As cinco dificuldades para escrever a verdade (Recapitulação)
(continuação)
Hoje, o escritor que deseje combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, contra cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda a parte se empenham em sufocá-la; a inteligência de a reconhecer, quando por toda a parte a ocultam; a arte de a tornar manejável como uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente, precisa de ter habilidade para difundir entre eles. Estas dificuldades são grandes para os que escrevem sob o jugo do fascismo; aqueles que fugiram ou foram expulsos também sentem o peso delas; e até os que escrevem num regime de liberdades burguesas não estão livres da sua acção.
RECAPITULAÇÃO
A grande verdade da nossa época (só seu conhecimento em nada nos faz avançar, mas sem ela não se pode alcançar nenhuma outra verdade importante) é que o nosso continente se afunda na barbárie porque nele se mantêm pela violência determinadas relações de propriedade dos meios de produção. De que serve escrever frases corajosas mostrando que é bárbaro o estado de coisas em que nos afundamos (o que é verdade), se a razão de termos caído nesse estado não se descortina com clareza? É nossa obrigação dizer que, se se tortura, é para manter as relações de propriedade. Claro que ao dizermos isso perdemos muitos amigos; aqueles que são contra a tortura porque julgam ser possível manter sem ela as relações de propriedade (o que é falso).
Devemos dizer a verdade sobre as condições bárbaras que reinam no nosso país a fim de tornar possível a acção que as fará desaparecer, isto é, que transformará as relações de propriedade.
Devemos dizê-la aos que mais sofrem com as relações de propriedade e estão mais interessados na sua transformação, ou seja: aos operários e aos que podemos levar a aliarem-se com eles, por não serem proprietários dos meios de produção, embora associados aos lucros e benefícios da exploração de quem produz. E, é claro, devemos proceder com astúcia.
Devemos resolver em conjunto, e ao mesmo tempo, estas cinco dificuldades, já que não podemos procurar a verdade sobre condições bárbaras sem pensar nos que sofrem essas condições e estão dispostos a utilizar esse conhecimento. Além disso, temos de pensar em apresentar-lhes a verdade sob uma forma susceptível de se transformar numa arma nas suas mãos, e simultaneamente com a astúcia suficiente para que a operação não seja descoberta e impedida pelo inimigo.
São estas as virtudes exigidas ao escritor empenhado em dizer a verdade.
Bertolt Brecht, Texto de 1934
Tradução de Ernesto Sampaio.
Publicado no Diário de Lisboa de 25/Abr/82