Meu caro amigo me perdoe, por favor Se eu não lhe faço uma visita Mas como agora apareceu um portador Mando notícias nessa fita Aqui na terra 'tão jogando futebol
Uns dias chove, noutros dias bate sol Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta Muita mutreta pra levar a situação Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça E a gente vai tomando, que também, sem a cachaça Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu não pretendo provocar Nem atiçar suas saudades Mas acontece que não posso me furtar A lhe contar as novidades
É pirueta pra cavar o ganha-pão Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu quis até telefonar Mas a tarifa não tem graça Eu ando aflito pra fazer você ficar A par de tudo que se passa
Muita careta pra engolir a transação E a gente tá engolindo cada sapo no caminho E a gente vai se amando que, também, sem um carinho Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever Mas o correio andou arisco Se me permitem, vou tentar lhe remeter Notícias frescas nesse disco
A Marieta manda um beijo para os seus Um beijo na família, na Cecília e nas crianças O Francis aproveita pra também mandar lembranças A todo pessoal Adeus
Fiel a um velho hábito, José Luís Tinoco, nascido há 74 anos em Leiria (27 de Dezembro de 1932), continua a deitar-se muito de madrugada e a levantar-se muito de tarde - mas sempre a muito boas horas. Arquitecto, pintor, ilustrador, cartoonista, músico e letrista, é um autor multifacetado com uma característica muito própria: em tudo o que se mete sai qualidade.
"Nasci num meio musical, mas a arquitectura e a pintura também estavam muito presentes na minha família" - começou por dizer à "Autores". Assim, foi com naturalidade que estudou arquitectura, começando no Porto, na ESBAP e acabando o curso sem sobressaltos já em Lisboa, na ESBAL.
Na capital, foi elemento activo do movimento de renovação da arquitectura portuguesa, tendo sido nomeado na década de 50 para um Prémio Valmor que nesse ano (não se lembra exactamente qual), por motivos que ainda hoje ignora, não foi atribuído. "Não me perguntem porquê, pois eu sei muito pouca coisa sobre mim próprio" - alertou sorridente.
Do que se lembra bem é que montou o seu ateliê e assim foi continuando até que as coisas começaram a correr mal na arquitectura. "Quando tive que abandonar a arquitectura, zangado com ela, virei-me para a pintura a tempo inteiro, fazendo também ilustrações e cartoons, actividades que sempre havia praticado nos meus tempos livres, devagarinho mas com paixão..." - recordou.
E a verdade é que José Luís Tinoco, alma de artista, dedicou-se, com êxito, à pintura, à ilustração, a figurinos para bailado e ao design e artes gráficas (capas de livros e discos; colaboração assídua com os Correios de Portugal traduzida em mais de uma centena e meia de selos). E até fez um filme de animação e adaptou ao cinema ao livro de Dinis Machado "O que diz Molero"...
Como pintor expôs pela primeira vez em 1956. E até hoje tem participado em numerosas exposições colectivas e individuais. Das primeiras, destaca a II Exposição de Artes Plásticas da Gulbenkian e as Bienais dos Açores, Leiria e Óbidos, onde participou por convite; das segundas, salienta as que efectuou na Gulbenkian em 1986, no Palácio Galveias em 1988 (exposição antológica, repetida na Galeria 57 em Leiria) e no Palácio Nacional da Ajuda. A última que fez terminou no passado dia 4 de Março, em Sintra.
Por outro lado, pouco depois de Abril, lançou as bases, para a Secretaria de Estado da Cultura, do Levantamento da Arte Portuguesa Contemporânea (dos anos 40 aos anos 70), que dirigiu durante dois anos. "Sabe, nesse período assistia, arrepiado, à saída para o estrangeiro, em catadupa, de obras de pintura portuguesas. Era uma verdadeira hemorragia. Senti então que era preciso fazer um alerta: aquelas obras estavam a perder-se! Fiz uma proposta à SEC, estabeleci uma metodologia, constituí uma equipa que dirigi durante dois anos, e foi uma tarefa exaltante: mil e muitos slides com reprodução de obras que estavam espalhadas por casas de coleccionadores, ateliês de artistas, galeristas, instituições várias. Apaixonei-me por aquela tarefa - mas acabou. Era para ser continuada pela SEC, mas ao que sei nunca mais se fez nada. Uma pena" - concluiu.