Desde 15 de Agosto que uma impressionante luta se ergue nos portos nacionais contra a tentativa de revisão do regime do trabalho portuário. A luta tem sido conduzida pela Frente Sindical Marítimo-Portuária, composta por diversos sindicatos dos estivadores (Centro e Sul, XXI, Aveiro, Caniçal, Viana), pelo sindicato das Administrações Portuárias, pelo sindicato da Marinha Mercante (SIMAMEVIP, CGTP-IN), pelo STE (UGT) e pelo OFICIAISMAR (CGTP-IN).
As alterações ao regime do trabalho portuário, exigidas pelas troika ocupante e concretizadas pela troika colaboracionista (PS, PSD e CDS votaram-na juntos no dia 7de Dezembro) têm sido objecto de tantas mentiras que importa aqui tentar clarificar o que Governo quer alterar e de que forma.
As perdas de produtividade e de segurança das operações portuárias e do próprio transporte marítimo que resultariam da aplicação da lei são aspectos importantes, mas a questão central e estruturante desta proposta é a precarização extrema das relações de trabalho.
Importa ter presente que historicamente, em todo o mundo, a estiva foi sempre uma profissão exercida sobre uma extrema precariedade, situação que em Portugal durou até 1979. Não por acaso, a Convenção 137 da OIT (ratificada por Portugal, o que torna a actual proposta de lei anticonstitucional) estabelece os seguintes preceitos:
«Art. 2
1. Incumbe à política nacional estimular todos os sectores interessados para que assegurem aos portuários, na medida do possível, um emprego permanente ou regular.
2. Em todo caso, um mínimo de períodos de emprego ou um mínimo de renda deve ser assegurado aos portuários sendo que a sua extensão e natureza dependerão da situação económica e social do país ou do porto de que se tratar.»
Na proposta agora aprovada por PS, PSD e CDS, a precarização da actividade portuária concretizar-se-ia em três eixos fundamentais:
1. O actual regime estabelece que o «efectivo dos portos» é «o conjunto dos trabalhadores detentores de carteira profissional adequada que desenvolvem a sua actividade profissional, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo, na movimentação de cargas». A proposta agora aprovada deixa cair a carteira profissional e o contrato sem termo. Ou seja, o efectivo dos Portos passaria a incluir todos os que lá trabalhem, efectivos ou precários, com ou sem formação – que é outra forma de dizer que deixaria de existir.
2. O actual regime remete para o Código do Trabalho o regime de contratação a termo. Agora seria criado, no Artigo 7.º, um regime novo, pior (para os trabalhadores) que o do Código do Trabalho, que passaria a permitir: contratação de muito curta duração sem qualquer limite do número de contratos; sem qualquer limite de renovações; contratação em regime intermitente.
3. As Empresas de Trabalho Portuário (EPT) são o mecanismo hoje existente para colocar a maioria do efectivo portuário, cedendo depois os trabalhadores para a actividade de movimentação de cargas dos diferentes operadores. Agora essas Empresas de Trabalho Portuário passariam a poder contratar com «recurso a relações contratuais celebradas com empresas de trabalho temporário».
Por estas três vias, as troikas (incluindo, como sempre, a UGT e o PS) criariam um regime completamente precarizado, «pioneiro» no quadro europeu portuário e na realidade laboral nacional. Um quadro que as troikas depois tratariam de tentar fazer estender para os restantes portos europeus e para os restantes trabalhadores portugueses.
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Três embustes
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Mas regressando à proposta de lei, importa ainda tentar clarificar três embustes.
Diz o Governo que a proposta se destina a aumentar a competitividade dos Portos – mas não explica como é que os restantes portos europeus, pagando muito mais à força de trabalho, são mais «competitivos» do que os Portos portugueses. Mas os Sindicatos e o Partido explicam-no: as causas radicam na carga fiscal, na desorganização, nas margens de lucro exageradas, etc!
Diz o Governo que a proposta não mexe com o actual efectivo portuário, o que é falso. Se esta fosse posta em prática, dois terços dos actuais estivadores seriam despedidos e substituídos por mão-de-obra precária, no quadro da destruição das actuais ETP.
Começou o Governo por dizer, com pompa e circunstância, que a proposta tinha sido acordada com «os sindicatos». Afinal tinha sido só com a UGT e o «Sindicato» de Leixões – 95% do Sector estava contra e lançou-se na luta.
