Há tanto tempo nos separamos da inteligência - que devíamos por fim...
Este oficial (...) levava o preso desarmado, e 20 homens, com as espingardas carregadas. Teve ainda receios (...).
Exigiu que o algemassem. É necessário ter visto o sofrimento das algemas. Os braços inertes incham, adormecem, os pulsos arroxeiam, a respiração dificulta-se, um entorpecimento febril enerva, e os mais duros, os mais fortes, os mais concentrados, não marcham a pé duas léguas, com os pulsos encadeados, sem que a dor lhes faça correr as lágrimas em fio.
(...)
Tomar um militar, um vencido, um hóspede, um homem que se entrega aos respeitos da lei e às protecções da piedade, fatigado, desarmado, inútil - levá-lo, fazê-lo atravessar as imundícies e as fomes das (...) cadeias, maltratá-lo, arremessá-lo para a negrura de um aljube, não lhe dar sequer o caldo da enxovia, impor-lhe a fome, fazê-lo esperar longas horas às grades a chegada do pão, impeli-lo à humilhação de pedir, esfomeado, metê-lo numa escolta de 20 homens, algemar-lhe os pulsos, e impeli-lo para um destino escuro, como um boi que se encurrala - é bem digno deste País, que por isso que tem a inépcia, não podia deixar de ter a maldade.
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Há tanto tempo nos separamos da inteligência - que devíamos por fim encontrar-nos com a vileza.
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In [Uma Campanha Alegre (Volume II: Capítulo XXX: Singulares aventuras de um soldado espanhol internado em Portugal), por Eça de Queirós]
adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge