1. A Europa está refém da culpa do Holocausto desde a II Guerra Mundial. Mas honrar a memória do Holocausto será travar a mortandade em Gaza agora. E honrá-la enfim, porque essa memória foi traída até chegarmos a isto: 2,3 milhões de pessoas trancadas num gueto, bombardeadas dia e noite, metade das quais deslocadas, sem água, comida, assistência. E foi traída também no gueto-arquipélago da Cisjordânia, onde quase três milhões de palestinianos enfrentam a violência de colonos cada vez mais radicais. Os hoje 700 mil colonos que Israel foi plantando com betão e alcatrão, bem agarrados ao chão, tanto na Cisjordânia como em Jerusalém Oriental, todos ilegais à luz do que a Europa assinou. E que assim impedem a “Solução Dois Estados”, como os líderes mundiais — todos eles — estão cansados de saber.
O direito internacional dá provas de não servir para muito. Israel violou a lei quando cortou o fornecimento de eletricidade, água, combustíveis e comida na Faixa de Gaza. Viola a lei quando bombardeia áreas residenciais, hospitais, abrigos das Nações Unidas ou escolas, viola a lei quando dá avisos prévios impossíveis de cumprir e claro que viola a lei quando mata civis. Mas nada disto tem consequências. Está a decorrer um massacre à vista de todos. O número de mortos que se perspectiva e a forma como estão a tentar eliminar os palestinianos da região obrigam a falar em genocídio e limpeza étnica.
A Sociedade israelense está permanentemente a desviar-se para a direita, pelo que todo o paradigma político do país está em constante redefinição. Israel, agora «governado pelo Governo de direita mais extrema da sua história», passou em poucos anos de uma apreciação informada a um cliché sem nexo.
De facto, ultrapassou essa fronteira exatamente em maio de 2015 quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, já ele da mais extrema da direita, com uma maioria de pessoas politicamente afins, fanáticos religiosos e ultranacionalistas. Ao trazer para o seu redil o ultranacionalista Avigdor Lieberman, Netanyahu repete a sua arquiconhecida fórmula.
Desde 25 de maio que Lieberman se tornou ministro da Defesa de Israel. Tendo em conta a política ruidosa e violenta de Lieberman como ficou demonstrado nos seus dois mandatos como ministro das Relações Exteriores (2009-2012 e depois 2013-2015) agora como ministro da Defesa de Israel do «Governo de direita mais extrema da história» alberga todo o tipo de aterradoras perspetivas.
«De Hollande a Obama, de Clinton a May, de Merkel a Renzi, a frente do combate «contra o terrorismo» é inexpugnável. No meio deles, Benjamin Netanyahu funciona como uma referência dessa grande confraria democrática e pacifista. Ele não hesita em usar a guerra e o terrorismo contra «o terrorismo», nem que tenha de arrasar a vida de crianças, sustentar bandos de criminosos, «islâmicos» ou não, ou fazer gato-sapato do direito internacional e dos mais elementares direitos humanos.
Quando os principais dirigentes mundiais dizem que estão «em guerra contra o terrorismo» ou são favoráveis à existência de dois Estados na Palestina, mentem com quantos dentes têm na boca. E são cúmplices, disso não haja qualquer dúvida, com o terrorismo de Estado tal como é praticado por Israel.»
«O general Herzi Halevy, chefe dos serviços de espionagem militar do Estado de Israel, declarou recentemente, numa conferência em Herzlia, que “não queremos a derrota do Daesh (ou Isis, ou Estado Islâmico) na Síria”. Os seus “actuais insucessos colocam Israel numa posição difícil”, lamentou, de acordo com uma transcrição publicada no jornal Maariv, conotado com a direita política sionista.
A última coisa de que o general Halevy pode ser acusado é de usar uma linguagem hermética, hipócrita, ao contrário de tantos dirigentes políticos mundiais, de Hollande a Obama, de Mogherini a Hillary Clinton, do secretário-geral da NATO aos autocratas da União Europeia. Ele é directo, fala com clareza, respeitando, aliás, a prática do seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que se deixa fotografar em hospitais israelitas visitando terroristas da Frente al-Nusra (al-Qaida) feridos durante a agressão à Síria soberana.»
Para o deputado comunista do Parlamento israelita, membro do movimento Hadash: «Não se trata apenas de um problema entre o Hamas, Israel e a atual escalada, a verdadeira questão continua a ser a da ocupação, o facto de os Palestinianos não terem o direito à autodeterminação, com a criação do seu próprio Estado independente».
