UM(A) DESEMPREGADO(A) TAMBÉM É UMA PESSOA
Um dos problemas quando se aborda o tema desemprego é o grande peso dos dados numéricos. Esquecemo-nos com demasiada frequência que por detrás de cada desempregado(a) está uma pessoa concreta. Com os seus sonhos, as suas esperanças, as suas ambições. Com a sua realidade familiar. Está um pai, uma mãe, um filho, uma filha, um irmão, uma irmã. Muitas vezes, demasiadas mesmo, está uma família inteira.
O aumento do desemprego é sinónimo de dificuldades económicas para centenas de milhar de famílias. É sinónimo de dificuldades no acesso a bens e serviços essenciais. É sinónimo de novas vagas de emigração. É sinónimo de degradação das condições de vida. É sinónimo de endividamento. É sinónimo de situações de pobreza, miséria e exclusão social.
Raramente é, ao contrário do que diz a cartilha neoliberal, sinónimo de “novas oportunidades”. Aliás como o poderia ser se em Portugal, como já demonstrámos em artigo anterior («A nudez crua da verdade», edição de 12/6), se empobrece a TRABALHAR?
Vamos à dura realidade dos números (vide os estudos do economista Eugénio Rosa referidos em http://ocastendo.blogs.sapo.pt/33243.html):
A taxa de desemprego em sentido restrito atingiu, no final do 2º trimestre de 2007, os 7,9%. O que corresponde a 440 500 trabalhadores no desemprego. Este é o valor mais elevado registado no segundo trimestre do ano, desde que o INE iniciou a actual série de Inquéritos ao Emprego em 1998.
O número de desempregados subiu 8,6% em relação ao trimestre homólogo do ano anterior (+ 34 900 trabalhadores no desemprego).
O aumento do desemprego atinge esmagadoramente as mulheres e por esta razão a taxa de desemprego das mulheres está nos 9,4%. Dos 34 900 trabalhadores a mais desempregados entre o 2º trimestre de 2006 e o 2º trimestre de 2007, verifica-se que 32 700 trabalhadores são mulheres.
A taxa de desemprego dos jovens (15-24 anos) atingiu o valor de 15,3%, quase o dobro da média nacional.
O desemprego dos trabalhadores licenciados subiu 25,1% de um ano para o outro. Existem hoje 50 800 trabalhadores licenciados no desemprego, mais 10 200 do que no 2º trimestre do ano passado.
Cerca de metade do desemprego é de longa duração. No final do 2º trimestre de 2007 tínhamos 221 mil trabalhadores que procuram emprego há menos de 12 meses e 216 400 trabalhadores que procuram emprego há mais de 1 ano.
A evolução do emprego acompanha o modelo de desenvolvimento económico cujo perfil é de emprego pouco qualificado. As únicas profissões que no último ano viram a população empregada aumentar foram o "pessoal dos serviços e vendedores" (mais 16 700 pessoas) e os trabalhadores não qualificados (50 mil trabalhadores). Em contrapartida reduziu-se o número de quadros superiores (-48 300), o de trabalhadores intelectuais (-11 400), o de técnicos e profissionais de nível intermédio (- 8 600) e o de operários, artífices e trabalhadores similares (-17 600).
Em vez da prometida criação de 150 000 postos de trabalho assumida pelo PS durante as últimas eleições legislativas, o que se verifica é que o número de desempregados cresceu desde a tomada de posse do governo, de 399 300 para os actuais 440 500.
Sublinhe-se que a verdadeira dimensão do desemprego no nosso país só pode ser apreendida se ao número de desempregados em sentido restrito, que o INE revelou, acrescentarmos os inactivos disponíveis para trabalhar (80 300) e o sub emprego visível (68 100). Obtemos assim o valor do desemprego em sentido lato, isto é, 588 900 trabalhadores e 10,4% de desemprego.
A manter-se esta situação poderemos estar a caminhar para o mais elevado nível de desemprego jamais registado em Portugal. Esta é, diga-se mais uma vez, a nudez crua da verdade.
Com consequências extraordinariamente negativas em vários planos. Desde logo no desenvolvimento e dinamização do mercado e consumo interno. Depois nas despesas e receitas da segurança social. Bem como nos níveis salariais praticados. Finalmente, nos direitos dos trabalhadores.
A tudo isto acresce, recorde-se mais uma vez, o problema da precariedade. Os dados do INE revelam uma nova realidade que se aprofunda com este Governo: a maior liquidação de sempre de postos de trabalho efectivos e a promoção do emprego precário como regra.
Entre o 2º trimestre de 2006 e o 2º trimestre de 2007, os trabalhadores com contratos a prazo são agora mais 77 800 do que o ano passado. Atingiu-se o valor mais elevado de sempre: 863 700 trabalhadores (22,2% do total de trabalhadores por conta de outrem). Também a população empregada a tempo parcial aumentou em 40 800, atingindo já os 630 200 empregados.
Como resultado do aumento da precariedade verificou-se agora a liquidação, em apenas um ano, de 77 600 contratos de trabalho sem termo. Na prática são agora postos de trabalho permanentes ocupados por trabalhadores contratados a prazo, com falsos recibos verdes, em trabalho temporário, ou em bolsas de formação e investigação.
Se adicionarmos ao número de trabalhadores por conta de outrem com contrato precário (863 700), o número de trabalhadores por conta própria como isolados – chamados falsos recibos verdes (379 135) – concluímos que 1 242 835 trabalhadores têm hoje um vínculo precário, isto é, 1 em cada 4 trabalhadores é precário.
Como facilmente se comprova é falsa a tese de que "o mercado de trabalho precisa de ser mais flexível". O que está de facto em causa é a desregulamentação completa das relações de trabalho em benefício do Capital.
Nota final: registe-se que a remuneração média de cada membro de conselho de administração das empresas cotadas na bolsa representa 31,5 mil euros/mês e uma grande parte destes administradores foram aumentados sessenta vezes mais que um trabalhador comum...
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 3 de Setembro de 2007