2.2.40. Com a criação de um sistema de três patamares – sistema de protecção de cidadania, sistema previdencial e sistema complementar –, o Governo PS procedeu a profundas alterações ao sistema de Segurança Social, subvertendo o seu carácter público, universal e solidário, com repercussões especialmente gravosas no ataque ao direito à reforma e a uma pensão digna.
2.2.40.1. O processo de convergência dos regimes de protecção social da Administração Pública com o Sistema Público de Segurança Social que, a partir de 2005, o actual Governo impôs, é responsável por consideráveis retrocessos na protecção social dos trabalhadores, tanto do sector público como do privado.
2.2.40.2. O objectivo de redução das despesas com pensões deu corpo a um conjunto de medidas que reduz o valor das reformas dos trabalhadores em resultado da aplicação do chamado «factor de sustentabilidade» que, dando início a um processo de desvalorização das pensões, representa em 2008 uma redução do valor da pensão de 0,56%, e que atingirá 20% em 2050. Esta redução é ainda mais penalizadora para os baixos salários, em resultado da antecipação da aplicação da nova fórmula de cálculo com base na média ponderada da carreira contributiva. As novas regras para a indexação e actualização das pensões, tendo por base um Indexante de Apoios Sociais (IAS), condicionam injustamente os seus aumentos anuais à taxa da inflação e ao crescimento do PIB. A criação de um regime público de capitalização de contas individuais, a ser financiado por contribuições «voluntárias» dos trabalhadores, representa uma forma artificial de «atenuação» da quebra dos valores das suas pensões e visa o fomento dos fundos privados de pensões.
2.2.40.3. A redução dos direitos dos trabalhadores está patente, ainda, nas alterações ao subsídio de desemprego, responsáveis pelo aumento do número de desempregados excluídos desta prestação social; na destruição da universalidade do direito ao abono de família e na desvalorização do seu valor para milhares de famílias com um ou dois filhos; no estabelecimento da diferenciação do valor do subsídio de maternidade e paternidade para licenças de 120 e 150 dias (de 100% para 80%).
2.2.40.4. A criação de novas prestações sociais, de combate à pobreza entre os idosos e de apoio à maternidade e paternidade, pelo Governo PS, salda-se pelo reduzido alcance social em resultado da imposição de um conjunto de requisitos que são um factor de exclusão dos segmentos da população que delas necessitam.
2.2.40.5. Utilizando o aparelho do Estado para disseminar uma concepção caritativa e assistencialista, o Governo PS avança no processo de privatização da Acção Social e da rede de equipamentos e serviços sociais de apoio à criança, à família, à terceira idade e aos cidadãos com deficiência. Esta opção abre novos caminhos de lucro para o sector privado e transfere para a «organização» dos cidadãos a realização de actividades de prestação de serviços e de solidariedade social. Cresce, assim, o número de associações que inserem a sua acção neste âmbito, a maioria das quais com o estatuto de IPSS.
2.2.41. Intensificaram-se os níveis de exploração e violação sistemáticas dos direitos das mulheres trabalhadoras, designadamente em função da gravidez, da maternidade e do apoio à família, o que contribui de forma decisiva para a perpetuação do «tradicional» ciclo de discriminação que pesa sobre as trabalhadoras, e que se repercute negativamente na vida familiar e na participação na vida social e política.
2.2.41.1. Aumentou a precariedade e o desemprego entre as trabalhadoras de diversas idades e qualificações, ao mesmo tempo que se acentuou a sua desigual distribuição pelas profissões e níveis hierárquicos, acompanhada pela degradação do seu estatuto remuneratório e por profundas desigualdades salariais. O processo de privatização de importantes funções sociais, da responsabilidade do Governo PS, acentuou a desigualdade e a exclusão de acesso a equipamentos sociais de apoio à infância e aos idosos por parte das famílias trabalhadoras de mais baixos rendimentos. Mantém-se a ausência de políticas adequadas de prevenção e apoio às vítimas de violência doméstica.
2.2.42. A política social do Governo PS para a terceira idade caracteriza-se pela imposição de um conjunto de medidas de redução do valor das reformas e pensões, penalizando os actuais e futuros reformados, agravando e aprofundando a injustiça social na política de distribuição dos rendimentos, e trazendo como consequência imediata a acentuação e a extensão da pobreza e a perda do poder de compra, não só dos pensionistas com valor mais baixos, como da generalidade dos reformados do sector privado e dos aposentados da Administração Pública.
2.2.42.1. A privatização dos equipamentos e serviços sociais em detrimento da existência de uma Rede Pública, com o aumento crescente de dificuldades de acesso às valências de apoio domiciliário e de lares por parte dos idosos dependentes e com baixos rendimentos, e a falência de medidas como a criação do Complemento Solidário do Idoso, a par de novas taxas moderadoras e da redução na comparticipação de medicamentos, põem em causa o direito dos idosos à protecção social. O encerramento de serviços públicos, designadamente os de saúde, a desertificação e o envelhecimento de importantes regiões do País, acrescentam novos factores de isolamento, de vulnerabilidade social e de pobreza entre os reformados e idosos.
2.2.43. A forte incidência das desigualdades sociais e da pobreza entre crianças e jovens até aos 18 anos está patente nas situações que, ao longo dos anos, têm vindo a ser sinalizadas pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. Uma realidade inseparável da situação dos agregados familiares correspondentes, 38,2% dos quais com elevada precariedade económica (subsídio de desemprego, rendimento social de inserção, pensões de sobrevivência social ou de invalidez).
2.2.44. A situação das pessoas com deficiência, especialmente vulneráveis às situações de marginalização social, de desemprego e de aumento de preços dos bens e serviços essenciais e das despesas com a saúde, viu-se agravada com a redução de direitos dos trabalhadores deficientes, como é patente na retirada de benefícios fiscais, na redução do valor das suas reformas, nas propostas do Código do Trabalho e nos retrocessos em matéria de reparação por acidentes de trabalho – designadamente com uma nova Tabela de Incapacidades que fragiliza a protecção social dos acidentados de trabalho e favorece as seguradoras.
2.2.45. O agravamento da situação económica e social teve também repercussões graves nos trabalhadores imigrantes, a maioria em situação de maior fragilidade no mercado de trabalho, ocupando muitos deles trabalhos pouco qualificados, de baixos salários, em condições de precariedade e de ausência de direitos, com excessivas cargas horárias.
2.2.45.1. O recurso à mão-de-obra imigrante, barata, mais fragilizada e muitas vezes em situação irregular é, na lógica da exploração capitalista e da obtenção de acrescidas mais-valias, utilizado para pressionar a desvalorização dos salários, aumentar a precariedade e limitar o exercício dos direitos. Vítimas, eles próprios, a exemplo dos restantes trabalhadores, da degradação da situação económica e social e da exploração, os imigrantes são responsáveis por cerca de 5% do PIB nacional, sendo o seu contributo para as contas públicas, através de impostos e taxa, maior que os custos que lhe estão associados fazendo-os por isso contribuintes líquidos para a nossa sociedade.
2.2.45.2. A perspectiva de uma nova vaga de imigração, a concretizarem-se as obras públicas anunciadas para os próximos anos, torna mais urgente o combate às formas ilegais de contratação de trabalhadores imigrantes e às redes de imigração ilegal, o cumprimento da legislação do trabalho por parte do patronato e a extensão progressiva dos direitos políticos dos imigrantes.
2.2.46. O crescimento no número de portugueses que saíram de Portugal entre 2003 e 2006, 18,7% segundo o relatório da OCDE de Junho de 2007, é expressão do agravamento da situação económica e social do País e um desmentido sobre o alegado fim dos fluxos de emigração em consequência da adesão de Portugal à então CEE. Com a acrescida agravante de o aumento da emigração dos últimos anos se realizar em condições de grande precariedade e enorme exploração, onde predomina o trabalho temporário e sazonal.
2.2.46.1. A política de direita desenvolvida ao longo dos anos, e acentuada pelo Governo PS, traduzida no encerramento de consulados e sua entrega à gestão de privados, nas alterações ao regime de contratação de professores na rede do ensino do português no estrangeiro com reflexos negativos na qualidade do ensino, na governamentalização do Conselho das Comunidades, na manutenção da discriminação que atinge os ex-militares emigrantes impedindo-os de ver o tempo de serviço militar contado para efeitos da reforma, na anulação do porte-pago aos órgãos de informação regionais e da emigração, na eliminação das contas «poupança emigrante», vem fragilizando a ligação às suas terras de origem.
2.2.47. A política de habitação do actual Governo, ao serviço dos interesses do grande capital e dominada por uma orientação de favorecimento da especulação imobiliária, confirma e acentua a progressiva desresponsabilização do Estado, que vem pondo em causa o direito à habitação, constitucionalmente consagrado. O capital financeiro a ela associado, esquecendo os problemas de habitação das camadas e classes mais desfavorecidas, onerando desmesuradamente os orçamentos das famílias de médios recursos, forçadas a elevadas taxas de endividamento, põe em risco a indústria da construção civil. Esta política, agora agravada com a publicação pelo actual Governo do Plano Estratégico de Habitação (visando remeter o Estado para um papel subsidiário da dinâmica do mercado de habitação e de mero regulador), é responsável pelo aumento da especulação imobiliária sobre as periferias e o abandono dos núcleos históricos das cidades, pela existência de um excedente de 650 mil fogos, ao mesmo tempo que persistem problemas de sobrealojamento e inabitabilidade, pela imposição do modelo único de habitação própria, com o estrangulamento do mercado de arrendamento.
2.2.48. Na saúde, os últimos anos ficam marcados por uma ofensiva sem precedentes contra o Serviço Nacional de Saúde (SNS), assente em quatro eixos principais: a desresponsabilização do Estado face à sua obrigação constitucional de garantir o acesso aos cuidados de saúde de todos os portugueses em condições de igualdade; o encerramento sistemático de múltiplos serviços de saúde; a transferência para as famílias de uma parte crescente dos custos com a saúde; uma política laboral contra os direitos dos profissionais.
2.2.48.1. A estratégia de degradação da oferta pública de cuidados de saúde e encerramento de serviços (SAP; urgências hospitalares e maternidades), fruto da sintonia entre os governos do PSD/CDS-PP e do PS com os grandes grupos financeiros, que vêem na saúde uma importante área de negócio, tem-se traduzido na redução da capacidade de resposta e no desacreditar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ao mesmo tempo que abre portas à sua privatização.
2.2.49. A política de desresponsabilização do Estado, assente na lógica do «Estado mínimo» e no princípio do utilizador-pagador para garantir a progressiva separação dos papéis de financiador, regulador e prestador, assumindo o Estado os dois primeiros, tem como objectivo delegar em entidades não públicas a prestação de cuidados mediante mecanismos de contratualização ou pela via da privatização de serviços.
2.2.49.1. É neste contexto que se sucedem os licenciamentos para novas unidades privadas de saúde, nomeadamente hospitais, com o Estado a assumir-se como principal cliente, como é o caso dos contratos da ADSE com os novos Hospitais privados e dos projectos de revisão da legislação relativa às Convenções.
2.2.49.2. Uma política desastrosa de formação de profissionais de saúde, particularmente médicos e enfermeiros, e uma política laboral que, no sector público, lhes reduz vencimentos, lhes restringe direitos, lhes aumenta a precariedade e destrói a perspectiva de uma carreira, empurra os médicos para as unidades privadas e os enfermeiros para o desemprego, pondo em causa a própria existência do SNS a curto prazo.
2.2.49.3. Os Cuidados Primários, sector que o Governo mais utilizou na propaganda para esconder as graves insuficiências aí existentes, acabaram por esbarrar na contradição insanável entre os que defendem o seu desenvolvimento no serviço público e aqueles que, entendendo este sector como fundamental para «alimentar» os hospitais privados, apostam na sua privatização.
2.2.50. No contexto político em que a chamada reforma dos Cuidados Primários foi anunciada – marcado pelo ataque mais violento de sempre contra o SNS, sem recursos financeiros, sem profissionais, em particular médicos de família, sem instalações e equipamentos adequados –, a criação de Unidades de Saúde Familiares (USF) mais não é de que um canto de sereia para abrir caminho à privatização dos Cuidados de Saúde Primários. O número, claramente reduzido face às perspectivas iniciais, de USF em funcionamento e a desorganização que em alguns casos tem marcado esse início, são testemunhos do carácter meramente propagandístico da «Reforma».
2.2.50.1. O quadro está claro: de um lado estão os que defendem uma reforma democrática do SNS como garante do acesso em equidade aos cuidados de saúde por parte de todos os portugueses; do outro, os que o querem pura e simplesmente destruir para que desta forma o acesso e a qualidade aos cuidados de saúde fiquem dependentes das regras do mercado.
2.2.51. Apesar de, nos últimos anos, a visibilidade social da toxicodependência ter diminuído – devido às medidas de combate ao consumo da heroína – assiste-se hoje a uma diversificação do tráfico, do tipo de drogas consumidas e dos consumidores.
2.2.51.1. O fenómeno da toxicodependência continua a ser uma realidade profundamente influenciada pela degradação da situação económica e social e que deixa atrás de si um rasto de destruição e desintegração humana e social que, afectando sobretudo as camadas mais jovens da população, tem registado, por via da perpetuação dos consumos, um número crescente de consumidores mais velhos.
2.2.51.2. Apesar do papel assumido pelo SNS através do Instituto da Droga e da Toxicodependência na prevenção, tratamento e combate à toxicodependência, constituem sinais inquietantes: o crescente peso dos interesses privados nesta área; a concentração e redução de serviços públicos; a instabilidade profissional em que se encontram os técnicos e funcionários do IDT; a não aplicação da Lei da Droga por falta de capacidade de resposta e de articulação entre as estruturas do estado; o abandono e falência da componente de reinserção social e do emprego; os cortes orçamentais para esta área.
2.2.51.3. A absorção por parte do IDT da estrutura pública de combate e tratamento do alcoolismo – também este um gravíssimo problema social –, constitui uma medida que, tendo sido sobretudo determinada por critérios economicistas, necessita de ser acompanhada dos meios técnicos e profissionais necessários a um avanço do País nesta área.
2.2.25. Enquanto aumenta o peso da tributação dos trabalhadores nas receitas fiscais, os trabalhadores vêem reduzidos os benefícios fiscais e os escalões do IRS actualizados abaixo do aumento da inflação, o Governo permite a manutenção de taxas efectivas de tributação do sector financeiro dez e mais pontos percentuais abaixo da taxa nominal, e concede 2 mil milhões de euros de benefícios fiscais ao Offshore da Madeira, apoiando e financiando a banca e o sector financeiro e especulativo. Em simultâneo, o PS no Governo, bem como PSD e CDS-PP, recusam a implantação de medidas de efectivo combate à fuga e evasão fiscais e ao branqueamento e fuga de capitais.
2.2.26. A política de investimento está há muitos anos aquém das necessidades quantitativas e qualitativas da nossa economia. Desde 1997 o investimento público vem perdendo peso no investimento total, atingindo o mínimo histórico em 30 anos de 2,3 % do PIB, em 2007, deixando de assumir um papel dinamizador da economia, especialmente necessário em momentos de crise económica, como os vividos nos últimos anos. Mantém-se uma manifesta insuficiência do investimento privado. Os fundos comunitários, correspondentes aos três primeiros quadros comunitários, atingiram o valor de cerca de 56 mil milhões de euros, mas com uma muito reduzida eficácia em termos estruturantes, inclusive na reprodução do mapa assimétrico do investimento público. O investimento directo estrangeiro, IDE, assumiu um papel quantitativo significativo, Em sentido contrário a este e ao das reais necessidades nacionais, aparece, a partir de meados da década de 90, uma nova orientação estratégica do grande capital nacional, que é a do investimento directo português no estrangeiro, IDPE, o qual atingiu a soma de 90 mil milhões de euros a preços correntes, entre 1997 e 2005.
