Concretizou-se, nestes últimos trinta anos, uma evolução nas relações capital/trabalho, profundamente desfavorável aos trabalhadores. Quer na distribuição dos rendimentos, quer no plano legislativo. Exemplos claros são as políticas de salários e fiscal. A legislação laboral e as condições laborais. Os contratos a prazo e o trabalho precário. A lei dos despedimentos e a negociação colectiva. Os direitos orgânicos nas limitações às liberdades sindicais e aos direitos das comissões de trabalhadores. O controlo de gestão.
1. Com o 25 de Abril de 1974 foram melhorados os salários, criado o salário mínimo nacional (SMN) e ampliadas as prestações da segurança social. Segundo cálculos então efectuados, foram abrangidos pelo estabelecimento do SMN cerca de metade dos trabalhadores. E este facto teve uma expressão ainda mais elevada no que se refere às mulheres trabalhadoras – 78%.
A repartição do rendimento entre capital e trabalho alterou-se profundamente a favor dos trabalhadores. A contratação colectiva, fixando não só os salários mas as condições de trabalho em geral, desenvolveu-se numa perspectiva sectorial e vertical. As convenções abrangiam todos ou a grande maioria dos trabalhadores.
Este quadro modificou-se profundamente ao longo do tempo. Sobretudo pela persistência de uma especialização produtiva baseada em produções de baixo valor acrescentado e pela natureza das políticas económicas. A parte dos salários no rendimento nacional, que atingiu os 59% em 1975, era de 40% em 2004.
As desigualdades salariais são muito elevadas. Portugal, com um factor 8,2 (2005), tem o maior leque salarial da União Europeia (U.E.) a 25. Em 2004 12,2% dos assalariados trabalhando a tempo completo recebia menos de 2/3 do ganho mediano. Este dado constitui uma indicação da incidência da pobreza laboral. Segundo o mais recente estudo sobre a «Pobreza em Portugal», 40% dos pobres são trabalhadores por conta própria ou por conta de outrem. Um em cada quatro assalariados a tempo inteiro vive com um salário de base próximo do SMN (até 15% acima deste salário). Esta realidade demonstra à saciedade que em Portugal se empobrece a trabalhar.
São mais atingidos alguns sectores de serviços (como os serviços sociais), o alojamento e restauração. Mas também algumas actividades industriais (como as indústrias têxteis, de vestuário e de calçado, por exemplo). O salário mínimo afastou-se progressivamente do salário médio. Passou de 68% em 1981 para menos de 50% em 2004. No outro extremo da escala, uma minoria de quadros superiores aufere ganhos, regalias e pagamentos em espécie, extremamente elevados. Por vezes superiores ou correspondentes aos da U.E.. Sublinhe-se que uma parte destes rendimentos não é declarada.
2. Os sucessivos governos têm apostado num modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e no baixo nível de escolaridade e de qualificação. As consequências estão à vista. Cerca de 71% da população empregada dispõe do ensino básico ou menos. Apenas 9,9% da população portuguesa têm a escolaridade de nível superior. Igualmente significativo é o facto de os novos patrões, surgidos na década de 90 em Portugal, terem, em média, apenas 7,7 anos de escolaridade.
Comparativamente à média da U.E. a 25, a fracção da população portuguesa com o ensino secundário completo é 2,6 vezes inferior. Por outro lado a taxa de retenção e abandono precoce nos Ensinos Básico e Secundário era de 46% em 2004. A maior de toda a U.E.. São estas e não outras, as principais causas do atraso estrutural do País.
O «Inquérito aos Orçamentos Familiares 2000» realizado pelo INE revelou uma correlação positiva entre o «grau de instrução do representante do agregado familiar» e «receitas médias líquidas anuais» do agregado familiar. De acordo com o INE, em 2006, o salário médio mensal de um trabalhador com o ensino básico era apenas de 565 euros. Mas com o ensino secundário e pós-secundário atingia os 758 euros. E com o ensino superior fixava-se nos 1355 euros.
3. E depois de uma vida inteira de trabalho como é? Em 2006, cerca de 83% dos reformados viviam com menos de um SMN por mês. Já 42% viviam com pensões inferiores a 300 euros (ou seja, 1 milhão e 100 mil reformados). O valor da pensão média das mulheres era 59,8% inferior à dos homens. E, no entanto, entre 1975 e 2004, a riqueza criada por trabalhador cresceu 41 vezes (o PIB por trabalhador subiu de 640 euros para 26 300 euros). Não obstante neste período ter baixado 2,3 vezes o número de activos por pensionistas.
Podemos concluir que significativos retrocessos sociais acompanharam as políticas dos sucessivos governos. A precarização das relações de trabalho. O debilitamento da regulação contratual. A secundarização no discurso político do objectivo do pleno emprego. O elevado grau de inefectividade das normas. A inserção desfavorável dos jovens no emprego. A discriminação das mulheres trabalhadoras. O enfraquecimento da legislação da protecção do emprego.
Nota final: registe-se que a remuneração MÉDIA de cada um dos nove membros do conselho de administração do Banco Comercial Português (salário fixo+salário variável+fundo de pensões) representou, em 2005, 320.762 (trezentos e vinte mil setecentos e sessenta e dois) euros/mês vezes catorze (ver as fontes e os detalhes em http://ocastendo.blogs.sapo.pt/51071.html). Em 2006 a verba em causa atingiu os 259.214 (duzentos e cinquenta e nove mil duzentos e catorze) euros/mês. Ou seja, 650 SMN. Esta realidade parece não inibir alguns destes administradores de defenderem publicamente a necessidade de contenção dos salários dos trabalhadores portugueses…
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "´Público" - Edição de 6 de Outubro de 2007