veio de transmissão de orientações superiores e braço administrativo do Governo. Os critérios pedagógicos são subjugados por critérios empresariais de gestão, burocráticos e autoritários.
2.2.56. No Ensino Superior, o Governo PS, acelerando o passo do anterior, não hesita em desmantelar este importante património do povo português, para o adequar ao chamado «Espaço Europeu de Ensino Superior», impondo reformas consubstanciadas no modelo de organização do ensino segundo o Processo de Bolonha, no Regime Jurídico da Avaliação da Qualidade no Ensino Superior, no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (com o evidente propósito de promover a transformação das instituições públicas do ensino superior em Fundações de direito privado, e a redução drástica da gestão democrática e da participação dos estudantes), no modelo de financiamento (com destaque para o aumento brutal do valor das propinas), mesmo que em resultado destas opções o Ensino Superior em Portugal fique colocado numa posição ainda mais periférica relativamente às principais potências europeias e sem capacidade de decisão soberana.
2.2.56.1. As medidas que têm vindo a ser implementadas no Ensino Superior contribuem para a sua degradação material e, consequentemente, para as insuficiências pedagógicas e humanas que reproduzem e acentuam as desigualdades sociais, ao invés de garantir a igualdade de acesso, a frequência e o sucesso; limitam a liberdade de ensino e aprendizagem e o acesso à criação e fruição culturais; restringem as áreas de investigação científica e de desenvolvimento experimental e de formação às áreas de aplicação directa, ao serviço dos interesses imediatos e exclusivos do capital, com o abandono de áreas sem valor no mercado, a cultura multidisciplinar, as humanidades, as artes e as ciências básicas, todas necessárias para o desenvolvimento do País.
2.2.56.2. A estratificação em ciclos, resultado da assimilação no Processo de Bolonha, também reflecte a intenção de negar a formação integral que prepare o cidadão para assumir uma posição consciente no controlo da sociedade para, pelo contrário, criar um exército de mão-de-obra barata mas disponível para entrar no sistema produtivo sem a cultura formativa crítica que as escolas superiores tradicionalmente tendiam a conferir.
2.2.56.3. O modelo de financiamento, assente na desresponsabilização estrutural do Estado nesta esfera estratégica e exercido com alienante arbitrariedade, mantém a inaceitável aplicação de propinas, que atingem dezenas de milhar de euros no segundo e terceiro ciclos, enquanto desfalca e privatiza a Acção Social Escolar, o que, objectivamente, mercantiliza o conhecimento e promove a elitização no acesso a níveis superiores de conhecimento.
2.2.57. No que respeita Ciência, Tecnologia e Inovação, a situação está marcada pela política de direita de sucessivos governos, traduzida: no subfinanciamento da larga maioria das unidades e centros de I&D ligados ao sector do ensino superior e dos laboratórios do Estado, reduzindo os efectivos de pessoal especializado, explorando a precariedade do trabalho qualificado de largo número de bolseiros e ameaçando o próprio pagamento de salários; pela centralização da gestão do financiamento da I&D na Fundação para a Ciência e a Tecnologia, sem garantia de montantes e prazos de pagamento; pela ausência de objectivos sectoriais estratégicos assumidos por órgãos próprios de política científica, e de qualquer controlo efectivo e participada por parte da comunidade cientifica; pelo desvio de dinheiros públicos do magro bolo da Ciência para universidades estrangeiras com objectivos políticos pouco claros e um binómio custo-beneficio indefinido.
2.2.57.1. A reforma desastrosa dos laboratórios do Estado, incluindo fusões arbitrárias, desmantelamento e extinção de serviços e competências que importaria consolidar e reforçar, a crescente utilização de mão-de-obra cientifica e técnica com vínculo laboral precário e sem condições de trabalho adequadas, a par da constante degradação do rácio pessoal técnico/pessoal investigador e da muita fraca contribuição do sector empresarial para as actividades de I&D e Inovação, confirmam a não opção no investimento produtivo que o País precisa.
2.2.58. A evolução da situação nas áreas e actividades culturais no período decorrido desde o XVII Congresso apresenta traços que significam a clarificação – negativa – de tendências contraditórias, que vinham coexistindo desde as últimas décadas do século passado.
2.2.58.1. A política cultural prosseguida pelo actual Governo PS, marcada pelo abandono de responsabilidade pública nas políticas culturais, acentuou a identidade das orientações e opções com as que caracterizaram a acção dos governos do PSD e CDS-PP: desresponsabilização do Estado; estreitamento das zonas de responsabilidade directa da Administração Central; asfixia orçamental; privatização e entrega ao mercado de actividades, equipamentos e património; elitização; inserção subalterna nos circuitos mercantis da cultura internacional hegemonizada pelos grandes interesses financeiros transnacionais; instrumentalização de iniciativas de «prestígio».
2.2.58.2. Uma clarificação que tem correspondência nas áreas da cultura artística e científica que subordinam todo o viver social aos critérios de lucro do grande capital explorador e que se traduz em novos passos no sentido da fragilização de um tecido cultural vulnerável e precário, novas limitações no acesso à criação e à fruição culturais por parte das camadas populares, novas dificuldades para os criadores, em particular os mais jovens.
2.2.59. Na política para a área do desporto a chamada reforma do desporto desarticulou serviços, governamentalizou o Instituto do Desporto de Portugal e o Conselho Nacional do Desporto e aprovou uma Lei de Bases que, a par da preparação de um novo Regime Jurídico das Federações Desportivas, acentua a intromissão do Estado no associativismo desportivo.
2.2.59.1. As manobras mediáticas do actual Governo, de que são exemplos o chamado Congresso do Desporto e a colagem à participação de Portugal no Euro 2008, não escondem a ausência de uma política nacional para o desporto, o corte de investimentos e verbas e a inexistência de um programa e um projecto consistentes que assegurem o fomento da prática desportiva e a sua democratização, e o apoio ao desporto federado e de alta competição.
2.2.59.2. A acção de sucessivos governos para transformar o País numa entidade organizadora de eventos desportivos de nível internacional, com elevados custos financeiros, de retorno duvidoso para o País e sem qualquer reflexo no desenvolvimento da prática desportiva, e o descarado aproveitamento político dos resultados desportivos obtidos a nível internacional, visa iludir a situação de atraso a que a política de direita conduziu o desporto nacional.
In Projecto de Teses do XVIII Congresso do PCP