2.2.27. As políticas de sucessivos governos transformaram o capital estrangeiro no elemento central do desenvolvimento do País, pelo que tem vindo a ocupar de forma crescente importantes e estratégicos espaços na economia portuguesa, quer através do processo de privatizações, de associação do capital nacional ao grande capital internacional, ou da livre circulação de capitais decorrente do processo comunitário da UEM que facilitou extremamente as aquisições de activos em Portugal. O investimento estrangeiro, que pode constituir um elemento de desenvolvimento em função da sua dimensão, condições e actividades, representa na sua maioria uma ameaça de deslocalização, com toda a chantagem e ofensiva que lhe estão associadas, relativas aos salários, horários de trabalho e direitos dos trabalhadores, uma opção por actividades de baixa incorporação tecnológica e baixo valor acrescentado como também é responsável pela crescente saída de rendimentos para o exterior, pela transferência de lucros, não cuidando de reinvestimentos, e baixando de forma relevante o rendimento nacional disponível. Absorveu ainda parte muito significativa dos fundos comunitários e dos apoios públicos.
2.2.28. O modelo de desenvolvimento determinado por políticas e opções de direita contribuiu para comprometer a coesão territorial e social. As políticas seguidas têm tido como consequência no ordenamento do território a consolidação de um modelo marcado por acentuadas assimetrias e desequilíbrios regionais, de uma integração territorial subalterna no quadro ibérico e pelo favorecimento da grande especulação imobiliária.
2.2.29. A política de ambiente, gestão de recursos naturais e ordenamento do território promovida pelos sucessivos governos, e agora agravada pelo Governo PS, é a da entrega e submissão aos grandes interesses privados, que orbitam em torno da especulação imobiliária, da exploração turística e da distribuição de água e recursos energéticos.
2.2.29.1. A mercantilização da água, configurada na lei aprovada em 2005 por PS, PSD e CDS/PP, avança aceleradamente. A estratégia com vista à entrega da captação e distribuição de águas e saneamento de águas residuais a empresas privadas conhece, com o actual Governo, novos desenvolvimentos com a implementação do Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais (PEAASAR II), a pressão para a alienação por parte dos municípios da distribuição «em Baixa» e a anunciada privatização da empresa Águas de Portugal, já detentora de grande parte dos sistemas de distribuição. A privatização destes sistemas não só transforma o direito universal à água em mercadoria, como retira às populações e ao poder local qualquer possibilidade de intervenção democrática na sua gestão.
2.2.29.2. A consagração legal de processos que possibilitam contornar de forma expedita os instrumentos de ordenamento do território em função da dimensão do investimento, através dos chamados Projectos de Interesse Nacional (PIN), é parte de uma estratégia cujo objectivo é o de colocar o território nacional, incluindo as suas riquezas naturais e paisagísticas, à disposição do grande capital e das suas estratégias, independentemente das consequências negativas para o desenvolvimento integrado do País.
2.2.29.3. Numa linha de desresponsabilização crescente do Estado em matéria de preservação da natureza, esta é cada vez mais relegada para o nível do negócio, onde se insere também a mercantilização da biodiversidade, com a entrega da gestão das áreas protegidas a grupos privados e a implantação de empreendimentos imobiliários/turísticos de grande envergadura no interior de Parques, Reservas e Paisagens Protegidas. A ocupação por grandes empreendimentos isolados sem interacção económica com o tecido natural e social em que se inserem, contribui, ao contrário do que a propaganda do Governo quer fazer crer, para o abandono da terra pelas populações locais, com maior intensidade nas áreas protegidas, e para o acentuar do processo de desertificação de vastas áreas do interior do País.
2.2.30. A evolução da situação no plano social fica marcada nos últimos anos, em resultado do prosseguimento e aprofundamento da política de direita por parte do Governo PS, por um extraordinário agravamento.
2.2.31. A acção do Governo PS e da sua maioria parlamentar – assumindo com o apoio do PSD e CDS-PP as exigências do grande capital —–, deu novos e graves passos no sentido da destruição de direitos conquistados pelos trabalhadores e o povo português.
2.2.31.1. O Sistema Público de Ensino, a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde sofreram nestes últimos anos uma das maiores ofensivas de sempre. Conquistas universais e civilizacionais no plano social são, pela mão do actual Governo e na linha de políticas prosseguidas por executivos anteriores, objecto de tentativas liquidatárias.
2.2.32. A revisão do Código do Trabalho, ao arrepio dos compromissos anteriormente assumidos pelo PS quando da aprovação pelo governo PSD/CDS-PP, no sentido de rever as normas mais gravosas do Código da responsabilidade de Bagão Félix, constitui um passo adiante na fragilização das relações de trabalho e na criação de condições para o aumento da exploração.
2.2.32.1. Aprofundar a flexibilização e a desregulação das relações laborais, liquidar a contratação colectiva, enfraquecer os sindicatos, reduzir garantias dos trabalhadores e reforçar o poder discricionário dos patrões, constituem as principais linhas de alteração ao Código do Trabalho contidas na proposta do Governo PS.
2.2.32.2. Com a sua proposta de alteração ao Código do Trabalho o Governo tem em vista facilitar os despedimentos, legalizar a precariedade laboral que atinge hoje mais de um milhão de trabalhadores e liquidar, a pretexto de simplificar o regime de caducidade das convenções colectivas, a importante conquista que a contratação colectiva representa. A eliminação do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador constitui um grave retrocesso no Direito do Trabalho e na relação entre trabalho e capital. O tempo de trabalho, pedra angular da exploração, e a histórica conquista do horário de trabalho das 8 horas diárias e 40 semanais são hoje postos em causa através de alterações ao código que possibilitam a imposição pelo patronato de horários de trabalho que podem ir até às 12 horas diárias e 60 horas semanais, sem o pagamento de trabalho suplementar.
2.2.33. De forma articulada e simultânea, o Governo desenvolve uma fortíssima ofensiva legislativa contra trabalhadores da Administração Pública, destinada a retirar direitos e a fragilizar as relações de trabalho. O Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, dando corpo à inconstitucional lei dos vínculos, carreiras e remunerações, materializa o fim do vinculo público de emprego para milhares de trabalhadores e introduz o conceito de inadaptação, que cruzado com o SIADAP, consagra critérios de discricionariedade e arbitrariedade conducentes ao despedimento . A mobilidade especial, a alteração conceptual de quadros de pessoal para mapas de pessoal, a fixação de objectivos por serviço, a introdução do princípio da dependência orçamental do serviço para a definição anual do número de trabalhadores necessários ou possíveis, bem com a dependência das promoções face ao orçamento, constituem elementos, a par do Sistema integrado de Avaliação, do Estatuto Disciplinar e da Lei dos Vínculos Carreiras e Remunerações, de um processo mais vasto.
2.2.33.1. A teia legislativa urdida contra os trabalhadores da administração pública, além da sua natureza intimidatória, não é separável do processo de ataque às funções sociais do Estado e da inerente degradação da sua prestação, nem da crescente partidarização e submissão da administração pública aos interesses do grande capital. As campanhas contra a administração pública e a sua dimensão tentam ignorar, deliberadamente, que a sua configuração está directamente associada aos direitos conquistados e que o número de trabalhadores ao seu serviço e a extensão da sua desconcentrarão territorial são expressão da profunda transformação democrática resultante das conquistas sociais e económicas.
2.2.34. O aprofundamento da política de direita acentuou as desigualdades. Aumentou o fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, sendo o rendimento dos 20% mais ricos, em 2005, mais de oito vezes superior ao dos mais pobres. Cerca de 18% da população portuguesa vive abaixo do limiar da pobreza, 20% das crianças e jovens até aos 17 anos vivem abaixo do limiar da pobreza, assim como 25% dos portugueses com mais de 65 anos. Quase três milhões de portugueses vivem com menos de 10 euros por dia e mais de 230 mil com menos de 5 euros. Segundo um estudo recente sobre a pobreza, 40% dos pobres são trabalhadores por conta própria ou por conta de outrém, confirmando o empobrecimento acentuado dos que vivem dos rendimentos do trabalho.
2.2.35. Enquanto aumenta o custo de vida e as taxas de juro à habitação atingem os valores mais altos dos últimos anos, os salários degradam-se (afastando-se cada vez mais da média da União Europeia), o endividamento familiar atinge níveis incomportáveis, o nível de vida da maioria da população portuguesa baixa aceleradamente.
2.2.36. A evolução dos salários, do emprego e do desemprego nos últimos anos explica a razão porque Portugal é um dos países com maiores desequilíbrios na distribuição dos rendimentos. Os salários continuam em perda contínua: em 2006, num país que detém um valor médio dos salários abaixo de metade da média europeia, e a divergir desde 2000 face ao ordenado médio da OCDE, o salário médio real caiu 2,6% (enquanto na OCDE cresceu 1,3%), sendo agora o quarto país com menor poder de compra. A que se acrescenta o facto de o salário mínimo nacional ser o mais baixo da UE a 15. A distribuição da riqueza produzida situa-se em cerca de 60% para o capital e 40% para o trabalho (dados de 2005), quando em 1975 chegou a ser o inverso.
2.2.37. Os níveis de desemprego, os mais elevados das duas últimas décadas, atingindo cerca de seiscentos mil trabalhadores, correspondem a uma taxa de 8% em sentido restrito e de 10,5% em sentido lato. Verifica-se uma acentuada destruição de empregos qualificados e de vínculos efectivos, e uma elevada incidência do desemprego de longa duração (que, em sentido contrário ao dos países da OCDE, tem vindo a agravar-se, tendo a taxa dos que procuravam emprego há mais de 12 meses passado de 43,2%, em 2004, para 47,3% em 2007), dos jovens e mulheres. O desemprego absorveu quase na totalidade o crescimento registado na população activa. A protecção no desemprego foi significativamente reduzida e os desempregados afectados na sua dignidade.
2.2.38. O emprego tornou-se mais vulnerável e inseguro em resultado das opções da política económica e social do Governo PS. A qualidade do emprego degradou-se e o trabalho sem direitos tornou-se uma realidade estrutural na sociedade portuguesa. A precariedade – para a qual as empresas de trabalho temporário deram um importante contributo – transformou-se em política de Estado afectando cerca de um milhão e duzentos mil trabalhadores.
2.2.38.1. O desrespeito pelas leis laborais, o emprego precário, a economia paralela e o falso trabalho independente representam as principais formas de desregulamentação do trabalho no nosso País.
2.2.39. Em resultado da política seguida por sucessivos governos, a situação da juventude viu-se particularmente agravada com a acção do actual Governo. O agravamento da precariedade e do desemprego, com particular incidência nas camadas mais jovens (14,3% nos trabalhadores até aos 24 anos), as alterações na educação, designadamente com o aumento das propinas e a elitização do ensino e o ataque à escola pública, os cortes a uma política de incentivo ao arrendamento jovem, comprometendo ainda mais o acesso à habitação, são algumas das expressões de uma política que consagrou a instabilidade, a incerteza e as dificuldades na vida de milhares de jovens comprometendo o seu futuro e o direito a uma vida digna.
2.2.39.1. Uma situação extensível ao conjunto de novas gerações de trabalhadores que, perante a insegurança de emprego e as elevadas cargas horárias, os baixos salários, os constantes e incomportáveis aumentos das taxas de juro nos empréstimos para aquisição de habitação, a falta de apoio social, designadamente de equipamentos de apoio à infância, vêem dificultado, ou mesmo comprometido, o seu objectivo de começar a vida activa, ganhar autonomia e independência financeira, constituir família.
2.2.12. No sentido tradicional do «mais Estado» está o desenvolvimento do papel instrumental do Estado, através da reforçada ligação entre o poder político e o poder económico, ao serviço do favorecimento e financiamento públicos da acumulação, concentração e centralização aceleradas do capital privado, com a recomposição dos grandes grupos económicos privados.
2.2.12.1. Adoptando e adaptando o Estado às teses neoliberais do grande capital – o «menos Estado», a «maior eficiência da gestão privada», o Estado regulador e não produtor – a política de direita, apoiada nas orientações comunitárias, concretiza as privatizações, liberaliza o mercado de trabalho, promove a transferência de fundos comunitários para o grande capital e permite o papel predador do sector financeiro junto das micro, pequenas e médias empresas, do sector produtivo e da generalidade dos cidadãos, proporcionando lucros obscenos e o crescimento exponencial dos patrimónios mobiliário e imobiliário.
2.2.13. Na reorganização e redefinição das funções do Estado destaca-se na actualidade, como conceito nuclear, o das chamadas «entidades reguladoras» e a teoria, que lhe está associada, da separação das funções de prestação das de regulação, usada para justificar a progressiva retirada dos serviços públicos da prestação de serviços e intervenção em áreas essenciais. A entrega da regulação a essas entidades administrativas especiais – as entidades reguladoras – alheias elas próprias aos serviços públicos, que intervêm de facto no sentido do favorecimento da monopolização das actividades que deviam regular.
2.2.14. A tese sobre um Estado regulador visa iludir o papel do Estado enquanto instrumento que impõe, no quadro do capitalismo, a manutenção e aprofundamento das relações de produção baseadas na exploração. A ideia de um Estado e de um poder acima da vida económica e sem vocação económica, supostamente confinado a um papel de mediador de conflitos nos casos em que o mercado se revelasse incapaz de assegurar a harmonia das relações económicas, visa iludir a natureza de um poder político inteiramente subordinado e ao serviço do poder económico. A ideia de uma regulação atribuída a entidades apresentadas como «independentes», visa iludir a missão que lhes está atribuída de garantir a gestão dos interesses e dos ganhos dos grandes grupos económicos que operam nas áreas que regulam.
2.2.15. O agravamento da situação económica geral do País, e a própria deterioração da posição de Portugal no contexto dos países da União Europeia, em particular da divergência real medida pela evolução do PIB per capita, é a resultante consistente das políticas económicas e sociais ao longo dos últimos trinta e dois anos. E muito em particular das opções pela inserção internacional e integração comunitária descrita; das políticas de reconstituição dos grupos económicos monopolistas e destruição do sector empresarial do Estado, da destruição dos sectores produtivos por contraponto à financeirização da economia nacional; do lugar estratégico concedido ao capital estrangeiro; das políticas de subestimação do papel nuclear da educação, da cultura e do I&D para uma mão-de-obra qualificada; das políticas de restrições orçamentais e de desvio do investimento de objectivos estratégicos e nacionais (designadamente a má utilização de três Quadros Comunitários de Apoio); e das políticas que acentuaram o défice energético com uma elevada dependência dos combustíveis fósseis.
2.2.16. Os resultados de trinta e dois anos de política de direita traduziram-se numa economia caracterizada pela consolidação de uma estrutura produtiva de reduzida composição orgânica do capital e um perfil produtivo de baixo valor acrescentado, assente na exploração de mão-de-obra barata e precária e dos recursos naturais do País.
2.2.17. Na avaliação da estrutura económica produtiva podem destacar-se, de forma sumária, um sector primário – agricultura, pescas, indústria extractiva – que se confronta com uma crise profunda e uma continuada redução da capacidade produtiva no caso das duas primeiras, agravando a dependência externa do País face a matérias-primas essenciais, ao mesmo tempo que não se aproveitam os recursos naturais existentes ou se dá ao capital estrangeiro a sua exploração.
2.2.17.1. O sector agrícola foi profundamente afectado na sua capacidade produtiva, limitado nas suas potencialidades de expansão decorrentes dos constrangimentos da Política Agrícola Comum e da falta de um plano estratégico nacional de desenvolvimento do sector, encontrando-se a braços com uma profunda crise económica e social traduzida num aumento da dependência alimentar, com um défice da balança agrícola que ronda os 80%, pondo em causa a soberania alimentar.
