Conversas com LIVROS: Bento de Jesus Caraça
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Bento de Jesus Caraça - Um exemplo de confiança no futuro
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A dizer a frase do título podia ter sido Fernanda Câncio, claro que podia! Se foi ela que escreveu, a propósito do «Avante!», os artigos Os lacaios do 'socialismo' (17 de Setembro) e Doutrina jornalística (24 de Setembro)! E ambos no Diário de Notícias, essa pérola, esse cristal do jornalismo puro e independente, desde a primeira à última página, incluindo todas as que têm publicidade. Mas não, não foi ela que escreveu a frase, embora pudesse ter sido. Não foi ela nem ninguém que, na actualidade, escreve ou diz coisas semelhantes sobre o PCP, em blogues, em jornais e noutros meios de comunicação.
Quem disse então que o PCP tem dois jornais de propaganda, intitulados Avante e Militante, onde destila subtilmente a peçonha das suas doutrinas?
Recuemos até 1949. A 25 de Março de 1949, Álvaro Cunhal foi preso pela terceira vez, numa casa clandestina do Luso. Com ele foram também presos Militão Ribeiro e Sofia Ferreira. Militão Ribeiro viria a morrer na prisão. «Até às vésperas da morte, Militão manteve a preocupação de comunicar ao partido a sua fidelidade e confiança. Escreveu várias cartas à Direcção do Partido, que foram interceptadas pelos carcereiros, só tendo chegado duas ao seu destino, uma das quais escrita com o seu próprio sangue. A PIDE assassinou-o cruelmente, um crime lento, dos que não deixam vestígios. Militão morreu de inanição em 2 de Fevereiro de 1950».
Em 31 de Março e 22 de Abril de 1949 deputados da Assembleia Nacional fascista, Mário de Aguiar e Pinheiro Torres, resolveram regozijar-se com estas prisões.
O primeiro, Mário de Aguiar, começou por enviar «as mais patrióticas e sinceras saudações» ao «Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros», «o eminente estadista Sr. Dr. Caeiro da Mata»(1), por ir «em direcção a Washington», «ao serviço da Nação», «assinar, no dia 4 de Abril, o Pacto do Atlântico».
[Seguramente que Fernanda Câncio, se já fosse jornalista em 1949, também enviaria «as mais patrióticas e sinceras saudações» ao «Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros»... Pois se foi ela que, no dia 13 de Agosto, no mesmo DN, nos confidenciou que apoiou a invasão do Iraque («apoiei a invasão americana»(2)) e, mais recentemente, murmurou a estranha confissão: «... estou ainda para ver o resultado das invasões que apoiei (afeganistão e iraque)...»!]
Em seguida, Mário de Aguiar exprimiu o seu «contentamento» pela prisão dos três comunistas. E é então que se sai com a frase «é público e notório que esta seita, que é comandada do exterior, tem dois jornais clandestinos de propaganda, intitulados Avante e Militante.»
Daqui vem a primeira parte da frase do título.
A segunda parte da frase do título foi tirada da intervenção de Pinheiro Torres: «Não menos perigosa, não menos para recear, é a acção deles nos livros que publicam, nas conferências que fazem, no que escrevem nas revistas e jornais, onde destilam subtilmente a peçonha das suas doutrinas!»
Eis, em seguida, excertos dos dois discursos:
1. Na página 420 do nº 184 do Diário da Assembleia Nacional (sessão de 31 de Março de 1949):
O Sr. Mário de Aguiar: - Sr. Presidente: pelas notícias publicadas nos jornais de hoje o País tomou conhecimento de dois factos que devem merecer a atenção da Assembleia. Um deles diz respeito à viagem aérea que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros iniciou na madrugada de hoje em direcção a Washington, onde, ao serviço da Nação, deve assinar, no dia 4 de Abril, o Pacto do Atlântico. (...)
O outro facto a que também se refere a imprensa diária é a descoberta pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado de uma parte da organização comunista e prisão de alguns dos seus principais agitadores.
(...)
É público e notório que esta seita, que é comandada do exterior, tem dois jornais clandestinos de propaganda, intitulados Avante e Militante.
É de esperar que tal imprensa seja apreendida e presos os traidores à Pátria, que a atraiçoam com as mãos já tintas de bom sangue português, perseguindo-os a polícia até ao seu total aniquilamento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
2. Na página 545 do nº 191 do Diário da Assembleia Nacional (sessão de 22 de Abril de 1949):
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Pinheiro Torres.
(...)
O Orador: - Haja em vista as últimas descobertas levadas a efeito pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado no campo comunista. Essas descobertas vieram, mais uma vez, pôr em destaque a extensão e importância da actividade dessa organização antinacional e, portanto, o perigo que representa para todos nós.
