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O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

Eu sou um camelo e você é Minerva

(...)

De resto, caro Chagas, você tem razão. Ninguém ignora que eu sou um camelo. O meu lugar não é aqui no Atlântico: é lá ao longe, na extensa fila da minha caravana, pelo deserto fora, em direitura à costa do Hejaz, levando um fardo entre as duas corcundas, ruminando a ração de cardos, de olho cerrado e lábio pendente, balançando-me em cadência à melopeia de marcha que o guia vai cantando às estrelas. Enquanto que você, a própria sabedoria, com todos os atributos divinos da antiga Minerva, da Palas vencedora, a luminosa padroeira de Atenas, você tem o capacete, a lança, a dupla couraça de ouro sobre os dois seios, e a túnica caindo em pregas dogmáticas: assim se explica o nimbo cor de aurora que o acompanha, e o suave aroma de ambrósia e rosa que de si se exala. Você é Minerva, você é deusa.

Somente, deixe-me lembrar-lhe que Minerva era modesta. Em geral os deuses eram modestos: misturando-se tanto à vida dos homens, temiam-lhes muito o sarcasmo. E os homens mesmo, presentemente, quando têm algum valor também são sempre modestos. Os grandes ares de sabichão, como os ares de ricaço, como os ares de valentão, passaram totalmente de moda.

Há hoje nas sociedades cultas um tom geral de bom gosto, de ironia, de fino senso, que põem bem depressa no seu lugar os fanfarrões da sabedoria, do milhão ou do músculo.

Ao nababo que nos agita diante da face uma bolsa cheia de ouro, dizendo: —Pobretões! eu cá sou rico! responde-se tranquilamente: — Talvez, mas és grosseiro!

Ao mata-sete que nos mostre os seus pulsos de Sansão, e nos grite: — Fracalhões, eu cá sou forte! replica-se friamente: — Talvez, mas és brutal!

E ao sabichão que, com quatro volumes debaixo de cada braço, nos venha dizer, de alto: — Ignorantes! eu cá sou sábio! responde-se serenamente:— Talvez, mas és pedante!

E este tom, meu caro Chagas, é indispensável. Se não, os ricaços, os valentes e os sabichões, coligados entre si, tornariam bem cedo a sociedade inabitável.

Estas coisas passam-se assim, nas relações de homem para homem: mas, evidentemente, outro e bem diverso é o nosso caso. Eu (como você diz) sou um camelo; você (como eu afirmo) é Minerva. Está claro que devem ser reguladas por uma lei diferente, as relações entre uma deusa e uma besta de carga.

(...)

Eça de Queirós, Brasil e Portugal, Notas Contemporâneas.

Todo Eça em O CASTENDO:

No «episódio Vital» no 1º de Maio quem serão as «deusas» que querem fazer passar outros por «bestas»?   

                                                                    

adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

                                                                     

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