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Qual é o objetivo do governo israelita?
Dov Khenin. É uma questão em aberto! Mesmo o situacionismo israelita compreende que é impossível destruir o regime do Hamas em Gaza com uma operação militar. Daí, a questão sobre a verdadeira razão do ataque em curso. Mesmo se o objetivo real era o de conseguir uma espécie de calma no sul de Israel, é necessário recordar que houve operações similares no passado. Há quatro anos, a operação “Chumbo fundido” destinava-se a resolver a questão. Na realidade, ela levou muitos sofrimentos a Gaza – 1.400 pessoas foram mortas e centenas de casas destruídas. E, no final, nada mudou verdadeiramente. O problema da segurança permanece. É preciso, de uma vez por todas, compreender que a via militar não resolverá o problema da segurança dos cidadãos israelitas.
O que pensa dos países que, como a França, pretendem que os palestinianos e israelitas partilhem a responsabilidade do que se passa?
Dov Khenin. É preciso considerar de forma mais ampla a questão palestiniana. Não se trata apenas de um problema entre o Hamas, Israel e a atual escalada. É um problema mais importante e mais amplo. A questão principal não é a de saber quem atira sobre Gaza ou sobre o sul de Israel. A verdadeira questão continua a ser a da ocupação, o facto de os Palestinianos não terem o direito à autodeterminação, com a criação do seu próprio Estado independente. Uma tal situação, como é evidente, não permita avançar no sentido de chegar a um acordo de paz e de pôr fim à escalada militar. Eis aqui a questão central. Infelizmente, a União Europeia não toma uma posição firme sobre a questão da paz.
Existe o perigo de que uma tal operação, por sua vez, enfraqueça Mahmoud Abbas na véspera da sua nova intervenção na ONU para reclamar o estatuto de Estado observador?
Dov Khenin. Antes do início da operação sobre Gaza, o governo tinha desenvolvido a ideia de se desembaraçar de Mahmoud Abbas e da Autoridade Palestiniana. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman, disse-o abertamente. Esta nova guerra é talvez desenvolvida para lançar Abbas num determinado campo político dos combates que se desenrolam na arena israelo-palestiniana.
O partido Comunista e o movimento Hadash organizam manifestações contra a guerra em Gaza. Como são recebidos?
Dov Khenin. Não é fácil! Realizamos a nossa primeira manifestação mesmo na tarde do desencadeamento da operação. Atualmente, lutamos contra uma corrente nacionalista que se desenvolve em Israel. É importante que vozes diferentes se façam ouvir, alternativas que, com o tempo, recebam cada vez mais apoio da parte de diferentes setores da opinião pública israelita.
A nova guerra de Israel contra Gaza foi – como em 2009 – um massacre de civis. Por muito que a comunicação social fale dos «rockets sobre Israel», um tenebroso balanço não deixa margem para dúvidas sobre quem são as reais vítimas. De 163 mortos, 156 são palestinos. Destes, 104 eram civis, incluindo 33 crianças e 3 jornalistas (Comité Palestino para os Direitos Humanos). O número de feridos palestinos ultrapassou o milhar. O sangue derramado soube a pouco em Israel. O ministro do Interior Eli Yishai declarou durante os bombardeamentos que «o objectivo da operação é fazer Gaza regressar à Idade Média» (notícias em directo do Haaretz e BBC, 17.11.12). O Ministro dos Transportes pediu para «Gaza ser bombardeada tão intensamente que a população tenha de fugir para o Egipto» e um deputadodo Knesset afirmou aos soldados: «Não há inocentes em Gaza. Não deixem que um qualquer diplomata que queira fazer boa figura no mundo ponha em perigo as vossas vidas: ceifem-nos!» (RT, 20.11.12). O filho do ex-primeiro-ministro Ariel Sharon (um criminoso de guerra responsável – entre outros – pelo massacre de muitas centenas de palestinos nos campos de Sabra e Chatila em 1982) escreveu num editorial no Jerusalem Post (18.11.12): «Os residentes de Gaza não são inocentes, elegeram o Hamas. […] Temos de arrasar bairros inteiros de Gaza. Reduzir toda Gaza a escombros. Os americanos não pararam em Hiroshima – os japoneses não se rendiam o suficientemente depressa e por isso atacaram Nagasáqui também». É difícil imaginar que tantas barbaridades criminosas fossem ditas noutro qualquer país sem alarido. Mas Israel goza de um estatuto de impunidade ímpar. Pode comportar-se como se vivesse na Idade Média e continuar a ser tratado como um país normal.