2.2.17.2. Nos campos da grande propriedade do Sul (Alentejo e Ribatejo), a destruição da Reforma Agrária, a consequente reconstituição da propriedade latifundiária, a PAC e as políticas agrícolas de direita no País, determinaram a coexistência da manutenção de grandes explorações com terras incultas ou subaproveitadas, a par de um surto de capitalismo agrário, dinamizado em grande medida por capital estrangeiro, centrado em algumas produções, e de uma significativa pressão sobre o uso da terra para projectos de agroturismo e especulação imobiliária. Na zona do minifúndio do Norte e centro crescem a liquidação de pequenas e médias explorações agrícolas, o abandono dos campos e a desertificação do mundo rural, resultado da perda de rendimento agrícola, fruto das dificuldades de escoamento dos produtos e do aumento dos custos de produção.
2.2.17.3. O sector das pescas sofreu uma evolução semelhante, face à ausência de uma política de defesa do sector a nível nacional e os condicionalismos impostos pela Política Comum de Pescas. Nos últimos 20 anos verificou-se um aumento do défice comercial ao nível dos produtos da pescas, que ronda hoje os 70%. A dificuldade de manter preços de primeira venda, conjugada com o aumento dos custos de produção, nomeadamente dos combustíveis, tem provocado uma perda de rentabilidade do sector,
gravando a situação económica e social das regiões costeiras dependentes da pesca.
2.2.17.4. O domínio completo do sector mineiro pelo capital estrangeiro e a ausência de transformação no País, mantém a sua grande vulnerabilidade e dependência dos mercados externos. Nas rochas ornamentais e industriais, a valorização nacional continua igualmente muito reduzida e insuficiente.
2.2.18. No sector secundário, depois da liquidação ou redução de sectores como o siderúrgico, naval, metalomecânico ou químico, predomina um tecido industrial constituído em grande parte por empresas tecnologicamente atrasadas e por uma significativa presença da chamada economia paralela ou informal.
2.2.18.1. A presença significativa da indústria automóvel e de alguns outros subsectores, e os seus efeitos indutores na indústria de componentes, não compensou os aspectos negativos assinalados e agrava traços de dependência de um único sector em várias regiões do País. É preocupante o início de encerramentos e deslocalizações na fileira. Na construção civil e obras públicas verificou-se uma evolução contraditória com uma brutal sobreprodução na habitação de fogos novos, uma muito insuficiente ou nula reabilitação de habitação antiga e um desenvolvimento reduzido das obras públicas.
2.2.19. O sector terciário tem tido um elevado crescimento nas últimas décadas. Sob o ponto de vista qualitativo são de destacar as profundas alterações nos dois últimos decénios, com o crescimento explosivo dos novos formatos comerciais, onde avultam as grandes superfícies (hipermercados e supermercados) e a redução brutal do pequeno comércio. A actividade imobiliária – fortemente penetrada pelo sector bancário e os fundos de investimento, sujeita a movimentos especulativos e processos de lavagem de dinheiro – teve, a partir de meados da década de 90, um grande e anormal desenvolvimento, com implicações directas na política de habitação. Os designados serviços prestados às empresas incluem um amplo e diversificado conjunto de actividades – com origem muitas delas em processos de reestruturação empresarial com externalização de serviços – com uma forte contribuição para a precariedade laboral. No turismo, sector que conheceu índices de crescimento significativos na última década, assiste-se a uma concentração ditada pela crescente penetração e domínio do capital financeiro e de grupos económicos.
2.2.19.1. O sector financeiro – coração dos principais grupos monopolistas portugueses e um lugar estratégico do capital transnacional –, que funciona como centro de acumulação e de distribuição de capital, através da transferência de riqueza do sector produtivo e das pequenas empresas, e bem assim das poupanças e das pensões de reforma, vem assumindo preponderância crescente no processo económico, o que lhe permite apropriar-se de uma parcela crescente da mais-valia, seja por via do crédito concedido, seja por via dos dividendos resultantes da sua participação no capital de empresas produtivas, ou da cobrança de taxas e comissões sobre os depósitos e as várias operações bancárias, tanto das empresas como dos trabalhadores.
2.2.20. Os principais défices estruturais do País são de insuficiente produção material – bens alimentares e industriais – energética, de transportes e logística e de I&D, com consequências no galopante endividamento externo.
2.2.20.1. A dependência de bens materiais agravou-se nos últimos anos. A balança de bens agravou-se 36% entre 2003 e 2007. A dependência alimentar, medida no desequilíbrio da balança de bens agroalimentares, agravou-se 11,9%. Manteve-se um forte défice energético e a forte dependência do petróleo e outros combustíveis fósseis. Um défice que resulta da ausência de medidas de racionalização do uso da energia, e em particular na política de transportes, e do insuficiente investimento na produção das energias endógenas, renováveis e limpas. Manteve-se igualmente um persistente défice da estrutura de transportes e logística, resultado de políticas e medidas sujeitas ao objectivo de total privatização e liberalização do sector, e total subordinação aos interesses do grande capital. A actividade de I&D, a investigação cientifica e o desenvolvimento de produtos e serviços, apesar da existência de importantes pólos, bem como actividades conexas de carácter científico e técnico, permanecem a níveis insignificantes e marginais. Mantêm-se reduzidos níveis de formação científica e técnica dos sistemas de ensino e formação profissional, a liquidação de múltiplas actividades produtivas, algumas das quais de sectores de tecnologia avançada e o baixo nível de integração do conhecimento cientifico na actividade económica.
2.2.21. Em Portugal coexistem várias formações económicas com dinâmicas diversas e contraditórias, no quadro determinante do desenvolvimento do capitalismo monopolista: o sector público empresarial viu diminuído drasticamente o seu peso, as empresas privadas alargaram fortemente o domínio e presença, as empresas de capital estrangeiro ganharam relevo e protagonismo. A estrutura empresarial da economia portuguesa é dominada por micro e pequenas empresas – em 2006, 99,4% do total de empresas, 49,1% do volume de negócios e 62,2% do emprego; o sector público tem ainda algumas grandes e médias empresas onde se verifica a presença, por vezes muito significativa, de capitais públicos – cerca de 110 empresas – onde se incluem algumas com o estatuto de empresas públicas ou equiparadas; o sector cooperativo e social tem um peso económico e social significativo (4,2% do PIB e 175 mil trabalhadores), destacando-se o sector agrícola (em especial o leiteiro e o vitivinícola), a habitação, o consumo e o apoio social.
2.2.22. As políticas económicas de direita de sucessivos governos do PS e PSD assumiram uma identidade que vai muito para além de simples proximidade ou semelhanças traduzidas em acordos parlamentares ou pactos em torno de certas matérias. Porque é uma identidade fundada em idênticos princípios, objectivos e práticas governamentais, tendo por base o capitalismo e por enquadramento a integração capitalista europeia. Essa identidade, que a retórica de oposição mal disfarça, tem expressão concreta num importante conjunto de políticas governamentais, como Orçamentos do Estado, política fiscal, privatizações e liberalizações, políticas de emprego, políticas de investimento.
2.2.23. A política orçamental tem sido assumida como um instrumento basilar dos sucessivos governos no prosseguimento de objectivos centrais da política de direita, entre os quais a reconfiguração neoliberal do Estado. As imposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento (aprovadas e apoiadas por PS,PSD e CDS/PP) têm sido usadas para, ano após ano, reduzirem o peso das despesas de carácter social, o financiamento das estruturas do Estado e para penalizarem, por via do agravamento dos imposto e taxas cobradas, os trabalhadores e as pequenas e médias empresas, enquanto promovem a transferência de fundos públicos e garantem vultuosos benefícios fiscais para o grande capital nacional e estrangeiro.
2.2.24. A política de privatizações vem expulsando o Estado da esfera empresarial tanto da produção de bens materiais como de serviços essenciais ao desenvolvimento económico do País.
2.2.24.1. O Governo PS/Sócrates demonstra ser um bom executante dessa política, quer pelas privatizações já realizadas (PORTUCEL, EDP, GALP, Siderurgia, EDA) quer pelas que já anunciou, algumas disfarçadas de «concessões» (ANA, Estradas de Portugal, E.P., Águas de Portugal, Matas Nacionais). Com o estrito objectivo de obtenção de receitas para redução da Dívida Pública e reforço de grupos monopolistas, sendo de destacar a entrega da GALP ao Grupo Amorim, a sua concretização não tem qualquer justificação económica ou de interesse público. Estas decisões assumem particular gravidade dada a natureza dos bens e serviços produzidos pelas empresas privatizadas, o reforço de estruturas monopolistas privadas na economia nacional (algumas são monopólios «naturais») e o seu papel estruturante no ordenamento do território (REN, ANA, EP) ou estratégico na economia (caso da PORTUCEL na fileira florestal, agora agravada com a possível entrega da gestão de matas nacionais, como o Pinhal de Leiria). Fica igualmente demonstrada, através da evolução das alterações estatutárias das formas societárias e faseamento das privatizações das empresas públicas, a fraude política da argumentação de sucessivos governos que, sempre assegurando a garantia da presença e comando do Estado, acabam por as entregar total e definitivamente ao capital privado e grandes grupos económicos.
2.2.1. O enquadramento da situação económica nacional é inseparável da fase actual do desenvolvimento do capitalismo, com os seus principais traços, tendências e contradições.
2.2.2. As relações económicas externas do País – fluxos de capitais, mercadorias, bens e serviços, e posições nas estruturas de regulação económica mundial – passaram a ser crescentemente condicionadas pela integração comunitária e também por outros centros de articulação supranacional do imperialismo. Condicionamento reforçado pela colaboração activa de sucessivos governos do PSD e PS, com uma evolução da União Europeia que conflitua com o necessário desenvolvimento do País, na completa submissão às orientações económicas comunitárias e na total abdicação e ausência de afirmação de uma estratégia de defesa dos interesses e soberania nacionais.
2.2.2.1. Três vectores no actual quadro comunitário conflituam de forma cada vez mais determinante com a economia nacional e o próprio futuro do País, a sua independência e soberania nacionais: o acentuar da configuração federal sob o comando político e económico das grandes potências; a consolidação da zona euro e da sua gestão pelo BCE; e o domínio das teses e orientações neoliberais estruturantes da Estratégia de Lisboa. A que deverá acrescentar-se uma acentuada dependência estrutural externa, bem patente no elevado endividamento liquido externo (90% do PIB em 2007), e a vulnerabilidade da economia face a centros de decisão estrangeiros/capital transnacional – significativa subcontratação, um terço da estrutura accionista das empresas nacionais detida por capital estrangeiro, com uma forte presença em empresas e sectores estratégicos (EDP, 48%, PT, 64%, GALP, 50%, CIMPOR, 30%, BCP, 36% e outras, como a BRISA, SEMAPA, BES, BPI, SOMAGUE).
2.2.2.2. O crescente federalismo das instituições comunitárias reduz, ou mesmo anula, a capacidade para influenciar a condução das políticas económicas por parte dos países como Portugal, como sucede no comércio externo da União Europeia, nomeadamente na OMC em torno da agricultura e do sector têxtil.
2.2.2.3. A União Económica e Monetária (UEM), com a perda das políticas monetária e cambial, com as limitações impostas à política orçamental, pela sua submissão aos critérios de convergência nominal no Pacto de Estabilidade, a estrita política monetarista levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) por um euro fortemente valorizado e a gestão da taxa de juro nessa óptica, e com o objectivo máximo da estabilidade dos preços/salários, transformaram-se num insuperável constrangimento para uma economia com as debilidades da portuguesa.
2.2.2.4. A última versão da «Estratégia de Lisboa», reforçando os seus fundamentos neoliberais de privatização e liberalização de serviços públicos, sectores estratégicos e do mercado de trabalho, a negociação da agenda neoliberal da OMC e de vários tratados comerciais bilaterais pela União Europeia e, em geral, as orientações respeitantes à Política Agrícola Comum (PAC) e Política Comum das Pescas (PCP), ampliam os problemas e fragilidades da economia nacional e acentuam a sua dependência e défices estruturais.
2.2.3. O processo de alargamento da União Europeia, já realizado ou em curso, a países com uma mão-de-obra mais barata e mais qualificada, veio reforçar a falência da estratégia de sucessivos governos de fazer de Portugal localização privilegiada de unidades de trabalho intensivo e baixos salários. Um processo que se adiciona e converge com outras políticas comunitárias para uma divisão do trabalho no espaço europeu altamente desvantajosa para o País, com crescente e negativo impacto na economia nacional. A deslocalização de empresas do sector produtivo, acompanhada crescentemente pela deslocalização de serviços, causam não só graves problemas sociais (desemprego, encargos para a segurança social), como tem contribuído para a perda de importantes unidades produtivas.
2.2.4. Esta situação, para além de criar sérios constrangimentos ao desenvolvimento económico do País – em particular pela extrema dependência externa da economia nacional e pela condução, através de órgãos comunitários ou entidades ditas independentes, como o BCE, de importantes políticas (agrícola, pescas e outras) que defendem interesses e objectivos das grandes potências europeias e do grande capital europeu –, estabelece a perda ou limitações drásticas, no âmbito do uso de importantes instrumentos económicos como a moeda, a taxa de câmbio, as taxas de juro, a gestão orçamental e o comércio externo.
2.2.4.1. Estes condicionamentos e limitações exigem a afirmação clara e inequívoca da soberania nacional como princípio inalienável da inserção e relacionamento de Portugal na Europa e no Mundo, nomeadamente na reconsideração do enquadramento e integração da economia portuguesa no âmbito da UE e suas determinações.
2.2.5. A sociedade portuguesa tem hoje uma estrutura económico-social determinada pela ditadura dos grupos económicos monopolistas associados ao capital transnacional. Uma poderosa oligarquia financeira (associada a outros sectores da grande burguesia portuguesa e estrangeira) assegura, através da titularidade desses grupos a continuidade, reprodução e expansão do seu poder político, económico, social e ideológico, exercendo o que configura um autêntico poder totalitário sobre a generalidade das outras camadas sociais e sob diversos ângulos. Estruturados e representados por grupos familiares velhos conhecidos (que suportaram e apoiaram a ditadura fascista) ou que despontaram com a contra-revolução, tecem entre si, e com o capital estrangeiro, uma densa rede de ligações económicas e financeiras, sociais e políticas.
2.2.5.1. Trinta e quatro anos depois das transformações revolucionárias de Abril, esse conjunto de grupos económicos, resultante da política de recuperação capitalista e monopolista, tem um papel dominante e determinante no quadro das relações de produção capitalista da sociedade portuguesa.
2.2.6. Existem em Portugal 139 grandes grupos económicos, 77,6% dos quais criados nos últimos 18 anos, em resultado directo do processo de privatização e consequente restauração dos grandes grupos monopolistas. As operações de privatização efectuadas nas duas últimas décadas pelos vários governos fizeram regressar às mãos do sector privado, em condições altamente vantajosas, sectores estratégicos como a Banca, Seguros, Energia, Telecomunicações, Transportes Colectivos Rodoviários, Cimentos, Pasta de Papel e Sector Químico. Sucessivos aumentos de capital reforçaram a presença do grande capital nacional e abriram portas a capital estrangeiro.
2.2.6.1. A análise dos maiores Grupos Económicos Nacionais no final de 2005, mostra-nos que dos doze grupos com lucros mais elevados, com um valor superior a 250 milhões de euros, apenas dois se encontram ligados predominantemente à actividade produtiva (cimentos – Cimpor e papel – Semapa). Este conjunto de Grupos Económicos, ao mesmo tempo que a nossa economia crescia a um ritmo médio de apenas 1,3% entre 2004 e 2007, viu os seus lucros aumentarem de 75%, atingindo os 6,8 mil milhões de euros – 4,2% do PIB.
