Quando o governo se desmente a si próprio
O Ministério do Trabalho publicou recentemente um extenso estudo intitulado «Emprego, contratação colectiva de trabalho e protecção da mobilidade profissional em Portugal». O objectivo, segundo a ministra do Trabalho, é que ele sirva de base para um «Pacto para o emprego».
Para todos (ou quase) os paladinos do pensamento único uma causa importante da baixa competitividade das empresas e da economia seria o aumento elevado dos salários verificado nos últimos anos em Portugal. Os dados constantes do estudo desmentem esta «teoria». No período 2004/2008 os salários reais aumentaram, em média por ano, 2,2% na União Europeia (UE) a 27, 2% na Alemanha e apenas 0,3% em Portugal. Ou seja, o crescimento dos salários reais na EU a 27 foi 7,3 vezes superior ao registado em Portugal e o da Alemanha 6,8 vezes mais. A confirmar a generalização de baixos salários em Portugal está também o aumento dos trabalhadores que recebem apenas o salário mínimo nacional. Entre 2000 e 2008, passou de 4,1% para 8,7%, ou seja, mais que duplicou.
Acresce que, como já aqui escrevemos, segundo os dados disponíveis do INE, reportados a 2007 (último ano disponível), a taxa de rentabilidade dos capitais próprios das empresas, com excepção do sector financeiro, foi de 10,17%. Isto significa que comparativamente ao ano anterior houve uma melhoria dessa taxa em cerca de 6,6%. Valor esse que supera em muito aquilo que foram os aumentos médios salariais do sector privado da economia. Facto que desmonta a hipócrita teoria de que é preciso primeiro criar riqueza para depois a distribuir.
Outra «tese» muito em voga entre os defensores dos interesses da direita e da direita dos interesses é que «os desempregados não querem trabalhar». E que, por isso, ficam por satisfazer inúmeras ofertas de emprego existentes nos centros de emprego. No período entre 2005 e 2009, registaram-se nos Centros de Emprego 578.019 ofertas de emprego, tendo sido satisfeitas 305.084. Portanto, ficaram por satisfazer 272.935. Estes valores até parecem confirmar a «tese». Só que no estudo em causa não se faz qualquer análise do tipo de emprego que ficou por satisfazer. Será que, como interroga o economista Eugénio Rosa, se pretendeu ocultar a verdade?
Mas mesmo assim lá reconhece que se verifica um «desajustamento entre a oferta e a procura de emprego». E que «pessoas empregadas dos 25 aos 34 anos, detentoras de ensino superior, encontram-se a trabalhar em profissões menos qualificadas. Em 2000, essa percentagem era de 11,3%, em 2009 passou para 18,2%». Naturalmente, a receberem salários muito mais baixos. Basta deslocarmo-nos aos Centros de Emprego e observarmos que a maioria esmagadora das ofertas ou são de baixa qualificação ou são muito mal pagas. O autor destas linhas já descobriu, por exemplo, no próprio site do IEFP várias ofertas de emprego para analistas de sistemas a receberem o salário mínimo (!!!). E o mesmo em outras profissões qualificadas.
Na mesma linha do pensamento económico neoliberal está a «teoria» de que o «subsídio de desemprego em Portugal é muito generoso». E que por isso muitos trabalhadores não se preocupam em arranjar emprego. Só que a realidade desmente esta «teoria». Segundo dados mencionados no estudo do Ministério do Trabalho, em 2008, o número de desempregados que perderam o direito ao subsídio de desemprego por se ter esgotado o prazo de atribuição foi de 60.698. Deste total, ao fim de um ano apenas 24.924, o que corresponde a 41% tinham «pelo menos um mês de contribuições declaradas para a Segurança Social», ou seja, um mês de trabalho no sector formal da economia. A realidade é que há 7 trimestres consecutivos se verifica em Portugal uma destruição líquida de emprego. O emprego líquido destruído já atinge 219.400 pessoas, segundo os dados oficiais divulgados pelo INE.
«Pacto para o emprego» ou para o desemprego?
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 25 de Junho de 2010
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