Quando Lisboa anoitece como um veleiro sem velas Alfama toda parece Uma casa sem janelas Aonde o povo arrefece
É numa água-furtada No espaço roubado à mágoa Que Alfama fica fechada Em quatro paredes de água Quatro paredes de pranto
Quatro muros de ansiedade Que à noite fazem o canto Que se acende na cidade Fechada em seu desencanto Alfama cheira a saudade
Alfama não cheira a fado Cheira a povo, a solidão, Cheira a silêncio magoado Sabe a tristeza com pão Alfama não cheira a fado Mas não tem outra canção.
Grândola vila morena Terra da fraternidade O povo é quem mais ordena Dentro de ti ó cidade Dentro de ti ó cidade O povo é quem mais ordena Terra da fraternidade Grândola vila morena
Em cada esquina um amigo Em cada rosto igualdade Grândola, vila morena Terra da fraternidade Terra da fraternidade Grândola, vila morena Em cada rosto igualdade O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira Que já não sabia a idade Jurei ter por companheira Grândola a tua vontade Grândola a tua vontade Jurei ter por companheira À sombra duma azinheira Que já não sabia a idade
Em meados dos anos 50 (1954) dois brasileiros, Piratini (Antônio Amábile) e Caco Velho (Matheus Nunes) criaram uma notável canção cujo texto e música dispensam comentários (é ouvir e ler): "Mãe preta".
O texto foi proibido em Portugal. David Mourão-Ferreira escreveu outro texto, também bom, que nada tinha que ver com o brasileiro – "Barco negro". Amália Rodrigues tornou a música mundialmente famosa. No texto português a tragédia do pescador tinha substituído a tragédia da exploração e do racismo.
Mais recentemente, "Barco negro" foi gravado por Mariza e Ney Matogrosso (este para uma telenovela brasileira – "O Quinto dos Infernos") e "Mãe preta" por Dulce Pontes num dos seus mais notáveis discos.
Mãe preta
(Piratini e Caco Velho)
velha encarquilhada carapinha branca gandola de renda caindo na anca embalando o berço do filho do sinhô que há pouco tempo a sinhá ganhou era assim que mãe preta fazia criava todo branco com muita alegria enquanto na senzala seu bem apanhava mãe preta mais uma lágrima enxugava mãe preta, mãe preta, mãe preta, mãe preta enquanto a chibata batia em seu amor mãe preta embalava o filho branco do sinhô
Barco Negro
(David Mourão-Ferreira)
De manhã, que medo, que me achasses feia! Acordei, tremendo, deitada n'areia Mas logo os teus olhos disseram que não, E o sol penetrou no meu coração.[Bis]
Vi depois, numa rocha, uma cruz, E o teu barco negro dançava na luz Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor, Que nem chegaste a partir, Pois tudo, em meu redor, Me diz qu'estás sempre comigo.[Bis]
No vento que lança areia nos vidros; Na água que canta, no fogo mortiço; No calor do leito, nos bancos vazios; Dentro do meu peito, estás sempre comigo.