2.2.6.2. A evolução tão díspar entre os grandes grupos económicos e o restante tecido produtivo nacional, espelha uma das características mais marcantes da evolução da nossa economia nos últimos anos, o seu carácter dual – enquanto o sector produtivo fornecedor dos chamados bens transaccionáveis vem evoluindo a ritmos de crescimento muito baixos, próximos de zero, o sector dos bens não transaccionáveis – financeiro, energia, imobiliário, telecomunicações, serviços – cresce a ritmos elevados e reproduz lucros sobre lucros.
2.2.6.3. Com um poder fortemente monopolista sobre um conjunto de sectores e áreas estratégicas para o País e para o restante tecido económico, e particularmente activos nas operações de privatização do que resta do Sector Empresarial do Estado, estes grupos vêem reforçada esta natureza monopolista, quer pela destruição e absorção de concorrentes nacionais, quer por associações em que cruzam participações e/ou repartição de mercados e concertação de preços, quer pela aliança privilegiada com poderosas transnacionais.
2.2.6.4. É também significativo a sua profunda articulação com o capital transnacional, através da posse de grande parte dos activos – em muitos casos superior a 50% da estrutura accionista – dos grandes grupos económicos nacionais por parte de capitais estrangeiros. Uma situação que é insustentável, já que coloca a economia portuguesa nas mãos dos capitais externos e, no limite, põe em causa a soberania nacional.
2.2.7. A extraordinária dimensão e poder económico actual destes grupos capitalistas e monopolistas consolida-se e desenvolve-se em permanente articulação, cumplicidade e promiscuidade com o poder político e os partidos – PS, PSD e CDS-PP – que o exercem desde 1976. O poder económico remunera-se através dos dividendos, lucros e vencimentos fabulosos dos seus representantes, o poder político através dos vencimentos e privilégios da sua clientela e dos negócios que a sua presença na administração desses grupos, conjugada com o poder político que detêm, lhes vão proporcionando.
2.2.7.1. O domínio crescente do poder económico (nacional e transnacional) explica a ampla produção legislativa da Assembleia da República e dos governos, destinada a consagrar opções favoráveis a esses interesses de classe, designadamente através do desequilíbrio a favor do grande patronato, das relações laborais e níveis salariais, da condução das políticas orçamental e fiscal, do favorecimento dos mecanismos de transferência de rendimento e mercados dos micro, pequenos e médios empresários para esses grupos, e da apropriação de património e mercados públicos, com as privatizações e liberalizações feitas à medida das capacidades de encaixe desses grupos.
2.2.8. A generalidade dos grandes grupos económicos possui hoje incomensuráveis capacidades e instrumentos para o exercício de um efectivo poder ideológico, através de meios para a produção e transmissão, directa e indirecta, da ideologia dominante. É particularmente significativa a sua posição no sector dos media, onde alguns grupos – Cofina, Impresa, Controlinvest, Sonae Com, Impala – absorveram mais de uma centena dos principais órgãos de comunicação social, com influência decisiva na formação e condicionamento da opinião e dos comportamentos dos portugueses. O recente e crescente domínio por estes grupos do sector editorial, as suas acções de promotores e mecenato no campo das artes e a sua articulação multifacetada com estruturas do ensino (do Básico ao Superior) e de Investigação e Desenvolvimento, contribuem igualmente para a sua hegemonia no plano da produção ideológica.
2.2.9. O Estado, pela sua natureza de classe, integra, mantém e assegura o funcionamento do modo de produção capitalista, através de um permanente e crescente processo de acumulação . Em resultado de processos económicos, políticos e sociais complexos e, fundamentalmente, das lutas de classes no século XX, o Estado passou também a integrar estruturas e políticas viradas para a prestação de serviços sociais relevantes e empresas para o fornecimento de bens essenciais. Em Portugal esta presença do Estado, posta em causa com o processo contra-revolucionário, foi fundamentalmente constituída e configurada com a Revolução do 25 de Abril, com o impulso aos sistemas públicos de educação, de saúde e segurança social e com as nacionalizações.
2.2.10. A ofensiva neoliberal em curso visa a destruição ou a redução a expressões residuais das funções e missões do Estado nas áreas sociais e empresariais. Simultaneamente reforçam-se as orientações e as políticas que favoreçam a acumulação capitalista e o desenvolvimento monopolista.
2.2.10.1. Preocupados com baixas taxas de rentabilidade, em particular em sectores tradicionais, e com a volatilidade dos mercados financeiros, o capital procura novos espaços económicos sólidos para a realização e apropriação da mais-valia. O capital não só se apropria das empresas do sector empresarial do Estado privatizadas e dos mercados públicos liberalizados, como se expande e absorve áreas crescentes de serviços públicos (saúde, educação, segurança social, correios, água), e mesmo de serviços típicos da Administração Central (notariado, segurança, consultadoria) transformados em importantes fonte de lucros.
2.2.11. A penetração do grande capital/capital monopolista faz-se por via directa – o investimento na criação de novas empresas de serviços, como sucede com novos hospitais privados – e através de fórmulas sofisticadas e diversificadas, como acontece com as «concessões» (rede de auto-estradas), com as «parcerias público-privadas» (rede de novos hospitais construídos com dinheiros públicos) com os «protocolos de contratação de serviços» (área da saúde) ou, antecedendo uma previsível privatização (parcial ou total), com a empresarialização de actividades tradicionalmente a cargo da Administração Central, como acontece com os hospitais EPE, ou a recente transformação da Estradas de Portugal em Sociedade Anónima, a quem é entregue, «em concessão», a rede viária nacional por 75 anos. Uma centralização do capital que encontra no nosso País um Estado dedicado à reconstrução monopolista.
2.1.1. A recente evolução da União Europeia é inseparável do conjunto de processos económicos, sociais e políticos que marcam a fase actual do desenvolvimento do capitalismo.
2.1.1.1. A evolução da União Europeia nos últimos quatro anos, a par do prosseguimento e aprofundamento das suas políticas neoliberais, federalistas e militaristas, foi significativamente marcada pela rejeição, em 2005, da chamada «constituição europeia» pelos povos da Holanda e da França e pela rejeição, pelo povo irlandês, da segunda tentativa para a sua imposição, agora na versão denominada «Tratado de Lisboa». Uma rejeição que representa para o grande capital e as grandes potências um significativo revés nos seus projectos de aprofundamento da integração capitalista europeia. No plano nacional, constitui uma significativa derrota do PS e do PSD e da sua opção de retirarem ao povo português o direito de debater e se pronunciar sobre o real conteúdo e objectivo de uma proposta de Tratado contra o qual o PCP firmemente se bateu, e contra o qual vai continuar a lutar.
2.1.1.2. As manobras que procuraram impedir a realização de novos referendos nos países da UE, bem como as que antecederam e se seguiram ao referendo na Irlanda expõem o carácter profundamente antidemocrático da integração europeia e do desrespeito das suas instituições supranacionais pela vontade dos povos.
2.1.2. No quadro da agudização da crise estrutural do sistema capitalista avançou a denominada «Estratégia de Lisboa» com a intensificação da sua agenda e prioridades, sistematizada com a criação dos «planos nacionais de reforma», a adopção da directiva de liberalização dos serviços e de novas etapas na liberalização e privatização dos serviços públicos (energia, água, transportes, correios, ensino superior) e no desmantelamento da administração pública, a desregulamentação do mercado de trabalho, os acórdãos do Tribunal de Justiça Europeu no sentido de impor a liberalização dos mercados e a concorrência capitalista, nomeadamente colocando em causa legislações laborais nacionais, para além de uma política monetária ao serviço dos grandes interesses financeiros, que transfere crescentemente os ganhos do trabalho para o capital.
2.1.2.1. Prosseguiu a liberalização da agricultura, com a desvinculação das ajudas da produção, decidida na reforma da Política Agrícola Comum de 2003, e o desmantelamento das organizações comuns de mercado (vinho), acentuando as desigualdades na distribuição das ajudas entre produtores, produções e países. Promoveu-se uma Política Comum de Pescas orientada para a destruição do sector e a entrega da gestão dos recursos biológicos marinhos nacionais às instituições supranacionais da UE. Políticas comuns que comprometem estes sectores estratégicos do País e a sua soberania e segurança alimentares.
2.1.2.2. Intensificou-se uma política de relações comerciais bilaterais, regionais e multilaterais que visa a liberalização do comércio mundial, seja ao nível da Organização Mundial do Comércio ou da criação de zonas e regiões de livre comércio, privilegiando, apesar de contradições, uma parceria estratégica com os EUA.
2.1.2.3. O quadro financeiro comunitário para 2007-2013, adoptado em 2006, estabeleceu, por imposição das potências da União Europeia, na sua ofensiva contra os trabalhadores e os povos, um limite de 1% do Rendimento Nacional Bruto ao nível da UE para o orçamento comunitário, penalizando os países economicamente menos desenvolvidos – como Portugal, que perde cerca de 15% de verbas face ao quadro comunitário anterior – e condicionando a utilização destes meios à concretização da agenda neoliberal da «Estratégia de Lisboa».
2.1.2.4. Foram dados novos passos no sentido de uma política comum da justiça e assuntos internos, subtraindo competências à soberania dos Estados, adoptando um amplo conjunto de medidas securitárias que, a pretexto da «luta contra do terrorismo», colocam em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Foi sendo implementada a política de imigração ao nível da UE, de cariz securitário, selectivo, repressivo e criminalizador dos imigrantes, que os reduz a uma mão-de-obra barata, desprovida de direitos e descartável, de que é exemplo a recém aprovada directiva de retorno.
2.1.2.5. Aprofundou-se a militarização da União Europeia que, adoptando o conceito ofensivo da NATO, se confirma como o seu pilar europeu, desenvolvendo a sua «Estratégia de Segurança», assente na militarização das relações internacionais e na violação do direito internacional. A UE avançou no reforço e criação de novas capacidades militares e na prossecução de «missões militares» que, como no Kosovo, visam o domínio de mercados e de recursos naturais e a partilha de zonas geo-estratégicas.
2.1.3. Pelas suas políticas e objectivos, a União Europeia confirma-se plenamente como o instrumento de classe do capitalismo transnacional e das grandes potências, bem evidente na coincidência das prioridades e decisões das suas instituições supranacionais com os interesses do grande capital e no domínio dos processos de decisão por parte das grandes potências da UE. Uma «integração» que tem contado, em questões centrais (de que são exemplo os Tratados, a Estratégia de Lisboa ou a «flexigurança»), com o acordo da Confederação Europeia de Sindicatos (CES).
2.1.3.1. A evolução recente da União Europeia confirma que, apesar dos importantes e graves avanços verificados no sentido da sua consolidação como pólo imperialista, não está isenta de contradições e resistências que resultam do confronto do grande capital com a enorme massa dos assalariados, em particular dos sectores operários e outras camadas sociais profundamente atingidas pelas políticas de direita. Contradições inerentes ao choque de interesses políticos e económicos entre as grandes potências e as que tenderão a desenvolver-se entre estas e os restantes países, e que, inevitavelmente, crescerão à medida que a União Europeia violente direitos de soberania, interesses nacionais e identidades culturais profundamente enraizadas.
2.1.3.2. Às contradições e aos obstáculos que o desenvolvimento do processo de integração capitalista gera, os mentores da integração capitalista europeia respondem ocultando e escamoteando a sua origem, apontando falsas soluções e saídas e procurando assegurar uma dinâmica de factos consumados para novas e perigosas fugas em frente.
2.1.3.3. A panóplia de mistificações e sofismas que sustenta a constante investida ideológica dita «europeísta» – como as teses dos «egoísmos nacionais» versus «interesse europeu», da «falta de líderes europeus com a dimensão política dos fundadores», da UE «anã política», do «método comunitário» versus «federalismo», do federalismo como resposta alternativa e diferente ao directório, do federalismo encapotado de «europeísmo de esquerda» ou ainda a alegada «falta» de uma «base constituinte na elaboração de uma Constituição europeia» – procura iludir a questão essencial: a de que a União Europeia é, no actual quadro internacional, um pólo imperialista orientado para o aumento da exploração e do intervencionismo agressivo.
2.1.3.4. O PCP reafirma que recusa e dará firme combate a qualquer dita «solução» que – sustentada, ou não, na criação de um «núcleo duro» –, reforce a natureza federal das instituições da União Europeia e, consequentemente, o domínio do conjunto das grandes potências nos processos de tomada de decisão, nomeadamente através da valorização de critérios demográficos, em detrimento da representação de Estados soberanos e do princípio da igualdade entre estes, da eliminação das presidências semestrais rotativas do Conselho Europeu, do fim do princípio de um comissário permanente por país, da redução do número de deputados no Parlamento Europeu, da ampliação da co-decisão e da adopção de decisões por maioria qualificada no Conselho, em prejuízo de países como Portugal, e do seu poder de veto na salvaguarda de interesses fundamentais.
2.1.3.5. O PCP reafirma que rejeita e dará firme combate a uma qualquer dita «solução» que represente possibilidades acrescidas para a ofensiva neoliberal contra os trabalhadores e os povos, e que se traduza na perda de direitos sociais e civilizacionais, na agudização das desigualdades sociais, na multiplicação de assimetrias entre países e regiões, na multiplicação dos problemas ambientais e no reforço das dependências dos países como Portugal.
2.1.3.6. O PCP reafirma que recusa e dará firme combate a uma qualquer dita «solução» que tenha como objectivo alicerçar um bloco político-militar que visa a disputa concorrencial de mercados, matérias-primas e mão-de-obra, integrando ou não articulações, alianças e acordos de partilha com os outros pólos da Tríade, Japão e EUA.
2.1.4. Mais de vinte anos após o Acto Único, quinze após o Tratado de Maastricht e dez após a União Económica e Monetária (com os seus BCE, Pacto de Estabilidade e Euro), os resultados dos referendos realizados em França, na Holanda e na Irlanda colocam em evidência a ampliada rejeição de uma «integração europeia», que desrespeita as soberanias, as economias nacionais e a democracia e agride as conquistas sociais dos trabalhadores, a segurança e a paz. 2.1.4.1. As lutas dos trabalhadores e dos povos em defesa da democracia, da soberania e independência nacionais e de conquistas políticas, económicas, sociais e culturais nos diferentes países, são uma contribuição para o aumento da consciência política quanto ao carácter de classe da União Europeia e o nível decisivo de luta para abrir o caminho de uma outra Europa de cooperação, progresso e paz.
2.1.4.2. A rejeição consequente e determinada desta «integração europeia» exige que, no plano nacional, se reforcem as forças políticas que, explorando as contradições e obstáculos, e conjugando a luta de massas com a acção institucional, dão frontal e coerente combate à sua dinâmica federalista, neoliberal e militarista.
2.1.4.3. As importantes mobilizações e significativas lutas que ocorreram por toda a Europa revelam e reafirmam a necessidade do reforço da cooperação, designadamente por parte das forças de esquerda vinculadas com os interesses dos trabalhadores – claramente demarcadas da social democracia hoje rendida ao neoliberalismo – e da convergência de todos quantos lutam, na base de objectivos de transformação social anticapitalista, por um novo caminho para a Europa.
2.1.5. O PCP continuará a assumir como sua prioridade o prosseguimento e reforço da cooperação dos comunistas e de outras forças de esquerda e progressistas na Europa, com respeito pelas diferenças de situação, reflexão e proposta, colocando no primeiro plano a acção comum ou convergente em torno das questões mais sentidas pelos trabalhadores e outros sectores e camadas sociais afectados pela actual «integração europeia», e afirmando e projectando à escala europeia acções e propostas comuns. Com a convicção de que a necessária expressão europeia e internacional da luta adquirirá uma dimensão e um significado tanto mais representativos quanto mais enraizada e organizada ela for a nível de cada país.