(...)
Não menos perigosa, não menos para recear, é a acção deles nos livros que publicam, nas conferências que fazem, no que escrevem nas revistas e jornais, onde destilam subtilmente a peçonha das suas doutrinas!
(...)
Aproxima-se outro acto eleitoral. Temos já a certeza de que os comunistas tencionam, de novo, perturbar o País, aproveitando-se desse período. É o que se conclui das notícias publicadas sobre a apreensão da tipografia clandestina, onde o Avante e o Militante eram feitos. No número do Avante que estava a ser composto e impresso havia um artigo já pronto em que se aconselhavam as comissões organizadas a não se dissolverem.
Ora, o País não quer que os comunistas, e seus parceiros, gozem das mesmas liberdades dos bons portugueses.
(...)
Os comunistas, e aqueles que com eles estão ligados, têm de ser perseguidos, estejam onde estiverem!
(...)
(1) José Caeiro da Mata foi o Ministro da Educação Nacional que, a 7 de Outubro de 1946, assinou o despacho ministerial de demissão de Bento de Jesus Caraça e Mário de Azevedo Gomes.
(2) Neste mesmo artigo confessa FC que tem conhecimento da extrema gravidade das suas opções: «Quero acreditar que não morreu tanta gente - iraquianos e ocupantes - para nada»... Comentários para quê?
«Confesso: apesar de não ter a menor estima por Bush e de não ter comprado a treta óbvia das armas de destruição maciça, apoiei a invasão americana» (Fernanda Câncio)
Para Ver:
«Quero acreditar que não morreu tanta gente - iraquianos e ocupantes - para nada» (Fernanda Câncio)
Para Ler:
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Um semanário francês publicava, há alguns meses, um desenho que, em síntese feliz, ilustrava o panorama político de então: na clínica do Doutor S. D. N. um doente - o mundo - é examinado pelo médico; este olha com terror para a língua do paciente, uma enorme língua entumescida sobre a qual se vê um canhão, e aconselha os comparsas da clínica que se comprimem à porta - não se aproximem! a língua está carregada!
De então para cá, a situação não se tem alterado nas suas linhas fundamentais, antes estas se têm demarcado com maior intensidade - o doente continua padecendo do mesmo mal, dia a dia agravado, e da boca do médico não mais têm saído do que débeis conselhos gaguejados: cuidado! a língua está carregada! - confissão clara da sua impotência para curar.
Catorze anos após o termo desse acesso de loucura que precipitou a humanidade num abismo de horror, encontramo-nos novamente na iminência de um acesso maior, estamos à beira de um abismo mais fundo. E para esse abismo rolaremos todos se, num esforço colectivo, não nos unirmos para dizer - NÃO! mas dizer - NÃO! com uma vontade firme, aquela vontade do homem forte e consciente que de antemão prevê as consequências e de antemão as aceita em toda a sua extensão e em toda a sua inteireza.
O tomar essa atitude exige, antes de mais nada, um sério trabalho interior, um trabalho de revisão de ideias e de valores morais. E não é sem esforço e sem sofrimento que esse árduo trabalho pode ser levado ao fim; pelo caminho, e por efeito de uma análise impiedosa de todos os factores do problema, aparecerão como devendo ser abandonadas muitas ilusões, muitas ideias que até aí pareceriam fazer parte integrante do nosso ser moral. Pois bem! Que haja a coragem de as abandonar e se ao cabo aparecermos outros homens - tanto melhor!
Mas é só depois de conseguida essa harmonia interior sem a qual é ilusória e inconsistente toda a tentativa de acção, que pode ser útil e profícua a projecção da vontade sobre o meio ambiente. Actuar, sim, mas com um plano; nada de esgrimir contra moinhos; alcançar os pontos de enraizamento do mal; abandonar o trapo vermelho para atingir a mão que o manobra.
Só assim a multidão dos pacifistas deixará de ser, na frase justa de Einstein, um rebanho de carneiros lamurientos num redil. E só assim esse rebanho deixará em breve de fornecer abundante carne para os canhões, esses canhões de cujo fabrico e venda as organizações capitalistas internacionais sabem tirar, com que mestria!, os grossos lucros que lhes avolumam a bolsa.
A luta contra a guerra comporta muitos e variados problemas de ordem prática; é impossível, num artigo de jornal, fazer deles sequer uma enumeração, mesmo incompleta.
Quero apenas referir-me, por agora, a um aspecto da questão - o papel que nessa luta desempenham, ou virão a desempenhar, os intelectuais.
