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O objectivo da construção de uma sociedade socialista de forma alguma impede, antes implica, que um partido comunista tenha soluções e objectivos a curto e médio prazo que proponha como alternativa à situação existente.
Atenção porém. Uma análise da situação e a definição de uma política têm de partir de realidades básicas do capitalismo, a que correspondem conceitos fundamentais da teoria revolucionária do proletariado:
— a divisão da sociedade em classes, umas que exploram, outras que são exploradas;
— a luta de classes;
— a política de classe dos governos.
Trata-se de realidades e de conceitos. A sua descoberta não se deve a Marx e Engels mas a economistas e filósofos anteriores. O que é novo no marxismo é a análise das situações económicas e políticas concretas tendo na base esses conceitos.
É certo que, em situações pré-revolucionárias e noutras em que se criou um temporário equilíbrio das forças de classe, o poder político, fortemente condicionado, pode conjunturalmente não conduzir uma política ao serviço do capital. Pode mesmo realizar medidas progressistas de carácter anti-capitalista. São porém situações excepcionais e de pouca duração.
Não é o caso de países capitalistas de democracia burguesa. Nesses, o poder político falseia as quatro vertentes da democracia.
A económica – pela propriedade dos sectores básicos da economia pelo grande capital e a submissão do poder político ao poder económico.
A social – pela exploração e a miséria dos trabalhadores e das massas populares e a concentração da riqueza num número limitado de gigantescas fortunas.
A cultural – pela propaganda da ideologia do grande capital, por um sistema de ensino discriminatório para os filhos das classes trabalhadoras, pela propaganda de ideias obscurantistas, pelos atentados à criatividade artística, pela multiplicação de seitas religiosas.
A política – pelo abuso e absolutização do poder e a liquidação dos órgãos e mecanismos de fiscalização democrática do seu exercício, pela alteração inconstitucional da legalidade e das competências dos órgãos de soberania quando as leis em vigor se revelam insuficientes para o exercício absoluto do poder do grande capital.
E toda esta degradação se desenvolve com os pretextos da necessária “estabilidade” e do “Estado de direito”.
A degradação da democracia política – trazendo consigo os espectaculares e teatrais conflitos de chicana parlamentar, o carreirismo, a impunidade e a corrupção – provoca o descrédito da política e dos políticos.
Entretanto, a política é uma actividade necessária e os comunistas e outros verdadeiros democratas são diferentes e melhores na prática política e distinguem-se da chamada “classe política” desacreditada.
Os poderosos meios de comunicação social (jornais, revistas, rádios, televisão, audiovisuais), propriedade e instrumento de grandes grupos monopolistas, não constituem um novo poder independente, como alguns pretendem, mas um instrumento do grande capital na sua ligação dominante com os governos.
Sendo a luta pela democracia um dos objectivos centrais da acção de um partido comunista é indispensável definir quais são os elementos fundamentais dessa democracia.
De um governo é de exigir a simultaneidade e complementaridade das suas vertentes fundamentais. Não basta que um governo se afirme democrático. É necessário que de facto o seja.
É, ao mesmo tempo, necessário definir-se mais concretamente, em cada situação concreta, a democracia pela qual se luta. Numa situação dada, num momento dado, pode, por exemplo, a luta pela democracia dar grande relevo à luta pelo reforço dos elementos de democracia directa e participativa a par da democracia representativa.
As eleições são um dos elementos-base de um regime democrático, mas só assim podem ser consideradas se respeitam a igualdade e se são impedidos os abuso do poder, as discriminações e exclusões. Se estas condições não são conseguidas, as eleições tornam-se uma fraude, um grave atentado à democracia e um instrumento da monopolização do poder, por vezes em alternância, pelas forças políticas ao serviço do capital.
Uma “democracia avançada”, pela qual lutam alguns partidos, é definida como um regime democrático que proceda a realizações progressistas de carácter não capitalista (como a nacionalização de alguns sectores da economia e a liquidação da propriedade latifundiária).
Seja desta forma ou de outra, definidos os objectivos da luta pela democracia num momento dado, os comunistas não podem estar, não querem estar e não estão isolados.
A compreensão da luta de classes, realidade omnipresente na sociedade como motor da evolução histórica, não contraria nem exclui a necessidade de alianças sociais e políticas da classe operária, dos trabalhadores e do seu partido com objectivos concretos imediatos, tendo em conta que a arrumação e correlação das forças políticas assenta na relação e correlação das classes e estratos sociais. A definição correcta de quais podem ser essas alianças exige, primeiro, o apuramento no concreto das alianças sociais objectivamente consideradas, depois, a definição, quando possível, da representatividade de tais ou tais classe e estratos sociais por tais ou tais partidos e da base social de apoio com que estes contam.
Não existem situações iguais. Pode haver, em tais ou tais países, situações económicas, sociais e políticas semelhantes. Há porém sempre diferenças que exigem respostas diferentes. Não há soluções nem “receitas” universais. A cópia de soluções conduz a orientações que não correspondem às exigências da realidade concreta.
Grandes descobertas científicas e tecnologias revolucionárias estão provocando mudanças profundas na composição das classes trabalhadoras e na própria composição social da sociedade nos países desenvolvidos. Neles torna-se particularmente complexa a definição das alianças sociais – base das alianças políticas.
Há, a este respeito, definições muito pouco claras.
No quadro da política de alianças, em numerosos países de democracia burguesa, partidos democráticos, nomeadamente partidos comunistas, têm definido, como seu objectivo, uma política denominada de “esquerda”.
Há casos em que, na orientação desses partidos, esta palavra “esquerda” exclui o apoio ou comparticipação numa política de “direita”. Tem então um significado claro e positivo.
Entretanto, na generalidade dos países, a palavra “esquerda”, no dicionário político contemporâneo, tem um significado impreciso, cheio de incógnitas, contraditório, objectivamente confusionista. Ao definirem-se partidos da “esquerda” ou sectores de “esquerda”, incluem-se com frequência nesse número, além de partidos da “extrema-esquerda” anticomunistas, partidos socialistas e social-democratas que, na sua acção política, defendem e praticam uma política de “direita”.
O mesmo em relação a governos intitulados de “esquerda” ou “da esquerda”. As experiências mostram que, em alguns casos, a participação comunista em governos de partidos socialistas ou social-democratas, tidos como sendo a “esquerda”, significa a comparticipação na realização de políticas de “direita”.
Que se defina como objectivo uma política democrática nas suas quatro vertentes, que se lute por ela e que não se proclame uma política que inclua a participação (ou o objectivo de alcançá-la) em governos como são na actualidade muitos governos que, intitulando-se “de esquerda”, são instrumentos do grande capital, das transnacionais, dos países mais ricos e poderosos, da actual ofensiva “global” do imperialismo visando impor o seu domínio em todo o planeta.
É também o caso dos chamados “pactos de estabilidade” assinados por partidos e organizações sindicais reformistas, que sacrificam direitos fundamentais dos trabalhadores à intenção de superar a actual crise do capitalismo.
Não é esse o caminho que a luta dos trabalhadores, dos povos e nações actualmente exige.
O caminho necessário cabe aos partidos comunistas (e outros partidos revolucionários) defini-lo nas condições concretas dos seus países. Com convicções, com coragem e com a sua identidade comunista.
(continua)