2.1.5.1. O PCP continuará profundamente empenhado no desenvolvimento da cooperação e convergência dos partidos comunistas, forças e partidos progressistas e de esquerda, nomeadamente: na salvaguarda, consolidação, forte intervenção e afirmação do carácter unitário, confederal e progressista do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, do Parlamento Europeu; no desenvolvimento de iniciativas comuns de expressão europeia; na dinamização e apoio à luta dos trabalhadores e outros sectores e forças sociais pelas conquistas e direitos sociais, contra as políticas do capitalismo, pela paz, contra o militarismo e a guerra, pela democracia e a soberania nacional, contra o federalismo e o domínio das grandes potências.
2.1.6. Ao longo das últimas duas décadas, PS e PSD e CDS-PP, numa elucidativa e constante convergência de posições, foram os responsáveis pela condução, e aprofundamento sucessivo, da integração de Portugal na CEE/UE, participando activamente na definição das suas políticas e orientações neoliberais, federalistas e militaristas.
2.1.6.1. Uma convergência responsável pela alienação de componentes essenciais da soberania nacional; pela submissão perante as instituições da União Europeia e as grandes potências; pela aceitação de imposições e medidas gravosas para o País; pela entrega de sectores estratégicos da economia nacional ao capital estrangeiro; pela ideia da fatalidade das políticas da União Europeia; pela apresentação dos problemas e das dificuldades do País como a moeda de troca aos ditos «benefícios» dos fundos comunitários; pela não consulta do povo português sobre questões fundamentais; pela não utilização da margem de manobra de que, apesar de tudo, Portugal dispõe pela aplicação, entre outros, do denominado «princípio da subsidiariedade» e do direito de veto.
2.1.7. Também o Bloco de Esquerda, com o seu denominado «europeísmo de esquerda», atrás do qual esconde o seu federalismo envergonhado, se confirma como uma das forças políticas favoráveis ao avanço do carácter supranacional da União Europeia, desvalorizando e menosprezando a importância central da preservação da soberania nacional como alicerce incontornável do desenvolvimento do País e instrumento indispensável para a luta por uma outra Europa. 2.1.8. A União Europeia surge como um dos principais alicerces da política de classe realizada em Portugal e como um dos principais esteios e pretextos da ofensiva contra os direitos e conquistas sócio-económicas dos trabalhadores que coloca em causa o interesse nacional e o projecto de desenvolvimento patriótico e internacionalista consagrado na Constituição da República Portuguesa.
2.1.8.1. Uma política externa de diversificação das relações internacionais e de cooperação, paz e amizade com todos os povos, a salvaguarda da soberania nacional e a promoção dos interesses de Portugal e dos portugueses constituem orientações fundamentais para a intervenção do País num projecto de cooperação na Europa.
2.1.8.2. Perante o processo de integração da União Europeia, a soberania nacional constitui ponto de partida inegociável e uma questão central e decisiva para a afirmação dos interesses de Portugal e dos portugueses. A defesa e afirmação da soberania nacional exigem a consagração institucional da possibilidade da reversibilidade e da alteração de acordos e tratados que regem a integração europeia, ajustando o estatuto de cada país à vontade do seu povo e à sua real situação, incluindo o direito à decisão soberana sobre a desvinculação da UE.
2.1.9. Não há arquitectura institucional no quadro do figurino federal (uma ou duas Câmaras, mais ou menos comissários, mais ou menos poder do Parlamento Europeu, este ou aquele sistema de votação) que resolva a desigualdade de poder resultante das significativas diferenças entre os Estados-membros. E as suas dimensões neoliberal e militaristas são intrínsecas à sua natureza de integração capitalista, indissociável no plano institucional de soluções federalistas. Cada nova etapa e avanço deste processo consolida um poder político e económico favorável ao grande capital e às grandes potências e fortalece o seu «super-Estado», para melhor explorar os trabalhadores e os povos, nas suas relações de concorrência e convergência, económicas e políticas com os outros dois pólos da «Tríade» da globalização capitalista, Japão e EUA. Estes factos consolidam a ideia de que a União Europeia não é reformável.
2.1.10. Outra Europa não só é possível como necessária. O caminho para outra Europa faz-se e afirma-se no combate intransigente à integração capitalista configurada pela União Europeia. Combatendo cada novo passo no seu aprofundamento. Apresentando alternativas concretas de ruptura. Trabalhando pela convergência das forças de esquerda e progressistas, pelo esclarecimento e mobilização dos trabalhadores e dos povos, por transformações progressistas e na perspectiva de um futuro socialista para a Europa.
2.1.11. A uma União Europeia federal, onde se consolida a assimetria de poder a favor das grandes potências, contrapomos uma Europa de cooperação de Estados e povos, soberanos e iguais em direitos, que respeite a identidade cultural e a independência de Portugal e de todos os países.
2.1.12. A uma União Europeia onde prevalecem os interesses do capital e se acentuam as diferenças entre países e as assimetrias regionais e sociais, contrapomos uma Europa dos trabalhadores e de outras camadas laboriosas, que favoreça o desenvolvimento assente na relação sustentável entre natureza e a sociedade e na convergência económica e no progresso social, com o objectivo de coesão de cada país e entre todos os países.
2.1.13. A uma União Europeia militarista, bloco político-militar com pretensões imperiais, convergindo estrategicamente com o imperialismo norte-americano, promovendo e alargando a intervenção da aliança agressiva NATO, contrapomos uma Europa empenhada na promoção da paz e desanuviamento no continente europeu e no Mundo e na cooperação para o desenvolvimento com todos os povos do planeta.
2.0.1. A formação do Governo PS, suportado na Assembleia da República por uma maioria absoluta e a eleição de Cavaco Silva para a Presidência da República, que concretizou uma velha ambição da direita de se apossar deste órgão de soberania, traduzem, no plano político-institucional, a afirmação e consolidação de um bloco de poder ao serviço dos grandes grupos económicos e financeiros.
2.0.2. A realização das eleições legislativas antecipadas de Fevereiro de 2005, na sequência da dissolução da Assembleia da República, correspondeu, ainda que tardiamente, a uma ampla e crescente aspiração popular, e culminou um largo processo de resistência à ofensiva prosseguida pelos governos do PSD e CDS-PP de Durão Barroso, Paulo Portas e Santana Lopes.
2.0.3. A vinculação do PS à política de direita, agravada pela obtenção de uma maioria absoluta gorou a possibilidade que das eleições resultasse, não apenas a mudança de governo e a derrota do PSD e CDS-PP, mas a criação de condições que contribuíssem para a derrota da política de direita e o alcançar de uma efectiva e verdadeira política alternativa.
2.0.4. Os três anos e meio de Governo PS ficam marcados por uma nova fase, quer pela intensidade, quer pelo seu carácter global de uma ofensiva dirigida para a destruição dos direitos sociais e para a concretização dos interesses do capital. No quadro do prosseguimento e desenvolvimento da política de direita dos últimos trinta e dois anos, o actual Governo tem em curso uma acção não apenas destinada a reduzir e a liquidar direitos e a impor retrocessos no plano social, mas sim uma ofensiva dirigida contra o regime democrático consagrado na Constituição.
2.0.5. O processo de reconfiguração da estrutura e papel do Estado aos interesses do capital monopolista e o ataque a direitos no plano económico e social têm-se traduzido no empobrecimento da democracia política e na crescente restrição às liberdades e garantias dos cidadãos.
2.0.6. Suportados numa relação de crescente promiscuidade e comprometimento com o Governo, e pela «cooperação estratégica» oferecida pelo Presidente da República à sua acção, sectores e estruturas proeminentes do grande capital inscreveram na sua agenda e objectivos já não só a reclamação de políticas económicas e sociais mais favoráveis aos seus interesses, mas a apresentação de uma verdadeira agenda de subversão do regime político e constitucional.
2.0.7. Três décadas de política de direita, de reconstituição do capitalismo monopolista, traduzidas no agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do povo, na crescente dependência e subordinação externa do País e num inquietante empobrecimento do regime democrático, colocam como grande questão da actualidade política e do futuro do País a exigência de ruptura com estas políticas e a construção de um novo rumo para o País.
1.4.1. O socialismo, objectivo programático do PCP, tendo no horizonte o comunismo, não só traduz a superioridade dos valores de liberdade e justiça social que animam os comunistas de todo o mundo na sua luta contra o capital, como constitui, na actualidade, uma possibilidade real cada vez mais necessária e urgente. Esta profunda convicção do PCP assenta em três pilares fundamentais.
1.4.1.1. Em primeiro lugar, no materialismo dialéctico e histórico, genial descoberta científica de Marx e Engels que, desvendando as leis gerais do desenvolvimento social e o papel nele reservado ao proletariado, fundamenta a transitoriedade do capitalismo e a exigência da sua superação revolucionária, exigência que Lenine aprofundou na época do imperialismo, e a que a Revolução de Outubro deu vida pela primeira vez na história.
1.4.1.2. Em segundo lugar, no significado histórico universal da Revolução de Outubro, no empreendimento pioneiro de uma nova sociedade na URSS e demais experiências históricas do socialismo. Experiências que, todas elas com graus diferenciados de criatividade revolucionária, maior ou menor consideração das especificidades nacionais, maior ou menor peso de factores de ordem externa, foram fruto de grandes batalhas de classe e de situações de crise revolucionária que impuseram transformações anticapitalistas profundas. Experiências inseparáveis da criação pelo proletariado do seu partido de vanguarda, e só possíveis pela abnegação e prestígio dos comunistas e pela entusiástica adesão e participação populares que suscitaram. Experiências que se traduziram em realizações e conquistas de grande valor, que demonstraram e demonstram a superioridade do poder dos trabalhadores e da nova sociedade sem exploradores nem explorados, do socialismo sobre o capitalismo. A contribuição da URSS e, posteriormente, do campo dos países socialistas, para os grandes avanços de civilização verificados no século XX foi gigantesca. Países atrasados transformaram-se num curto prazo de tempo em países altamente industrializados e socialmente avançados em que foram alcançados direitos historicamente inéditos. As conquistas sociais e democráticas do movimento operário dos países capitalistas, vulgarmente identificadas com o «Estado social», a derrocada dos impérios coloniais e o impetuoso avanço do movimento de libertação nacional dos povos de África, Ásia e América Latina, são inseparáveis da existência e das realizações da URSS e dos países socialistas. Sejam quais forem as tentativas de negar e subverter a verdade, a vitória sobre o nazi-fascismo ficará para sempre gravada na História como um feito para o qual o povo soviético e os comunistas na Europa e em todo o mundo deram a mais heróica e decisiva contribuição. A política de paz e de solidariedade internacionalista da URSS e a conquista do equilíbrio militar estratégico entre a URSS e os EUA e entre o campo socialista e o imperialismo, foram decisivas para a contenção da natureza agressiva do imperialismo, a salvaguarda da paz mundial, o avanço das forças do progresso social. Como tantas outras, a revolução portuguesa do 25 de Abril beneficiou do clima europeu e internacional de desanuviamento da década de setenta, e o povo português contou com a solidariedade internacionalista dos povos da União Soviética e demais países socialistas.
1.4.1.3. A caminhada da humanidade para o socialismo e o comunismo sofreu profundos reveses no findar do século com a destruição da URSS e as derrotas do socialismo no Leste da Europa.
1.4.1.4. O estudo das suas causas e consequências prossegue no movimento comunista e no campo progressista, e o PCP deverá consagrar-lhe ainda mais atenção para tirar todas as experiências e ensinamentos que comporte, a fim de prosseguir a luta com reforçada confiança. Temos muito de valioso já adquirido pela elaboração e reflexão colectivas do Partido desde o XIII e XIV Congressos. Revelou-se particularmente fecunda a tese avançada pelo PCP de que (ao contrário do que pretendeu a violenta campanha desencadeada pelos nossos adversários sobre a «morte do comunismo» e o «declínio irreversível dos partidos comunistas») o que foi derrotado não foram os ideais e o projecto comunistas mas um «modelo» historicamente configurado, que se afastou, e entrou mesmo em contradição com características fundamentais de uma sociedade socialista, sempre proclamadas pelos comunistas relativas ao poder dos trabalhadores, à democracia política, às estruturas socioeconómicas, ao papel do Partido, à teoria. Mas tendo como base as análises e orientações do XIII e do XIV Congressos, necessitamos de continuar a aprofundar a nossa reflexão.
1.4.2. Neste contexto, é necessário não esquecer que a construção do socialismo na URSS, e ulteriormente noutros países da Europa, Ásia e América Latina, enfrentou desde o primeiro momento o cerco e a agressão do imperialismo, continuadas operações de provocação e desestabilização interna, sofisticadas campanhas de diversão e subversão ideológica. Tudo isto impôs pesados sacrifícios, obrigou ao desvio de recursos imensos para a esfera militar, levou a distorções e desequilíbrios no desenvolvimento socioeconómico socialista, e mesmo a situações de crise. Tudo isto influenciou os caminhos e as soluções encontradas no processo de construção do socialismo e contribuiu, em medida considerável, para os atrasos, erros e deformações que se verificaram com violação de princípios essenciais do socialismo. Graves cedências e capitulações ideológicas, políticas e de classe que se manifestaram sobretudo a partir de meados da década de 80, acabaram por determinar que, da aguda competição e confrontação entre os dois sistemas, resultasse temporariamente um sério retrocesso no caminho do progresso social.
1.4.2.1. Perante os complexos problemas que se manifestaram na construção do socialismo na URSS, assim como noutros países do Leste da Europa o PCP, expressou compreensão e solidariedade para com os esforços e orientações que proclamavam visar a sua superação, alertando simultaneamente para o desenvolvimento de forças anti-socialistas e para a escalada de ingerências imperialistas, confiando em que existiam forças capazes de defender o poder e as conquistas dos trabalhadores e promover a necessária renovação socialista da sociedade. Mas certas medidas tomadas agravaram os problemas ao ponto de provocar uma crise geral. O abandono de posições de classe e de uma estreita ligação com os trabalhadores, a claudicação diante das pressões e chantagens do imperialismo, a penetração em profundidade da ideologia social-democrata, a rejeição do heróico património histórico dos comunistas, a traição de altos responsáveis do Partido e do Estado, desorientaram e desarmaram os comunistas e as massas para a defesa do socialismo, possibilitando o rápido desenvolvimento e triunfo da contra-revolução com a reconstituição do capitalismo.
1.4.2.2. Esta dura realidade não anula, porém, o alcance libertador do empreendimento inédito de construção de uma sociedade nova, sem exploradores nem explorados, iniciada com a Revolução de Outubro. O valor das suas realizações ressalta ainda mais com as trágicas consequências destas derrotas. Para estes países, com o terrível retrocesso social provocado pela contra-revolução, a perda de soberania, a invasão exploradora das multinacionais e o esbulho das suas riquezas, a anexação pela NATO e pela UE, os ataques a direitos e liberdades fundamentais, o avanço de forças fascistas e do anticomunismo. Para o mundo, com o desequilíbrio da correlação de forças daí resultante e a contra ofensiva desencadeada pelo grande capital e pelo imperialismo contra os trabalhadores e contra os povos. A vida demonstrou de modo dramático que o desaparecimento do poderoso factor de contenção que a URSS representava, deixou o mundo mais exposto à natureza exploradora e agressiva do capitalismo tornando-o mais injusto e perigoso.
1.4.3. Em terceiro lugar, a convicção do PCP de que o socialismo é na actualidade cada vez mais necessário e urgente, assenta na análise do sistema capitalista e das suas tendências de desenvolvimento actual.