Não é brilhante, está mesmo extremamente longe disso, a sua folha de serviços nesse particular. O exemplo da última guerra é, a esse respeito, esmagador. Salvo um pequeno número de espíritos livres e independentes - Romain Rolland acima de todos - o seu fracasso foi completo. Em vez de lançarem na balança todo o peso do seu prestígio para procurarem evitar o desencadeamento da catástrofe e pôr ordem num caos de loucura, usaram desse mesmo prestígio para activar a fogueira, para aumentar a desordem. Onde deviam elevar-se, aviltaram-se, ao desempenho de uma missão nobre e humana preferiram a traição.
Está, ao menos, a situação mudada no presente? Vêem-se, porventura, sinais claros e precisos de um propósito de resgatar um passado escuro? A verdade deve dizer-se, sempre e acima de tudo, e a verdade é - não! Existem, sem dúvida, núcleos apreciáveis de homens firmes, de “homens de boa vontade” que, na luta contra a guerra, põem o melhor da sua inteligência e da sua actividade - o recente congresso de Amsterdam é disso uma prova bem patente - mas, infelizmente, a maioria, a grande maioria dos intelectuais apresta-se para uma nova renegação do espírito. Se uma guerra estalar, e nunca estivemos tão perto dela, veremos de novo surgir, por esse mundo, milhares de fáceis heróis de escrevaninha, a bolsar as mesmas torrentes de mentiras que levem à frente da batalha - os outros… e lhes assegurem a eles cómodas situações à retaguarda.
O mundo está, como estava em 1914, governado por homens inferiores, caricaturas de homens, e o que eles governam não é uma sociedade humana - é uma caricatura de sociedade humana.
E será assim, enquanto homens novos não tomarem a direcção do mundo para fazer dele uma sociedade de homens livres.
Que todos se apercebam bem disto - no momento que passa, a trincheira da luta pela Humanidade é a trincheira da luta contra a guerra. É a hora de falar claro e de cada um escolher a sua posição.
A minha está escolhida há muito tempo.
Bento de Jesus Caraça. Artigo publicado no semanário Liberdade nº 181-182, de 11 de Novembro de 1932.
«O mundo está, como estava em 1914, governado por homens inferiores, caricaturas de homens, e o que eles governam não é uma sociedade humana - é uma caricatura de sociedade humana».
adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge
(...)
Os espíritos moços, como sempre, viviam os acontecimentos com intensidade, despertavam para as preocupações mais fundas, auscultavam o futuro cheios de optimismo, uniam-se para pensar.
(...)
O futuro imediato não correspondeu às aspirações e impaciências desses espíritos juvenis e ardentes. O desenvolver da vida social europeia seguiu por caminhos que haviam de provocar a revisão de muitos optimismos fáceis e, em contrapartida, fazer abrir muitos olhos para realidades cruéis, em suma, proporcionar grandes lições.
Tudo isso fez que se amortecessem alguns entusiasmos das primeiras horas. Que importa? é essencial que tenham existido! Mas foram mais algumas ilusões perdidas, dir-se-á. Não. As ilusões nunca são perdidas. Elas significam o que há de melhor na vida dos homens e dos povos. Perdidos são os cépticos que escondem sob uma ironia fácil a sua impotência para compreender e agir; perdidos são aqueles períodos da história em que os melhores, gastos e cansados, se retiram da luta, sem enxergarem no horizonte nada a que se entreguem, caída uma sombra uniforme sobre o pântano estéril da vida sem formas.
Benditas as ilusões, a adesão firme e total a qualquer coisa de grande, que nos ultrapassa e nos requer. Sem ilusão, nada de sublime teria sido realizado, nem a catedral de Estrasburgo, nem as sinfonias de Beethoven. Nem a obra imortal de Galileo.
In Bento de Jesus Caraça. Excerto da nota explicativa inserta na 2ª edição da conferência A Cultura Integral do Indivíduo — Problema central do nosso tempo, em cadernos da Seara Nova, 1939.
Nem A Evolução de Darwin!
GALERIA DE IMAGENS para fazer download
adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge
«O que é o homem culto? É aquele que:
1.º Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence;
2.º Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano;
3.º Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior a preocupação máxima e fim último da vida.
Ser-se culto não implica ser-se sábio; há sábios que não são homens cultos e homens cultos que não são sábios; mas o que o ser culto implica, é um certo grau de saber, aquele que precisamente que fornece uma base mínima para a satisfação das três condições enunciadas.»
Bento de Jesus Caraça, no seu texto «A cultura integral do indivíduo» (conferência proferida na União Cultural « Mocidade Livre», em 25 de Maio de 1933)
In jornal «Avante!»
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