Ele há coisas fantásticas…
Ele há coisas fantásticas, não há? Então não é que descobri que podia republicar a Conversa da Treta de 24 de Abril de este ano «Pela boca morre o peixe»? Garanto que só um leitor mais atento descobriria que se passaram mais de 6 meses.
É que a Câmara Municipal de Viseu atacou outra vez! E o meu comentário, desculpem-me os leitores a repetição, não pode deixar de ser o mesmo.
Recordemos o que está em causa e que tantas vezes tem sido levantado, SEMPRE com o mesmo resultado final: a legislação sobre a propaganda comercial aplica-se ou não à propaganda política?
O Artigo 37.º da Constituição da República estipula que «Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.». E que «O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.».
Ao longo dos últimos 25 anos, sempre que é chamado a pronunciar-se sobre este tema, o Tribunal Constitucional (TC) tem-no feito no mesmo sentido. Basta ler os sucessivos acórdãos – nº 74/84, 248/86, 307/88, 636/95, 231/2000, 258/2006. O TC considera, inequivocamente, que em matéria de propaganda política «a regulamentação legislativa é integralmente reservada à Assembleia da República». E «só a Assembleia da República pode proceder à sua restrição, seja qual for o motivo invocado para o fazer.».
Mais diz o TC: «a própria regulamentação de direitos, liberdades e garantias deve ser feita por lei ou com base em lei, não podendo ficar para regulamentos dos órgãos autárquicos mais do que “pormenores de execução”».
O mesmo tem sido, como não podia deixar de o ser, o entendimento da Comissão Nacional de Eleições (CNE).
A Câmara de Viseu sabe-o perfeitamente. Não é por acaso que no Regulamento de Publicidade do Município de Viseu de 2005 logo no seu Artigo 2.º, nº 2, se estipulava que «Exclui-se do âmbito de aplicação deste Regulamento a afixação e inscrição de mensagens de propaganda de natureza política.».
Se a maioria PSD no Executivo Municipal de Viseu tivessem memória, recordar-se-iam do Parecer da CNE a propósito do «Regulamento sobre o Ordenamento da Propaganda Política», aprovado pela Câmara Municipal de Viseu, em Janeiro de 1995.
Disse então a CNE: «A liberdade de propaganda política, tenha ou não cariz eleitoral ou de apelo ao voto, vigora, pois, tanto durante a campanha eleitoral como fora dela e os órgãos executivos autárquicos carecem de competência para regulamentar o exercício da liberdade de propaganda…». E no nº 14 desse parecer: «As deliberações que consubstanciam o “Regulamento do Ordenamento da Propaganda Política” (da Câmara de Viseu) em apreço são materialmente ilegais».
Nem a sentença demolidora do Tribunal da Relação de Coimbra, sobre os dois militantes da JCP (Juventude Comunista Portuguesa) acusados de terem pintado um mural, parece levar o executivo camarário a corrigir a sua actuação.
Nota solta: Tal como escrevi em Abril de 2009, os leitores que me perdoem as inúmeras citações. Mas pelos vistos elas são necessárias porque há sempre quem queira «governar» ao arrepio da Lei…
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In "Jornal do Centro" - Edição de 13 de Novembro de 2009