1.4.3.1. O capitalismo tem revelado capacidades de adaptação e de recuperação por vezes inesperadas, mas está ferido de insanáveis contradições e são patentes os seus limites históricos.
1.4.3.2. Com as derrotas do socialismo lançou uma gigantesca campanha visando apresentar-se como sistema terminal sem alternativa. Mas o mito do «fim da História – e com ele do «fim» do comunismo, dos partidos comunistas, da luta de classes, da revolução, das ideologias e outros – durou pouco. O triunfalismo capitalista dos anos 90 que, frente às derrotas do socialismo, anunciava mais liberdade, mais paz e segurança internacionais, mais progresso social, não resistiu à prova dos factos. As receitas do neoliberalismo e as teses justificativas da globalização capitalista, embora ainda dominantes, desacreditaram-se rapidamente. O capitalismo não só se revela incapaz de dar satisfação aos interesses e aspirações dos trabalhadores e dos povos como põe em perigo a própria Humanidade. A contradição entre as imensas potencialidades das conquistas da ciência e da técnica e as terríveis regressões que percorrem o mundo contemporâneo – desemprego, fome, doença, analfabetismo, catástrofes ambientais – constitui, em si mesma, uma violenta acusação ao sistema capitalista.
1.4.3.3. A necessidade e possibilidade do socialismo estão inscritas nas próprias contradições do sistema que o capitalismo contemporâneo tende a agudizar extraordinariamente.
1.4.3.4. O antagonismo entre o capital e o trabalho, com o brutal agravamento da exploração e a proletarização acelerada da pequena burguesia e camadas intermédias da população. A não correspondência entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção capitalistas que entravam o seu desenvolvimento e pervertem a sua utilidade social. A contradição entre o carácter social (cada vez mais acentuado) da produção e a propriedade privada (cada vez mais concentrada) dos grandes meios de produção.
1.4.3.5. A extraordinária centralização e concentração de capital, a formação de gigantescos monopólios que, isoladamente ou em aliança, dominam ramos inteiros da produção, do comércio e das finanças, os próprios mecanismos de regulação internacional do capitalismo (configurando um capitalismo monopolista de Estado de dimensão internacional), são expressão de reais processos de socialização que mostram a necessidade do socialismo, como solução racional necessária à desumana anarquia e concorrência capitalistas. A solução dos grandes problemas que afectam toda a humanidade, a começar pelo problema da paz, mas também os problemas da energia, do ambiente, da pobreza e outros, exige a utilização de métodos racionais de planeamento inerentes ao socialismo.
1.4.3.6. É cada vez mais estreita a base de apoio do capitalismo em cuja liquidação estão objectivamente interessadas todas as classes e camadas não monopolistas. Hoje é o próprio futuro da Humanidade que está ameaçado pela desenfreada corrida ao máximo lucro. Nunca foi tão verdadeira a tese marxista de que, libertando-se, a classe operária liberta simultaneamente todas as outras classes e camadas oprimidas pelo capital monopolista, o que hoje significa libertar a Humanidade.
1.4.4. Sem dúvida que o caminho do socialismo se revelou mais complexo e mais acidentado e demorado do que os grandes avanços libertadores alcançados no caminho aberto pela Revolução de Outubro faziam prever. E que o movimento comunista e revolucionário não recuperou ainda de grandes retrocessos da década de 90. Nada disso anula, porém, a realidade de que a época em que vivemos é a época da passagem do capitalismo ao socialismo, inaugurada pela Revolução de Outubro, que o capitalismo não só não resolve como agrava os graves problemas do nosso tempo, que só o socialismo pode responder às mais profundas aspirações dos trabalhadores e dos povos e salvar a Humanidade da catástrofe anunciada pela insaciável gula do capital. É com esta profunda convicção que o PCP aponta para Portugal e para o mundo, o socialismo como possibilidade real e a mais sólida perspectiva de evolução da Humanidade.
1.3.1. A intensificação da ofensiva do imperialismo deparou-se com uma crescente resistência dos trabalhadores e dos povos.
1.3.2. Face ao generalizado agravamento das condições de vida das massas trabalhadoras, às limitações ou destruição de importantes conquistas sociais e direitos democráticos, aos ataques às soberanias nacionais, a luta de classes agudizou-se e intensificou-se em diversas frentes, assumindo formas, conteúdos e objectivos muito diferenciados convergindo na condenação e rejeição das políticas do grande capital e do imperialismo. Apesar da correlação de forças se manter desfavorável, prosseguiu por toda a parte a luta das forças do progresso social, de libertação nacional, da paz e do socialismo.
1.3.3. A luta dos trabalhadores pelas suas reivindicações e por uma sociedade mais justa, envolvendo a classe operária e outras camadas de assalariados, no sector público e privado, traduziu-se em importantes movimentos grevistas, manifestações e jornadas nacionais de luta. Em todos os continentes milhões de trabalhadores associaram a luta reivindicativa nos locais de trabalho a manifestações de rua por trabalho com direitos, valorização dos salários, liberdade sindical, segurança social, justiça fiscal, e contra as privatizações, o encerramento e deslocalização de empresas, o ataque aos serviços públicos. As greves gerais em numerosos países são apenas alguns exemplos de lutas que se travam diariamente por todo o mundo e que a comunicação social dominante se esforça por ocultar. A resistência à ofensiva exploradora do capital, em que, a par da destruição de conquistas históricas dos trabalhadores, sobressai a dramática situação de pobreza para que são empurrados cada vez mais milhões de seres humanos, assumiu novas expressões em sectores e países muito diversos, como a manifestação de crianças trabalhadoras no Bangladesh e a marcha dos pobres na Índia, ou os motins contra o brutal aumento dos preços dos bens alimentares. A organização da classe operária e dos trabalhadores e, em primeiro lugar, a existência de um combativo movimento sindical unitário, de classe e de massas, é de decisiva importância para uma correcta orientação no desenvolvimento e eficácia da luta.
1.3.4. Particular projecção assumiu a luta dos trabalhadores imigrantes, nomeadamente nos EUA e na Europa, contra as leis racistas e xenófobas, pela legalização e igualdade de direitos e contra a sobre exploração.
1.3.5. Particularmente atingidas pela ofensiva do grande capital estão as massas camponesas que, face às orientações da OMC, ao desenvolvimento da agro-indústria e dos agrocombustíveis, vêem a sua sobrevivência ameaçada pelo negócio e a especulação capitalistas. As lutas dos camponeses e do proletariado agrícola pelo direito a produzir, por preços justos à produção, contra a utilização dos transgénicos, pelo direito à terra têm estado no centro da luta de classes em numerosos países, como no Brasil e na Índia, e têm sido o motor de profundas transformações políticas e sociais, como na Bolívia e no Equador, em defesa das comunidades indígenas e das produções tradicionais, em defesa da água pública e do meio ambiente.
1.3.6. A exploração crescente das massas camponesas pelas multinacionais da indústria alimentar e a especulação em torno dos preços dos alimentos trouxeram para primeiro plano da situação internacional o flagelo da fome, potenciando-as como geradora de novos conflitos e confirmando a soberania e segurança alimentar como componente fundamental da independência nacional e do progresso social. A questão da propriedade da terra e da reforma agrária, de acordo com o lema «a terra a quem a trabalha», é de redobrada actualidade.
1.3.7. A crise do sistema também se reflectiu sobre a pequena e média burguesia urbana, nomeadamente sobre os micro, pequenos e médios empresários, que reagem de forma mais organizada aos efeitos da concentração capitalista em todas as áreas de actividade. Destaque merece também a luta dos intelectuais e quadros técnicos que, como camada cada vez mais proletarizada, sofre a perda de direitos, o espectro do desemprego e a degradação dos rendimentos. A luta das mulheres, integrando as mais diversas organizações ou através dos seus próprios movimentos, assume cada vez maior importância em sociedades em que se acentua a exploração da mão-de-obra feminina e se procura limitar a igualdade de direitos e atingir direitos próprios e específicos alcançados através de duras e prolongadas lutas. A luta da juventude adquire uma enorme importância não apenas na defesa dos seus interesses imediatos pelo direito ao trabalho e em defesa da escola pública, mas também na defesa dos mais amplos direitos dos trabalhadores, da liberdade, da democracia e paz.
1.3.8. A luta contra o imperialismo conheceu um desenvolvimento particularmente importante nos últimos anos. A resistência à política de ingerência, agressão e guerra, em particular dos EUA, foi um traço marcante da luta dos povos em defesa da sua soberania e do direito inalienável a decidir dos seus destinos. No Iraque, no Afeganistão, na Palestina, no Líbano, em Cuba e na Venezuela, assim como na Síria, no Irão, na R.D.P. da Coreia, nos Balcãs, na Colômbia ou em Chipre, prosseguem batalhas decisivas para o futuro desses povos e para a estabilidade nas respectivas regiões que merecem a activa solidariedade dos comunistas portugueses. Nelas intervêm forças muito distintas na sua origem, objectivos e formas de luta, mas dispondo de real apoio de massas e convergindo na rejeição de arrogantes e humilhantes imposições externas e na defesa da cultura e soberania nacionais. A luta contra a integração capitalista europeia é parte integrante deste vasto movimento.
1.3.9. O movimento da paz, após uma ampla e combativa expressão associada às ameaças dos EUA ao Iraque e ao desencadear da guerra, tem agora manifestações mais dispersas. Mas há sinais positivos que importa encorajar. Na Europa desenvolveu-se a oposição à acelerada militarização da UE e a luta contra a instalação do sistema anti-míssil dos EUA e o alargamento da NATO para Leste. Desenvolveu-se a luta contra as bases militares estrangeiras, e grandes manifestações contra o militarismo tiveram lugar no Japão e na Índia. O Conselho Mundial da Paz reforçou-se e desempenha hoje um papel mais activo. Mas, não estando o movimento da paz à altura da gravidade da situação, é necessário prestar-lhe mais atenção e intensificar a solidariedade com todos os povos vítimas das ingerências e das agressões do imperialismo.
1.3.10. Em particular é necessário expressar activa solidariedade à luta dos povos pela sua autodeterminação e independência, como na Palestina, Saara Ocidental, Chipre, ou pela consolidação de processos democráticos de independência nacional, como em Timor-Leste, assim como para com corajosos processos de afirmação de soberania que encerram um grande significado político e apontam para uma rearrumação de forças em detrimento do imperialismo. Tal é o caso do continente latino-americano onde os EUA, depois de sérios reveses, e com a ajuda de governos fascizantes como na Colômbia, estão a lançar uma perigosa contra ofensiva que é necessário denunciar e derrotar.
1.3.11. A evolução da situação na América Latina num sentido progressista e anti-imperialista, apesar de traços contraditórios e da própria diversidade dos processos, constitui um dos mais encorajadores exemplos de avanço libertador desde o XVII Congresso. As mudanças a nível do poder em numerosos países, impulsionadas por poderosos movimentos populares, têm revertido na adopção de importantes medidas de carácter democrático e social. Foram abandonadas orientações neoliberais e sustidos alguns dos seus aspectos mais agressivos, o que possibilitou a rejeição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e avanços num processo de integração latino-americana de sentido global positivo. Com múltiplas expressões, desde o Mercosul que, inscrevendo-se num funcionamento capitalista, afronta objectivamente a hegemonia norte-americana, até à ALBA – com um conteúdo vincadamente anti-imperialista –, outros instrumentos de cooperação têm sido criados na base de relações mais equitativas e justas. Procurando reverter tais desenvolvimentos e depor governos democraticamente eleitos, os EUA desenvolvem intensa actividade subversiva apoiando as forças mais reaccionárias.
1.3.12. O exemplo revolucionário de Cuba socialista, a defesa intransigente da sua soberania, face a ameaças e actos terroristas por parte do imperialismo e a um feroz e prolongado bloqueio, e a sua activa solidariedade com os povos e processos em desenvolvimento na América Latina, tem constituído importante estímulo para as transformações progressistas na Venezuela bolivariana, no Equador, na Bolívia e outros países.
1.3.13. A luta em defesa da soberania nacional, o seu carácter popular e de massas, envolvendo forças sociais, políticas e religiosas muito diversas, é, no actual contexto da globalização imperialista uma expressão viva da luta de classes, assumindo um incontornável conteúdo internacionalista e pondo em evidência a importância do marco nacional da luta de transformação social e emancipação dos povos.
1.3.14. Importante realidade do quadro internacional, nomeadamente pelo seu papel de resistência à «nova ordem» imperialista, são os países que definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista – Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia. Com percursos e experiências distintas, estes países deparam-se com problemas e contradições inerentes ao próprio processo de transformação social, condicionados e ampliados pelas relações capitalistas dominantes a nível internacional. Sujeitando-os a todo o tipo de pressões políticas e económicas, ameaças militares, operações de subversão e campanhas mediáticas de intoxicação, o imperialismo visa a desestabilização destes países apostando numa reversão das suas opções de transformação social. Tais pretensões encerram graves perigos para a segurança internacional e, a vingarem, significariam um enorme retrocesso da luta libertadora. Independentemente das avaliações diferenciadas em relação aos caminhos e às características destes processos, e das interrogações e inquietações que nos possam suscitar, face à concepção programática própria do PCP de socialismo para Portugal, mas entendendo que não há modelos nem vias únicas para a construção da nova sociedade liberta da exploração do homem pelo homem, o PCP considera de fundamental importância reconhecer e assegurar o direito dos povos destes países a decidir livremente sobre o seu próprio caminho. É esse o seu interesse e o interesse da causa do progresso social e da paz em todo o mundo.
1.3.15. A revolução cubana, que assinalará na viragem do ano o seu 50º aniversário, defrontando ao longo deste meio século permanentes campanhas de ingerência, desestabilização e agressão, projecta-se no mundo pelas conquistas políticas, económicas, sociais e culturais alcançadas, pela defesa intransigente da sua soberania nacional, pelo seu exemplo de patriotismo e internacionalismo. A solidariedade com Cuba socialista é um imperativo de todas as forças revolucionárias e amantes da paz.
1.3.16. A convergência da luta dos povos pela sua libertação nacional e social com a luta da classe operária e dos trabalhadores e de outras camadas antimonopolistas, é hoje uma tarefa central de todas as forças que se opõem à hegemonia do imperialismo.
1.3.17. A frente anti-imperialista alargou-se e diversificou-se. Com componentes sociais e políticas muito diferenciadas, nela se incorporam correntes ideológicas distintas e até antagónicas nos seus objectivos estratégicos, o que torna difícil a unidade na acção, mesmo quando intervêm com idênticas reivindicações. É necessário precisar e potenciar conteúdos e formas de intervenção que favoreçam a acção comum ou convergente e a eficácia na luta. No quadro do fortalecimento das diversificadas expressões da frente anti-imperialista valoriza-se o papel desempenhado por organizações unitárias internacionais surgidas no fluxo da vitória sobre o nazi-fascismo na II Guerra Mundial como o Conselho Mundial da Paz, a Federação Mundial da Juventude Democrática (incluindo o amplamente unitário movimento dos Festivais Mundiais da Juventude e dos Estudantes por ela impulsionado), a Federação Democrática Internacional das Mulheres, a Federação Sindical Mundial, sendo importante agir para que se reforce a sua intervenção e alargue a sua dimensão de massas.
1.3.18. A luta pela paz, contra o militarismo e a guerra, e a solidariedade com os povos vítimas da ingerência do imperialismo, aparecem em primeiro plano. Mas a ela se associa a denúncia das ingerências e do recurso à força nas relações internacionais; a luta contra o alargamento e pela dissolução da NATO e outros blocos político-militares, designadamente contra a militarização da UE; pelo desarmamento e pela proibição de todas as armas de destruição massiva; contra a instalação de sistemas anti-míssil e a militarização do Espaço; pela democratização da ONU e pelo respeito da sua Carta e do direito internacional.