Longe das manchetes e dos telejornais, até se confessam algumas verdades. O New York Times (NYT, 14.11.12) escreve: «Desde então [2009] o Hamas respeitou um cessar-fogo informal, embora frágil, e por vezes procurou também obrigar grupos militantes mais pequenos a respeitá-lo. Mas nos meses mais recentes, sob pressão de parte da população de Gaza [que se queixava] de não haver resposta a mortíferos ataques aéreos israelitas, o Hamas tinha reivindicado a participação nalguns lançamentos de rockets». Vale a pena recordar as palavras do general israelita Moshe Dayan (NYT, 11.5.97) relatando antecedentes da ocupação por Israel, em 1967, dos Montes Golã sírios (ainda hoje ocupados): «Sei como começaram pelo menos 80% dos conflitos na zona. Na minha opinião mais de 80%, mas digamos 80%. Nós enviávamos um tractor para arar um terreno […] na zona desmilitarizada [da fronteira] e já sabíamos que os sírios iriam disparar. Se não disparassem, dizíamos ao tractor para avançar mais, até que os sírios se irritavam e disparavam. Aí utilizávamos a artilharia e depois também a aviação. Era assim». Palavra de general israelita...
A verdade incontornável é que hoje mesmo – 29 de Novembro – passam 65 anos que a ONU decretou a criação de dois estados em território palestino: um judaico e outro árabe. O primeiro foi logo criado, através duma limpeza étnica – para usar o título dum livro sobre a Nakba de 1948 do historiador israelita no exílio Ilan Pappe. O segundo, passadas seis décadas e meia, continua a ser objecto de vagas promessas, resoluções da ONU nunca cumpridas, acordos sucessivamente violados – e mais limpezas étnicas. Até mesmo o pedido de reconhecimento da Palestina como Estado não-membro (sic) da ONU (o estatuto do Vaticano) – que hoje vai a votos na Assembleia Geral – merece a recusa de Israel e do seu patrão norte-americano. Os dirigentes das potências imperialistas e da comunicação social ao seu serviço não se cansam de repetir que Israel tem «direito à segurança» e a «defender-se». Mas os palestinos parece que não. Apenas lhes reservam o «direito» de morrer em silêncio. Novos ataques contra Gaza se seguirão. E não só. O NYT (22.11.12) titula: «Para Israel, o conflito de Gaza é um teste para um confronto com o Irão». E a julgar pelos tambores de guerra anunciando uma escalada da NATO nas fronteiras da Síria, não é só Israel que quer trazer de volta a Idade Média.
(sublinhados meus)
In jornal «Avante!», edição de 29 de Novembro de 2012
«A escalada de violência no Médio Oriente é o resultado da actuação das principais potências imperialistas, nomeadamente os EUA e países da União Europeia, como a França que, em aliança com a Arábia Saudita, o Qatar e outras monarquias ditatoriais do mundo árabe e usando o sionismo de Israel como ponta de lança, visa assegurar por via da guerra e da submissão de países soberanos o domínio imperialista sobre os abundantes recursos naturais e energéticos da região.»
«Quase três anos passados sobre o início da criminosa incursão militar israelita contra a população palestiniana da Faixa de Gaza (17 de Dezembro de 2009), Israel desencadeia mais uma criminosa acção militar, de proporções e objectivos ainda não completamente conhecidos, com efeitos devastadores para o povo palestiniano e com perdas de vidas humanas entre a população civil, incluindo crianças.
Esta acção criminosa é mais uma a juntar às inúmeras provocações e acções contra o povo palestiniano, levadas a cabo pelo governo de Israel com apoio dos USA e de países europeus comprometidos com o militarismo sionista (...)»
«Mais de um quarto de milhão de pessoas protestou em Telavive, e pelo menos outras 50 mil fizeram o mesmo em diversas cidades do país contra os exorbitantes preços das habitações, os privilégios dos colonos nos territórios ocupados da Palestina, a degradação da educação e das condições de vida das camadas laboriosas em geral, entre outras reivindicações.
As manifestações de sábado à noite foram as maiores movimentações de massas de sempre em Israel, tendo surgido na sequência das iniciativas desencadeadas, há cerca de um mês, pelos jovens com baixos salários, precários ou desempregados.»