Agências de quê???...
«No mercado imobiliário, cujos preços têm vindo a subir a níveis demasiado elevados, subsistem riscos de um ajustamento abrupto com consequências de expressão mundial.» (Novembro de 2004).
Quem escreveu esta tese, prevendo e prevenindo a crise financeira, económica, social e política que eclodiu no verão de 2007 e na qual ainda estamos mergulhados? Foi alguma das tão célebres agências de rating, com que a comunicação social dominante nos bombardeia todos os dias? Não. Por mais estranho que isso possa parecer a muitos dos leitores, a origem é a Resolução Política aprovada, em Novembro de 2004, no XVII Congresso do PCP.
Mas o que são e o que fazem as chamadas agências de rating (em inglês é sempre mais in…), em português notação financeira? Segundo as próprias, «o rating é uma opinião sobre a capacidade e vontade de uma entidade vir a cumprir de forma atempada e na íntegra determinadas responsabilidades.»
Nestas coisas, mais que as belas teorias, importa analisar a prática recente destas agências. Lembremo-nos que elas não previram as implicações da crise das subprimes, ou do afundamento do Lehman Brothers e da AIG, ou dos fundos de Bernard Madoff, nem da crise do Dubai. Em 2008 classificaram a Islândia com a notação mais elevado: AAA+. Dois dias depois o governo islandês anunciava ao mundo a sua falência…
Estas agências são contratadas por instituições para avaliarem o risco de outra empresa ou país acerca de sua capacidade de amortização de dívida. Estabelecem assim o spread a aplicar no financiamento. Elas são dependentes, do ponto de vista legal e mesmo financeiro, do governo dos EUA e dos grandes bancos.
Um exemplo prático desta realidade: enquanto está a ler este artigo, a dívida nacional dos EUA é de aproximadamente 12 milhões de milhões (trillion) de dólares (embora cresça tão rapidamente que é difícil estabelecer um número exacto). Se todo o dinheiro na posse de todos os bancos, negócios e indivíduos dos Estados Unidos fosse reunido hoje e entregue ao governo dos EUA, não seria suficiente para liquidar a dívida nacional deste país.
Pois bem, qual a notação de risco atribuída aos EUA pelas referidas agências? Adivinhou. O famoso Triplo A que permite obter empréstimos ao menor custo.
É muito instrutivo constatar como o discurso destas agências evolui subtilmente. Atinge-se por vezes o mais absoluto surrealismo quando se lêem as suas considerações. Há algumas semanas defendia-se a eterna explicação de que a qualidade intrínseca das economias e da gestão dos EUA e do Reino Unido eliminava todo e qualquer risco de incumprimento de pagamentos por parte dos seus respectivos governos. Hoje advertem que a partir de 2010 será preciso demonstrar esta qualidade e estas aptidões de gestão a fim de manterem a sua notação máxima: AAA+.
Isto quando 48 dos 50 Estados que constituem os EUA se declararam publicamente incapazes de cumprir as suas responsabilidades financeiras. A título de exemplo, sublinhe-se que a cessação de pagamento da Califórnia (12% do PIB dos EUA) é infinitamente mais portadora de desestabilização do dólar e da economia americana que a actual crise da Grécia.
É pois fácil de constatar que estas agências não sabem (ou não podem) antecipar este tipo de evolução. Então de onde vem o seu «poder»? Recorde-se que, na sequência da actual crise do sistema financeiro, os Bancos Centrais restringiram as disponibilidades de liquidez ilimitadas e a baixo custo. Ora os bancos são pela natureza da sua actividade, as empresas que mais recorrem ao endividamento. A banca é o primeiro veículo que permite ir buscar dinheiro ao exterior, o que leva a que seja a primeira afectada com os custos do financiamento. É para responder às necessidades de financiamento dos bancos que os Estados devem travar o seu endividamento.
Não é preciso ser bruxo para adivinhar as cenas dos próximos capítulos…
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 02 de Abril de 2010
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