1.3.19. No actual quadro de aprofundamento da crise do sistema capitalista ganha acrescida importância a luta contra a exploração e as inevitáveis tentativas de transferir para os trabalhadores e os povos os custos desta crise; a luta por relações económicas mais equitativas e mais justas, contra as políticas neoliberais de desmantelamento dos direitos dos trabalhadores e de destruição dos serviços públicos; contra o aumento do preço dos combustíveis e por energias alternativas; contra o aumento dos preços dos bens alimentares, contra a fome, pela soberania alimentar; a luta em defesa do meio ambiente e muitas outras.
1.3.20. O «movimento anti-globalização», no seio do qual se tem travado uma intensa luta ideológica, para a qual o PCP tem dado activa contribuição defendendo a acentuação da sua componente anticapitalista e anti-imperialista, vive hoje um período de menor impacto. A realidade da luta de classes, e da importância decisiva da luta no marco nacional, pôs em evidência os limites do movimentismo e do cosmopolitismo (apresentado como um «novo internacionalismo») daqueles que semeiam a ilusão de que é possível «humanizar» a globalização capitalista. O PCP, que desde o início caracterizou tal movimento como expressão do estreitamento da base social de apoio do capitalismo na sua forma actual, continua a considerar de grande importância a acção convergente de todos os que sofrem as consequências da contra-ofensiva exploradora e agressiva do grande capital.
1.3.21. Num tempo que é ainda de resistência e de acumulação de forças, mas também de fortes potencialidades progressistas e revolucionárias, enormes responsabilidades recaem sobre os Partidos Comunistas e o movimento comunista e revolucionário internacional. A par da defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores, cabe-lhes identificar os conteúdos unificadores para as alianças necessárias da classe operária com as diferentes componentes sociais e políticas que integram a frente anti-imperialista, e colocar com confiança a perspectiva da alternativa, mesmo que no imediato se coloquem apenas objectivos limitados e etapas intermédias de luta pelo socialismo e pelo comunismo.
1.3.22. Contrariando aqueles que há duas décadas anunciaram o fim da história e da luta de classes, é cada vez mais evidente a impossibilidade do capitalismo em dar resposta aos problemas e anseios dos trabalhadores, que a classe operária continua no centro da luta de classes e que, para a superação revolucionária do capitalismo, os trabalhadores assalariados e outras classes e camadas antimonopolistas devem contar com fortes partidos comunistas.
1.3.23. O fortalecimento dos partidos comunistas e o reforço da sua cooperação e solidariedade recíproca, tendo como núcleo o internacionalismo proletário, são exigências historicamente comprovadas para o êxito da luta. A aproximação e cooperação entre Partidos Comunistas e Operários, de que o processo dos Encontros Internacionais (cuja oitava edição se realizou em Lisboa e que vai já na sua décima edição) é uma importante expressão, tem progredido, e o PCP fará o que estiver ao seu alcance para que progrida ainda mais no futuro, para criar as condições para formas mais estáveis e eficazes de articulação.
1.3.24. Esta realidade não anula, contudo, as enormes debilidades, dificuldades e problemas que persistem no movimento comunista. Ainda muito marcado pelas negativas consequências das derrotas do socialismo, assiste-se, por um lado, a valiosos processos de resistência, afirmação e recuperação de Partidos Comunistas, mas, por outro lado, continuam a desenvolver-se tendências revisionistas e reformistas envolvendo processos de degenerescência, autoliquidação e diluição em frentismos de «esquerda», com o abandono das referências ideológicas e objectivos revolucionários que definem os comunistas como corrente revolucionária necessária ao fortalecimento da frente anti-imperialista, e insubstituível para a liquidação do capitalismo e para a construção de uma nova sociedade sem exploradores nem explorados. Neste sentido, o Partido da Esquerda Europeia, que o PCP não integrou pela sua lógica supranacional e natureza ideológica, não só se confirmou como uma falsa resposta ao reconhecidamente necessário reforço da cooperação das forças de esquerda anticapitalistas na Europa, como introduziu factores de divisão, afastamento e preconceito, que se manifestaram nomeadamente no Grupo da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica no Parlamento Europeu.
1.3.25. A luta pelo reforço dos Partidos Comunistas defronta-se com rápidas mudanças socioeconómicas, suas repercussões na classe operária e na sua condição (desemprego, precariedade, deslocalização, e/imigração) e com a enorme pressão ideológica do grande capital, só ultrapassável pela firmeza de convicções e pelo seu enraizamento na classe operária e nas massas populares, impulsionando a sua luta, apontando a perspectiva revolucionária de transformação social e dando combate a posições oportunistas que negam a luta de classes.
1.3.26. Apesar da crescente compreensão da necessidade dos Partidos Comunistas e da sua estreita cooperação, o movimento comunista vive ainda uma fase de grande instabilidade e continua a ser difícil definir, com rigor, as suas componentes e fronteiras. A diversidade de situações e tarefas imediatas, experiências, culturas, de avaliação da História, sempre foram características do movimento comunista, e a existência hoje de profundas diferenças exige que a cooperação, visando a unidade na acção, assente nos princípios de igualdade de direitos, soberania e não ingerência nos assuntos internos, rejeitando tanto nacionalismos e particularismos redutores, como «modelos» e concepções uniformizadores sem correspondência com a realidade.
1.3.27. Perante a crise do capitalismo, e os perigos que esta encerra, cabe ao movimento comunista e revolucionário desenvolver a mais ampla cooperação das forças progressistas e revolucionárias anti-imperialistas, vencendo atrasos, combatendo o reformismo e o espontaneísmo, e dando vigoroso combate à ideologia dominante.
1.3.28. A ofensiva imperialista só poderá ser travada com a conjugação da luta dos povos, das forças comunistas e progressistas e dos países que assimilem, no desenvolvimento da luta, a condição essencial de associar à luta anti-imperialista o objectivo da superação revolucionária do capitalismo e da construção do socialismo.
1.2.1. Os últimos quatro anos foram marcados pela intensificação da ofensiva imperialista, com o avanço do militarismo e multiplicação das guerras imperialistas; o crescente e articulado ataque à soberania dos Estados, ao direito internacional e ao exercício pelos povos do direito à sua autodeterminação, e a abertura de frentes simultâneas de conflito diversificadas quanto aos seus objectivos, métodos utilizados e países e povos visados.
1.2.2. Dando corpo a um revanchista e violento processo de ajuste de contas com a luta dos trabalhadores e dos povos e com a História do século XX, o imperialismo procura por todos os meios perverter o edifício legal saído da II Guerra Mundial que, apesar dos retrocessos e alterações verificadas, nomeadamente no mapa político da Europa, continua a ser um obstáculo às pretensões hegemónicas do imperialismo.
1.2.3. Sendo certo que o aprofundamento da ofensiva revela uma correlação de forças ainda muito desfavorável, não é menos certo que a incapacidade do imperialismo em derrotar resistências e mistificar ou esconder os aspectos mais violentos da sua ofensiva, revela dificuldades e perda de margem de manobra no plano político e ideológico, favoráveis à luta anti-imperialista.
1.2.4. Dando expressão aos objectivos económicos centrais da ofensiva imperialista de alimentar os lucros das grandes multinacionais e de globalizar a exploração capitalista, são hoje particularmente visíveis os grandes objectivos geo-estratégicos que visam expandir o domínio das principais potências imperialistas a todo o globo: dar cobertura política e militar à expansão e instalação das multinacionais; assegurar o controlo directo das fontes e dos fluxos energéticos, das reservas de minérios, água e terras aráveis, das comunicações e principais vias de transporte de mercadorias a nível mundial; aprofundar o cerco geo-estratégico e militar às «potências emergentes» com especial destaque para a Rússia e a China, e conter processos de afirmação de relações económicas, políticas e estratégicas que fujam ao férreo controlo do imperialismo.
1.2.5. Esta é uma ofensiva que visa conter ou «domesticar» expressões autónomas de afirmação de soberania, como as que se verificam na América Latina mas também em África, no Médio Oriente e no continente asiático; prevenir revoltas sociais e sobretudo a sua transformação em movimentos de luta política que ponham em causa os interesses da classe dominante; criminalizar forças revolucionárias e focos de resistência anti-imperialista.
1.2.6. Multiplicam-se os ataques ao direito internacional e à soberania dos Estados numa estratégia global que, por via do reforço de relações de natureza colonial, do desmembramento de países e da criação de protectorados, visam a recolonização do planeta e redesenhar o mapa político mundial em favor dos interesses hegemónicos do imperialismo. Com ou sem cobertura da ONU, o objectivo é assegurar às multinacionais fontes de matérias-primas e mercados e impedir, com a corrupção e a ajuda das classes dominantes dos respectivos países, uma segunda vaga do movimento de libertação nacional e social.
1.2.7. O fortalecimento de directórios de potências; a promoção e «institucionalização» de centros de concertação e decisão do grande capital; o papel das instituições económicas internacionais do imperialismo (OCDE; FMI, BM, OMC) como rolos compressores das economias nacionais e carrascos dos direitos sociais e laborais dos trabalhadores e povos; a afirmação de instituições internacionais – como o Conselho da Europa – como centros de diversão ideológica profundamente anticomunistas; o processo de transformação da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) num instrumento da cavalgada do imperialismo para Leste desencadeada após a desagregação da URSS; a instrumentalização da ONU pelas grandes potências da NATO, subvertendo o seu papel de garante do cumprimento do direito internacional e de defesa da paz, são preocupantes expressões de uma política de crescente centralização do poder político e da sua submissão ao poder económico e às estratégias de militarização das relações internacionais.
1.2.8. Insere-se nesta linha a evolução na União Europeia que corresponde a uma nova fase da intervenção imperialista da Alemanha e de outras grandes potências europeias que se constituem como um bloco político, económico e militar, intimamente coordenado com a NATO, um pólo imperialista que, não obstante reais rivalidades e contradições inter-imperialistas, concerta e partilha com os EUA zonas de influência e intervenção. Apresentado como um «espaço de democracia» e de «defesa dos direitos humanos», trata-se na realidade de um centro político-ideológico do imperialismo, profundamente antidemocrático na sua essência e desrespeitador dos direitos dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.
1.2.9. Tentando ocultar a sua natureza exploradora, o imperialismo aprofunda e diversifica a ofensiva ideológica. Intensificam-se os processos de concentração dos meios de comunicação social e de instrumentalização das novas tecnologias da informação para impor aos povos um pensamento e um padrão cultural únicos. Promove-se o consumismo, o individualismo e a apatia e estimulam-se comportamentos anti-sociais. Projecta-se o conformismo e animam-se factores de divisão de classe como o racismo e a xenofobia. Conceitos como «guerra de civilizações», «valores ocidentais», «direitos humanos» e a instrumentalização das questões étnicas, religiosas e ambientais convergem numa estratégia para submeter os povos.
1.2.10. O carácter profundamente reaccionário das políticas económicas, sociais e de relações internacionais, e a rendição da social democracia ao neoliberalismo, afirmando-se como um pilar fundamental da ofensiva imperialista, são factores que, cruzados com as consequências sociais, económicas e demográficas da exploração capitalista, estão intimamente ligados a expressões de ressurgimento do fascismo e ao acesso de forças neofascistas ao poder em vários países, nomeadamente na Europa. Paralelamente, prossegue a reescrita da História, com o branqueamento das ditaduras fascistas e a obscena equiparação entre fascismo e comunismo, e aposta-se no anticomunismo, na criminalização dos que resistem ao imperialismo e na perseguição às forças que, das mais variadas formas, resistem e lutam contra a exploração, a opressão e a guerra.
1.2.11. A militarização das relações internacionais foi a vertente da ofensiva imperialista que mais se desenvolveu nos últimos anos. O mundo está hoje profundamente instável e inseguro. A retórica capitalista sobre a paz, que se sucedeu às derrotas do socialismo na União Soviética e Leste Europeu, é desmentida por uma realidade assente na multiplicação de guerras imperialistas de ocupação e na afirmação do militarismo como arma política e económica das maiores potências capitalistas. 1.2.12. Os conceitos fascizantes contidos na «Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América», adoptada entretanto pela NATO e pela União Europeia, foram assimilados pelas legislações ditas «anti-terroristas» de vários países. Generalizou-se a teoria da «guerra preventiva» e desenvolvem-se sofisticadas campanhas mundiais de banalização da violência e de tolerância de práticas criminosas como a tortura, os campos de concentração, as detenções ilegais, o rapto e o tráfico ilegal de prisioneiros, o apoio a grupos paramilitares e a protecção a confessos terroristas.
1.2.13. Tal ofensiva militarista e securitária é sustentada no discurso do combate ao «terrorismo global». O terrorismo, sob todas as suas formas, incluindo o terrorismo de Estado, é profundamente contrário aos interesses dos trabalhadores e povos. A História e a actualidade demonstram que é o próprio imperialismo e a sua política que promovem e alimentam o terrorismo, invocando-o depois para difundir uma falsa dicotomia entre segurança e liberdade, e para fortalecer a componente repressiva dos Estados e a devassa e controlo da vida dos cidadãos e das relações sociais.
1.2.14. O rasgar de tratados internacionais essenciais para o equilíbrio estratégico (como o Tratado ABM); a instalação do chamado «sistema de defesa anti-míssil» norte-americano na Europa; a expansão da NATO e das bases militares do EUA para as fronteiras da Rússia; as provocações contra a China; o «regresso a África» de várias potências militares, com destaque para os EUA, e a instalação do comando militar AFRICOM; a reactivação da IV Esquadra norte-americana na América Latina; o rearmamento do Japão e a revisão militarista da sua Constituição; os acordos nucleares com a Índia e as manobras de desestabilização e ingerência em Timor Leste por parte da Austrália e EUA, são exemplos elucidativos do carácter global da ofensiva militar e geo-estratégica do imperialismo e dos intentos recolonizadores que lhe estão associados.
1.2.15. O Médio Oriente e o continente asiático mantêm-se como os principais focos de instabilidade. O prosseguimento da ocupação imperialista do Iraque e dos crimes sionistas de Israel na Palestina; a intensificação da guerra no Afeganistão e o seu progressivo alastramento ao Paquistão; as provocações e ameaças de intervenção ou provocação militar contra o Irão e a Síria por parte de Israel e dos EUA; as ingerências e agressões no Líbano; as ameaças à República Popular Democrática da Coreia; a instabilidade política provocada no Sri Lanka, Bangladesh e Myanmar, configuram um perigoso cenário para a paz mundial, que assume dimensões potencialmente explosivas com a recente escalada bélica no Cáucaso por parte de uma Geórgia totalmente enfeudada ao imperialismo.
1.2.16. A realidade evidencia que é dos centros políticos e militares do imperialismo que emanam a insegurança e os perigos que caracterizam a situação internacional. O facto de as despesas militares mundiais terem aumentado, desde 1998, cerca de 45%, e de os orçamentos militares dos EUA e dos principais aliados da NATO atingirem valores recorde, demonstram bem a aposta numa nova corrida armamentista que alimenta os fabulosos lucros da sua indústria – como o comprova o aumento superior a 100% das vendas das 100 maiores empresas do complexo militar industrial na última década (74 das quais de Estados membros da NATO) –, e de um conjunto de empresas de recrutamento de mercenários e de logística que florescem num novo fenómeno de «privatização» dos conflitos militares.
1.2.17. As declarações de inquietação com o investimento militar por parte de países em desenvolvimento são cabalmente desmascaradas pelo facto de os EUA e a NATO dominarem quase hegemonicamente as capacidades militares mundiais. Só o orçamento militar dos EUA representa cerca de metade das despesas militares mundiais.
