Neste início de 2010, apesar dos esforços propagandísticos dos mesmos do costume – economistas e políticos, que foram incapazes de prever a crise, as suas causas e os seus efeitos, a sua forma e o seu conteúdo – a crise financeira, económica e social não dá sinais de abrandar.
Continuamos a assistir por um lado, à desvalorização do capital sob todas as formas (comercial, financeiro). Por outro, à desvalorização da força de trabalho (como mercadoria). Para os marxistas é algo que não é nem novo, nem surpreendente. Apareceu pela primeira vez no começo do século XIX Repetiu-se sucessivas vezes. E voltará a suceder no futuro enquanto existir capitalismo.
A inevitabilidade das crises encontra-se no ADN do capitalismo. Uma economia capitalista pressupõe uma força motriz que conduza a reprodução capitalista até aos seus extremos, à acumulação de lucros imensos e a que a apropriação da mais-valia dos trabalhadores adopte uma forma de especulação monetária. Ou seja, que os imensos lucros, expressos em diferentes formas de capital, e naturalmente na sua circulação (fundos mútuos, títulos, acções em órgãos financeiros e empresas de fundos financeiros para gestão de capitais, Hedge Funds) reproduzidos como capital, como valor auto-crescente, devem ser reciclados no processo reprodutivo: sugando como vampiros novo trabalho não pago, para que se transforme em mercadoria, que depois se vende e se expressa como novo lucro.
É disto, expresso aqui duma forma muitissimo resumida e simplificada, que se trata. E não de quaisquer «maus comportamentos» (que também existiram e existem) deste ou daquele capitalista. Os sinais aí estão.
Confirma-se a tendência para as cessações de pagamentos por parte de alguns de Estados. Do Dubai à Grécia, passando pelos discursos cada vez mais inquietos das agências de classificação acerca das dívidas americana e britânica, ou pelo orçamento draconiano adoptado pela Irlanda e as recomendações da zona Euro para o controle dos défices públicos. A incapacidade crescente dos estados para enfrentar as suas dívidas é um tema sempre em destaque na comunicação social.
Refira-se que, ainda e sempre, as agências americanas de classificação não souberam (ou não puderam) antecipar este tipo de evolução. Lembremo-nos que elas não haviam previsto as implicações da crise das subprimes ou do afundamento do Lehman Brothers e da AIG. Nem igualmente a do Dubai…
Confirma-se, também, a tendência para aos governos europeus (e outros) manipularem cada vez mais as estatísticas económicas e sociais. Só que estas manipulações não fazem senão mergulhar os países ainda mais na crise. Os exemplos abundam: a «Verdade» na Grécia antes da crise actual era bem diferente da «Verdade» de hoje.
Em Portugal são conhecidos vários casos, dos quais um dos mais paradigmáticos é o da «limpeza de ficheiros» de desempregados por parte do IEFP: só no mês de Novembro de 2009 «desapareceram» dos ficheiros dos Centros de Emprego 49.501 desempregados.
Confirma-se, ainda, a impossibilidade da criação de uma política financeira comum, mesmo nas condições da recessão. Isto verificou-se em diferentes propostas, como as da Alemanha e da Grã-Bretanha sobre as medidas e pacotes de gestão da crise. Ou na formação das taxas de juro acima das que eram fixadas pelo Banco Central Europeu.
As diferentes visões sobre o Pacto de Estabilidade – se se privilegia a flexibilidade financeira ou a estabilidade monetária – expressam as diferentes necessidades dos Estados membros, e não uma falta de órgãos de governo da UE ou um excesso de poder do Banco Central Europeu.
Como nota final, uma chamada de atenção. Neste manancial de análises e informações com que quotidianamente somos bombardeados convém ter em conta um provérbio chinês: «Quando o sábio aponta a Lua, o idiota olha para o dedo».
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 10 de Janeiro de 2010
1. O Partido Socialista liderado por José Sócrates sofreu uma acentuada quebra eleitoral nas últimas eleições legislativas. Passou de maioria absoluta a maioria relativa. Perdeu mais de meio milhão de votos e 24 deputados. Obteve uma percentagem eleitoral inferior à que atingiu em 2002 quando ficou na oposição. Foi o único partido com assento na Assembleia da República penalizado pelos eleitores. Todos os outros reforçaram as suas posições em votos e deputados.
A situação deste governo é pois distinta da do governo precedente. É uma situação qualitativamente nova, que deveria ter reflexos no Programa de Governo do PS. Mas não é isso que se passa. O primeiro-ministro e tuti quanti insistem até à exaustão na peregrina tese de que os portugueses validaram no passado dia 27 de Setembro o rumo seguido pelo anterior governo do PS e o seu programa eleitoral.
Daqui decorrem duas consequências práticas. Por um lado, o governo apresentou um programa que, no essencial, mantém as políticas que conduziram Portugal à estagnação e à crise. Continuam a avolumarem-se os problemas do país, em particular o preocupante declínio económico. O que tem reflexos no permanente aumento do flagelo social do desemprego (510 356 desempregados em finais de Setembro). Prossegue, imparável, a acelerada destruição da capacidade produtiva nacional.
Por outro, assistimos, qual Calimeros, à rábula dos lamentos públicos pela não existência de condições para firmar acordos. Isto ao mesmo tempo que se manifestam no governo e no PS os tiques autoritários dos últimos 4 anos. E se ameaça com a realização de eleições antecipadas. Que credibilidade pode merecer as propostas de diálogo, quando se afirma que nada mudará no essencial da sua política?
Como foi dito no debate do Programa de Governo, nos últimos quatro anos as opções políticas do PS e a sua arrogância deram na derrota da maioria absoluta. Agora a insistência no mesmo rumo político e a arrogância, com ou sem vitimização, será o caminho da derrota do Governo.
2. Entretanto chegam-nos notícias do outro lado do Atlântico. Nos EUA a taxa de desemprego ronda os 16 por cento, o número de pobres é de cerca de 50 milhões e aproximadamente 7,5 milhões de famílias estão envolvidas em processos judiciais por falta de pagamento das respectivas hipotecas. Mas centenas de milhares de milhões de dólares do programa de resgate levado a cabo pela Casa Branca têm ido parar directamente ao bolso dos grandes grupos económicos e financeiros e seus gestores.
De acordo com um documento elaborado pelo Procurador-geral do Estado de Nova Iorque nove bancos, que receberam 125 mil milhões de dólares da Casa Branca em 2008, distribuíram pelos seus executivos prémios no valor 30 mil milhões.
Depois do escândalo envolvendo a seguradora AIG – cujos executivos gastaram centenas de milhares de dólares numa semana de férias dias depois do governo ter adquirido 80 por cento do capital da empresa – o «relatório Cuomo» revelou que o Citigroup, onde o governo injectou 45 mil milhões, entregou compensações na ordem do milhão de dólares e apresentou perdas de quase 19 mil milhões. Já o Bank of América, que recebeu do Estado uma soma idêntica ao Citigroup, distribuiu 6 300 milhões a um núcleo restrito de empregados e executivos.
A lista de compensações elaborada por Andrew Cuomo não termina aqui e inclui ainda o JP Morgan Chase, 8 690 milhões; a Goldman Sachs, 4 820 milhões; o Morgan Stanley, 4 470 milhões; o Wells Fargo & Co. 977 milhões; o Bank of New York Mellon, 945 milhões; e o State Street Corp, 469 milhões.
Onde é que já vi este filme?
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 13 de Novembro de 2009