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Breves apontamentos sobre a luta
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Na luta que está a ser travada contra a introdução deste novo regime do trabalho portuário, importa destacar algumas questões, verdadeiramente exemplares.
O Governo já propôs que o regime salvaguardasse os direitos do actual efectivo desde que os sindicatos aceitassem a precarização total do trabalho para os futuros trabalhadores. Pensava que estava a negociar com invertebrados da família do João Proença. Os Sindicatos recusaram vender os direitos das futuras gerações e assumiram antes que era sua responsabilidade lutar por eles.
Apesar do nome, o regime de trabalho portuário atinge directamente apenas os trabalhadores afectos à movimentação de cargas – os estivadores. Mas a luta tem sido travada pelo conjunto dos trabalhadores portuários, com diversas greves de solidariedade travadas pelos pilotos da barra, pelo controlo costeiro, pelas administrações portuárias, etc. Há cerca de dois meses, o Governo, pensando novamente estar a falar com gente da sua laia, propôs aos restantes sindicatos uma abertura excepcional para a negociação dos cadernos reivindicativos próprios, desde que deixassem cair os estivadores. Era um embuste, mas a resposta foi a que se impunha – o problema de um é o problema de todos.
A luta tem evidentemente provocado efeitos económicos. Mas os números do Governo são completamente disparatados. Quando o ministro dos pastéis de nata afirma que três meses de luta causaram prejuízos de 1500 milhões de euros nem se apercebe da contradição em que entra. Afinal, se 800 trabalhadores são directamente responsáveis por uma tão grande criação de riqueza, para quê a ânsia de lhes reduzir os salários e os direitos? Mesmo sem ter em conta que nesses três meses os Portos apenas estiveram encerrados cerca de 15 dias, já que as formas de luta foram muito variadas, se aplicarmos a estes números uma regra de três simples chegaríamos à conclusão de que cada trabalhador contribuiria com 500 mil euros/mês para a criação de riqueza em Portugal!
Gente muito «eminente» alimentou a calúnia, lançada pelo Governo, de que os estivadores ganhavam salários de 5000 euros. No «Prós e Contras» de dia 10 de Dezembro, olhos nos olhos com o dirigente sindical, já ninguém assumiu a paternidade da mentira! Intriguista e cobarde, esta classe dominante que só sabe falar sozinha!
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Os objectivos da troika
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No capitalismo, a força de trabalho é uma mercadoria na concorrência. A razão principal porque a troika ocupante quer impôr a precarização das relações laborais nos portos portugueses é porque o seu projecto é estender essa precaridade a todos os portos europeus. Sabendo do grau de organização e unidade destes trabalhadores, inclusivamente no plano internacional, e dos custos económicos a suportar até os derrotar, prefere travar essas «guerras» primeiro nas colónias para que depois as necessidades da «concorrência» pressionem os trabalhadores dos restantes portos a ceder mais facilmente.
É a este papel que o Governo e o torpe patronato luso se estão a prestar.
E é a consciência plena desta realidade que está a servir de motor para as lutas de solidariedade nos restantes portos europeus.
Resistir é já vencer, mas é preciso uma política patriótica e de esquerda
Recordamos que a actividade portuária, com excepção da administração dos Portos, está no essencial privatizada e, nomeadamente, são privadas as empresas de Estiva e as Empresas de Trabalho Portuário.
E aí reside a contradição. O actual Regime de Trabalho ainda promove que o essencial da actividade portuária seja realizada por trabalhadores efectivos, organizados e com direitos, e tem sido compatível com lucros significativos. Mas o crescimento desses lucros implica uma maior exploração da força de trabalho. A estabilidade do actual Regime sempre foi uma ilusão, dependente de uma correlação de forças entre capital e trabalho que está alterada.
É por isso que o PCP, estando activamente solidário com a luta de resistência dos trabalhadores portuários à destruição do actual Regime de Trabalho Portuário, tem como projecto seu uma transformação mais radical da actividade portuária, assente em Administrações Portuárias Públicas que assumam a plenitude da actividade portuária, incluindo a movimentação de cargas, libertando o sector de capitalistas, assegurando plenamente os direitos dos trabalhadores portuários – pela propriedade social dos meios de produção estratégicos e pelo vínculo laboral ao Porto – e permitindo que o sector dê o contributo que se impõe ao desenvolvimento económico de que o País necessita.
In jornal «Avante!», edição de 27 de Dezembro de 2012
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