Ana Menezes
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Aviso
[Tradução de António Ramos Rosa]
A noite que precedeu a sua morte
foi a mais breve de toda a sua vida
Pensar que estava vivo ainda
era um fogo no sangue até aos punhos
A sua força era tal que ele gemia
Foi quando atingia o fundo deste horror
Que o seu rosto num sorriso se lhe abriu
Não tinha apenas um único camarada
Mas sim milhões e milhões de camaradas
Para o vingarem sim bem o sabia
E então para ele ergue-se a alvorada
Paul Éluard
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publicado às 12:11
Ana Biscaia
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Canção da esperança
Corações nossos faróis
Na noite desta batalha
Num refulgir de navalha
Rasgai o véu aos heróis.
As nuvens hão-de passar!
Penetra-as o sol da alma
Para além do próprio olhar.
E os medos de arrefecer
Espanta-os um peito calmo
À firmeza de vencer.
Os golpes de viva dor
Temperam a fé futura
Constante forjam o amor.
E as quedas não são fatais
Se a chama desta aventura
Em nós cresce ainda mais.
A luta nunca foi vã!
Os braços em liberdade
Levantam outro amanhã.
E os lábios dão a florir
Os hinos desta verdade:
É de acção nosso porvir.
Arquimedes da Silva Santos
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publicado às 12:03
Miguel Carneiro
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publicado às 12:04
Ana Biscaia
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Entre patrão e operário
Entre patrão e operário,
entre operário e patrão,
o que é extraordinário
é pretender-se união.
Não vista a pele do lobo
quem do lobo a lei enjeita.
A propriedade é um roubo.
Ladrão é quem a aproveita.
Negar a luta de classes
é negar a evidência
de um mundo de duas faces,
de miséria e de opulência.
Armindo Rodrigues
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publicado às 12:05
Ana Biscaia
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publicado às 12:01
Christina Casnellie
Frase inscrita no memorial aos Mártires de Chicago na revolta de Haymarket de 4 de Maio de 1886
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Para vós o meu canto...
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Para vós o meu canto, companheiros da vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos,
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida margura,
nem aridez nos desertos;
vós, que modificais um leito dum rio;
- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim e confio;
- para vós os meus versos, companheiros da vida!
Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores,
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios para cantar...
Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
a crivo de bocejos as meninas fúteis...
Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.
E vou convosco. - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia de Juízo...
Que o Dia do Juízo
não é no céu... é na Terra!
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Sidónio Muralha
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publicado às 12:03
Pedro Nora
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A camisola
[Tradução de Manuel de Seabra]
Sou filho de família muito humilde,
tão humilde que duma cortina velha
me fizeram uma camisola. Vermelha.
E por causa dessa camisola
nunca mais pude andar pela direita.
Tive de ir sempre contra a corrente,
porque não sei o que se passa,
que todos os que a enfrentam
vão sempre de cabeça ao chão.
E por causa dessa camisola
não mais pude sair à rua
nem trabalhar no meu ofício
de ferreiro.
Tive de ir para o campo de jornal,
pois assim ninguém me via.
Trabalhava com a foice.
E apesar de todos os males,
sei trabalhar com duas coisas:
com o martelo e a foice.
Quase não compreendo como a gente
quando me via pela rua
me gritava: Progressista!
Eu julgo que tudo era
causado pela ignorância.
Talvez noutra circunstância
já tivesse mudado de camisola.
Mas como gosto muito dela
porque é quente e me consola,
peço-lhe que não se faça velha.
Ovidi Montllor
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publicado às 12:06
Pedro Nora
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Ana e António
A Ana e o António trabalhavam
na mesma empresa.
Agora foram ambos despedidos.
Lá em casa, o silêncio sentou-se
em todas as cadeiras
em volta da mesa vazia.
«Neo-Realismo!» dirão os estetas
para quem ser despedido
é o preço do progresso.
Os estetas, esses, nunca
serão despedidos.
Ou julgam isso, ou julgam isso.
Mário Castrim
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publicado às 12:02
Bruno Borges
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Canção dos que vivem das suas mãos
Não peço o de ninguém.
Apenas o meu pão,
meu ar.
Apenas a flor,
o fruto do que fazem minhas mãos.
Jesús López Pacheco
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publicado às 12:09
João Chambell
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De semântica
[Tradução de Manuel de Seabra]
Recentemente
na fábrica
melhoraram muito
as relações humanas.
Agora, por exemplo,
ao tirar-se o prémio semanal
a uma operária
por uma mistura de fios,
por exemplo,
ou por qualquer acto menor de indisciplina,
já não se diz impor um castigo;
diz-se:
estimular o sentido
da responsabilidade.
Miguel Martí i Pol
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publicado às 12:09