1.2.18. Num quadro de grandes inquietações quanto à possibilidade de generalização de conflitos com consequências imprevisíveis para a Humanidade, a questão nuclear readquire uma importância crescente. As principais potências imperialistas desenvolvem programas multimilionários de modernização dos seus arsenais nucleares e de sistemas de mísseis estratégicos. Ao mesmo tempo que procura impedir o desenvolvimento da indústria nuclear para fins pacíficos por parte de países que recusam a sua hegemonia, o imperialismo admite criminosamente utilizar novamente a arma nuclear.
1.2.19. A um rápido desenvolvimento do militarismo e do carácter multifacetado da ofensiva imperialista tem correspondido um fortalecimento das estruturas de coordenação estratégico-militares do imperialismo. A NATO, na sua cimeira de Riga, em Novembro de 2006, acentuou a sua natureza de organização global de carácter ofensivo, preparando-se para uma nova expansão nos Balcãs, Cáucaso e Ucrânia. Paralelamente, desenvolve um vasto conjunto de acordos de «parceria» no continente asiático e africano, tentando submeter o maior número de países possível. Os objectivos, métodos e evolução da NATO comprovam o seu carácter de «polícia de choque» do imperialismo e reforçam, de acordo com a própria Constituição da República Portuguesa, a exigência de dissolução desta organização agressiva, de cuja estrutura militar Portugal deve progressivamente desvincular-se.
1.2.20. A ofensiva do imperialismo desenvolve-se num quadro de acelerada mutação e rearrumação de forças, quer no plano da luta de classes quer dentro do próprio campo imperialista. Adquire, neste contexto, particular importância a interpretação das dinâmicas inter-imperialistas em que, num quadro de crescentes e sobretudo mais visíveis rivalidades entre os dois mais importantes pólos da tríade – União Europeia e Estados Unidos da América – em torno da competição por mercados, áreas de influência e recursos, subsistem aspectos centrais de concertação de classe e de partilha de poder.
1.2.21. A principal potência imperialista mundial – os EUA – confirmou-se nos últimos quatro anos como a ponta de lança do militarismo e belicismo imperialistas com a política fascizante da Administração Bush. Mas esse papel não será abandonado sem uma profunda alteração da correlação de forças e do sistema económico e político dominante na sociedade norte-americana, questão que não está em causa nas próximas eleições para a Casa Branca.
1.2.22. A realidade demonstra que, a não ser travada, a ofensiva do imperialismo pode pôr em causa a própria existência da Humanidade. O mundo está na verdade confrontado com grandes perigos que não devem ser subestimados. Simultaneamente, tais perigos coexistem com uma forte resistência dos trabalhadores e dos povos e com reais potencialidades de desenvolvimento progressista e mesmo revolucionário.
1.1.1. O XVIII Congresso do PCP realiza-se no contexto de uma profunda crise económica e financeira do capitalismo, cujo impacto mundial se não revelou ainda em toda a sua extensão. Esta crise, ao mesmo tempo que confirma a incapacidade do capitalismo para se libertar das crises que periodicamente o abalam, é reveladora de uma crise bem mais profunda, de natureza estrutural e sistémica que, como o PCP tem assinalado, evidencia os limites históricos do sistema capitalista e coloca a sua superação revolucionária como uma exigência do nosso tempo.
1.1.2. As análises do XVII Congresso à economia mundial e aos traços fundamentais e tendências de evolução do sistema capitalista foram confirmadas pela vida e mantêm uma flagrante actualidade. A actual crise, com epicentro nos EUA, é um novo e mais grave episódio da crise que se arrasta desde 1994/95 com os episódios da crise do peso mexicano, a crise «asiática» de 1997/98, a crise económica de 2001/03, e a crise do sector imobiliário norte-americano desencadeada em Agosto de 2007.
1.1.3. A centralização e concentração do capital e da riqueza realizam-se a um ritmo sem precedentes, impulsionadas pelos Estados ao seu serviço, pela guerra, pelas instâncias formais e informais de articulação internacional do capitalismo, pelas políticas de «competitividade» e «livre mercado» que aceleram a ruína das empresas não monopolistas e a destruição das economias mais fracas, pelo acelerado processo de fusões e aquisições, que quintuplicaram desde final da década de 80. Reforça-se o peso das grandes empresas multinacionais que controlam 2/3 do comércio mundial, algumas das quais com um peso económico superior ao de alguns Estados.
1.1.4. A financeirização do capital continua a acentuar-se. A própria dinâmica da exploração gera uma massa de capitais sob a forma de dinheiro, excedentária e em crescimento que, na busca de rápida reprodução, se desloca para a esfera financeira e especulativa, em detrimento do investimento produtivo, contribuindo para a transferência e concentração das mais-valias geradas. Uma tal situação é acompanhada da criação e crescimento de mercados cada vez mais distantes da economia produtiva (como os de «futuros» e outros instrumentos financeiros) que, no quadro da livre circulação de capitais, das deslocalizações e criação artificial da procura pelo crédito fácil, acentuam a irracionalidade e a anarquia do sistema capitalista, e se tornam factor maior da instabilidade monetária, bolhas especulativas e colapsos bolsistas, e tendem a tornar as crises cíclicas de sobreprodução mais frequentes, mais globais e mais destruidoras.
1.1.5. Intensifica-se a exploração dos trabalhadores com a extensão do uso da força de trabalho e a redução, por todos os meios possíveis, da sua remuneração, visando arrecadar a maior fatia possível de mais-valia, tirando partido do enfraquecimento temporário do movimento comunista e operário. São eixos centrais desta ofensiva a redução/estagnação dos salários reais, a intensificação dos ritmos de trabalho, a apropriação dos ganhos de produtividade pelo capital, a desregulamentação e o aumento do horário de trabalho, o aumento da idade de reforma e diminuição dos valores de reformas e pensões, a desregulação das relações laborais. A linha de ataque ao sindicalismo de classe e à contratação colectiva constitui uma das mais graves expressões da política exploradora e reaccionária do grande capital e da ofensiva imperialista. Altíssimas taxas de desemprego, generalização do trabalho precário, particularmente entre as novas gerações de trabalhadores, regressão de direitos sociais e laborais, sobre-exploração dos trabalhadores migrantes, são realidades que estão a ser falsamente apresentadas como inelutáveis.
1.1.6. Aprofunda-se a polarização social, tanto dentro de cada país, a começar pelos EUA e outras grandes potências capitalistas, como, à escala mundial, ainda que com contradições, entre o centro capitalista desenvolvido e a periferia subdesenvolvida. A flagrante contradição entre os gigantescos avanços da ciência e da técnica e as terríveis regressões sociais que percorrem o mundo contemporâneo constitui uma condenação política e moral do sistema capitalista. Segundo as próprias estatísticas da ONU, cerca de mil milhões de pessoas sofrem de fome crónica e cem mil morrem todos os dias em consequência directa ou indirecta de subnutrição.
1.1.7. Intensifica-se o ataque sistemático a funções sociais do Estado conquistadas pela luta, ao mesmo tempo que se reforça a sua componente coerciva (Forças Armadas, Polícias, Tribunais) e os mecanismos de domínio do capital e de sujeição aos centros do imperialismo.
1.1.8. Mercantilizam-se todas as esferas da vida social, numa lógica de privatizar tudo quanto possa gerar maiores remunerações ao capital (Saúde, Educação, Segurança Social, Cultura, Tempos Livres) e de transformar em negócio a própria satisfação das necessidades mais elementares da existência humana (Alimentação, Água, Ambiente). Face à deterioração das condições ambientais resultante do modo de produção capitalista, cria-se um novo «dogma ambiental» e desenvolve-se uma sofisticada ofensiva ideológica de cobertura à pilhagem de recursos e à estruturação de um «mercado ambientalista».
1.1.9. Acentua-se o carácter parasitário e decadente do capitalismo, com a instalação no poder do crime organizado e o florescimento de todo o género de tráficos criminosos (armas, droga, prostituição, trabalho escravo, órgãos humanos, crianças) com a cobertura e cumplicidade da banca internacional e seus sofisticados instrumentos de circulação e branqueamento de capitais. A expansão lucrativa assenta na multiplicação de situações de miséria e brutal destruição de relações sociais estáveis, provocadas pelas políticas de saque associadas à globalização imperialista e às ingerências e agressões militares do imperialismo.
1.1.10. A evolução do capitalismo no terreno económico e social é acompanhada de desenvolvimentos no plano político, cultural, ideológico e militar, de sentido profundamente reaccionário, e mesmo fascizante, envolvendo o ataque às liberdades e direitos democráticos; o reforço do controlo dos aparelhos ideológicos; a subordinação dos aparelhos legais e judiciários aos interesses do capital; a ofensiva contra a soberania dos Estados e de recolonização do planeta; o desenvolvimento do militarismo e uma nova corrida aos armamentos.
1.1.11. Neste pano de fundo, que caracteriza a evolução do sistema capitalista, verificaram-se, após o XVII Congresso, alguns desenvolvimentos que, para além da sua importância conjuntural, expressam novas arrumações de forças e tendências que importa sublinhar:
1.1.11.1. A crise desencadeada nos EUA com o rebentar da bolha do sector imobiliário, pondo em evidência os gravíssimos problemas de uma economia altamente deficitária, endividada e crescentemente dominada pelo complexo militar-industrial, com disparidades e problemas sociais gravíssimos, em que cerca de 35 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza. A dívida externa atinge mais de 70% do PIB. Mais do que «locomotiva» da economia mundial, os EUA são um ilimitado sorvedouro da mais-valia criada pelos trabalhadores de todo o mundo. Representando somente 4,6% da população mundial, consomem mais de 20% dos recursos energéticos, sendo responsáveis por cerca de 21% das emissões de CO2.. É incontestável a superioridade militar, o potencial cientifico e tecnológico e a hegemonia dos EUA nos mecanismos de criação e difusão da ideologia dominante. Mas o seu poderio económico e a sua posição privilegiada como principal centro financeiro mundial estão enfraquecidos, com expressão na desvalorização e descredibilização do dólar e do seu papel de moeda de reserva. Tal como os anteriores Congressos do PCP preveniram a economia norte-americana confirmou-se como o principal factor de instabilidade e crise da economia mundial.
1.1.11.2. O reforço da União Europeia como bloco imperialista, sem subestimar as fragilidades e contradições que o processo de integração capitalista na Europa envolve, torna ainda mais clara a natureza de classe da UE como instrumento do grande capital e das grandes potências capitalistas da Europa Ocidental, caindo por terra duas teses centrais com que se pretende enganar as massas: a de que a integração capitalista europeia visaria contrariar os «excessos da globalização», e a que pretende que uma «Política Externa e de Segurança Comum» e respectivos instrumentos militares, tornaria a UE mais segura e um obstáculo ao «unilateralismo» dos EUA. De facto, o que está a verificar-se, e com uma inquietante rapidez, é a intensificação e refinamento das políticas neoliberais orientadas para o aumento da exploração e do poder do grande capital e, no imediato, quer directamente quer via NATO, o reforço da aliança com os EUA e um intervencionismo agressivo cada vez mais ambicioso.
1.1.11.3. O desenvolvimento económico da China e o seu crescente peso internacional (com a perspectiva de se tornar nas próximas décadas a primeira potência económica mundial), a par da emergência de outros grandes países com altas taxas de crescimento como a Índia, o Brasil, a Rússia e outros. Ao mesmo tempo, desenvolvem-se alianças e processos de cooperação e integração regional que, situando-se em geral numa lógica de expansão das relações capitalistas de produção, tendem ainda assim (como nos casos da Alternativa Bolivariana para as Américas – ALBA, impulsionado pela Venezuela, ou da Organização de Cooperação de Xangai) a contrariar as pretensões hegemónicas dos EUA e das duas outras grandes potências da «Tríade», a UE e o Japão Estes processos, que expressam o desenvolvimento desigual do capitalismo e geram contradições inter-imperialistas, têm pesado positivamente na arrumação de forças no plano internacional e na resistência dos povos ao imperialismo.
1.1.12. A acentuação do carácter predador do capitalismo e as consequências da recolonização planetária em curso revelam-se particularmente no agravamento dos problemas agro-alimentar, energético e ambiental. A rapina das multinacionais, assente nas políticas de ajustamento estrutural do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), na liberalização do comércio mundial impulsionada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), numa desenfreada especulação bolsista, está a provocar insuportáveis aumentos de preços e a empurrar o mundo para situações de grave crise sem solução no quadro do capitalismo. Os «motins da fome», que têm tido lugar em numerosos países, contra os aumentos dos preços dos bens alimentares (mais de 37% em 2007 e 14% em 2006), constituem uma inequívoca condenação das imposições neocoloniais e da política das multinacionais do sector agro-alimentar, que assentam os seus fabulosos lucros nos mais cínicos mecanismos de reprodução capitalista da fome e da miséria.
1.1.13. O capitalismo é o modo de produção e a formação socioeconómica dominante e a dinâmica das suas contradições marca decisivamente toda a evolução mundial. Mas esta influência não é absoluta. Há forças sociais e políticas, incluindo Estados, que intervêm na configuração do mundo em que vivemos e na correlação de forças de classe em que lutamos, que pesam tanto mais quanto maior partido tiram das dificuldades e contradições do capitalismo.
1.1.14. No momento actual impõe-se passar à ofensiva no plano da luta das ideias, tirando as necessárias ilações políticas e ideológicas da crise económica e financeira desencadeada a partir dos EUA: ela está a abrir uma brecha profunda no fundamentalismo e na tecnocracia neoliberal; representa um rude golpe no triunfalismo capitalista dos anos 90, resultante das derrotas do socialismo; deita por terra toda uma propaganda visando fazer crer que o capitalismo se tornou capaz de dominar as suas contradições e furtar-se às sempre destruidoras crises cíclicas inerentes ao próprio modo de produção capitalista e ao sentido destrutivo da sua evolução.
1.1.15. No ano em que se assinalam os 160 anos do Manifesto do Partido Comunista e o 190º aniversário do nascimento de Marx uma conclusão se impõe da observação do mundo actual: não obstante as grandes transformações por que passou o sistema capitalista, a análise marxista do capitalismo mantém uma extraordinária vitalidade e as leis fundamentais da reprodução do capital formuladas por Marx e Engels revelam-se de uma flagrante actualidade. Tal é o caso da lei do valor e da teoria da mais-valia que desvenda os mecanismos da exploração capitalista e da lei da baixa tendencial da taxa de lucro, que o capital tudo faz para contrariar, intensificando quanto possa e a correlação de forças lho permita, a exploração do proletariado, e que determina a financeirização crescente da economia. Tal é também o caso da lei da pauperização relativa, que ilumina as causas de fundo inultrapassáveis pelo capitalismo das crises de sobreprodução. E tal é o caso da validade das teses de Lenine sobre o imperialismo, nomeadamente da lei do desenvolvimento desigual do capitalismo, que mostra a impossibilidade de constituição de um mecanismo único capitalista (um «super-imperialismo») que anule a concorrência dos monopólios e as contradições inter-imperialistas, causa primeira do militarismo, da agressão e da guerra.
1.1.16. A resposta do capitalismo à crise em que se debate tende para expressões de força cada vez mais violentas. Não podendo excluir-se em absoluto, a margem de manobra do capitalismo para o recurso a soluções reformistas de tipo keynesiano encontra-se limitada; a própria social democracia que no passado as corporizou, está cada vez mais comprometida com o grande capital e as mais reaccionárias e agressivas políticas do imperialismo. É uma perigosa ilusão pensar que, mantendo intocável o poder económico e político do grande capital e a ditadura do capital financeiro, é possível dar resposta aos anseios dos trabalhadores e dos povos e preservar a Humanidade de terríveis comoções e regressões de civilização. Só profundas transformações de carácter antimonopolista e anticapitalista impostas e defendidas pelas massas o podem conseguir.