Emmanuel N'Djoké Dibango [Manu Dibango] (12 de dezembro de 1933 / 24 de março de 2020)
Num dos dias desta Primavera de 2020 morreu Manu Dibango. Tinha 86 anos e não resistiu à infecção por coronavírus. O homem que foi aplaudido por multidões vibrantes foi sepultado em silêncio no Cemitério de Père-Lachaise de Paris. Sinal destes tempos de forçada solidão, no funeral de Manu compareceram apenas os seus familiares mais próximos. Ficará na companhia de Paul Éluard, Modigliani, Chopin, Isadora Duncan, Nadar, Maurice Thorez, e tantos outros.
«Desembarquei em França depois de três semanas no mar, em 1948» – diria em entrevista ao jornal L’Humanité. «Foi pouco depois do final da guerra e, no ar, sentia-se amor. Só mais tarde é que ressurgiram os velhos demónios do racismo. Vivi toda a vida com um pé em África e o outro pé na Europa. De um lado e do outro encontrei sempre quem me dissesse que eu não era dali. Não foi fácil encontrar o meu lugar».
Emmanuel N'Djoké Dibango nasceu em Douala (Camarões) a 12 de dezembro de 1933. Filho de pais protestantes - a mãe, de etnia Douala, era costureira e o pai, de etnia Yabassi, era funcionário público - frequentava com os progenitores um templo local a cujo coro viria a pertencer.
O primeiro reportório de Manu (ainda o saxofonista vinha longe) era formado por hinos protestantes e espirituais negros com perfume de floresta equatorial. No gramofone de casa descobriu as músicas de mais-além, especialmente a francesa, a americana e a cubana, trazidas por marinheiros que passavam pelo porto de Douala e ali deixavam os velhos discos. Aos 15 anos fez-se, por sua vez, ao mar. E foi na França em que viria a desembarcar que se fixou pelo resto da sua vida. Na terra europeia relacionou-se com africanos de muitos lugares - marfinenses, senegaleses, togoleses - recordando mais tarde: «com esses primeiros encontros nascerá em mim um sentimento de pertença a uma entidade supranacional que nunca mais me abandonará. Por vezes pergunto-me se não me terei fixado em França para permanecer africano».
Manu Dibango apresentou-se na edição de 1988 da Festa do «Avante!». Uma vez mais, daquela vez em Loures, os palcos da Festa foram o lugar de apresentação de músicos de todo o mundo, representantes cimeiros de todos os géneros musicais. Num tempo que é o da luta pela emancipação dos povos, a música africana ocupou sempre um lugar central na programação da Festa, com artistas como Miriam Makeba, Johnny Clegg, Mory Kanté, Toumani Diabate, Manu Dibango, «Vieux» Farka Touré, Salif Keita, Cheb Mami, os Tubarões, e tantos mais. Naquele ano, do cimo do palco 25 de Abril, o compositor de A freak sans fric e de Soul Makossa transformou, em poucos minutos, um público que (na sua maioria) desconhecia a sua obra na multidão de cúmplices daquele grande momento de celebração da música africana que é protagonista da História.
Manu Dibango construiu uma ponte artística e cívica entre a África e a Europa. Em 2005, apoiou o Conselho Representativo das Associações Negras, o CRAN, na luta pelos direitos dos franceses afro-descendentes e dos imigrantes africanos. Profissionalmente, lutou pelo reconhecimento dos direitos laborais e a proteção dos músicos; afrontou as multinacionais do entretenimento opondo-se, em 2009 e com êxito, à utilização abusiva de Soul Makossa em canções de estrelas do showbiz norte-americano.
Correu o mundo na companhia do seu saxofone, repartiu criação com os maiores músicos de muitas gerações, foi condecorado pelo Estado francês. Mas nunca deixou de ser o homem que, sentado à mesa do café do bairro em que vivia, se achava disponível para as riquezas maiores do convívio com os dali. De Manu Dibango, para lá dos relatos de uma vida cheia, fica a inscrição da sua música na banda sonora da Humanidade. Que é, afinal, o seu lugar.