Regressado ao convívio dos leitores quase 3 meses depois da última «Conversa da Treta» impõe-se um breve balanço deste período. Decorreram duas eleições. Fechado um longo e complexo processo eleitoral importa reflectir sobre os seus resultados.
Nas eleições para o Parlamento Europeu, recorde-se, o resultado obtido pela CDU traduziu-se num crescimento da sua votação superior a 70 mil votos (correspondente a um aumento de 23% da sua massa eleitoral). No aumento de 1,6 pontos da sua percentagem eleitoral (de 9,1% em 2004 para 10,7% em 2009) e na confirmação da eleição dos dois deputados (no quadro da redução de 24 para 22 mandatos nacionais, que a não se ter verificado teria assegurado a eleição do terceiro deputado). Um resultado expressivo, acompanhado do crescimento em todos os distritos, regiões autónomas e emigração, e com a obtenção da condição de força mais votada nos distritos de Setúbal, Évora e Beja.
O distrito de Viseu não fugiu à regra. Antes pelo contrário: a CDU quase duplicou o número de votos (aumento de cerca de 82% da sua massa eleitoral).
Nas eleições para os deputados (e não para primeiro-ministro…) da Assembleia da República o resultado alcançado pela CDU significou mais um passo no sentido do crescimento sustentado que nos últimos anos vem registando. Crescimento esse que se traduziu, nestas eleições, num novo aumento da sua expressão eleitoral alcançando 446.179 votos (sem os círculos da emigração), uma percentagem de 7,9% e a eleição de 15 deputados. Este resultado constitui um factor de inegável significado, tanto maior quanto identificado com um projecto claro e distintivo de ruptura e mudança para o país.
No distrito de Viseu o crescimento significou um aumento de 28% da massa eleitoral da CDU.
Nas eleições para as autarquias locais a CDU apresentou candidaturas a 301 municípios e listas a 2275 freguesias, o que constituiu a mais expressiva presença de candidaturas desde 1989. Eram independentes cerca de 40% dos quase 40 mil candidatos apresentados.
A CDU obteve uma importante votação, com um resultado de 10,7% para as Assembleias Municipais e uma votação global de 593.000 votos. Manteve a maioria dos municípios onde detinha a presidência. Reforçou as suas posições em toda a península de Setúbal, afirmando a CDU como a força maioritária na Área Metropolitana de Lisboa. Conquistou os municípios de Alpiarça, Alvito e Crato. Alcançou mais de três mil mandatos directos.
O conjunto dos resultados obtidos traduziu-se num crescimento superior a 3 pontos percentuais e a mais de 150 mil votos quando comparados com os das Legislativas realizados quinze dias antes.
Esta expressão eleitoral não anula o carácter insatisfatório de um resultado que ficou aquém dos objectivos. Para isso contribuiu, entre outras razões, a proximidade destas eleições com as eleições legislativas realizadas há apenas duas semanas. O que não permitiu que o valor do trabalho, da obra e do projecto da CDU no poder local e o mérito que lhe é largamente reconhecido, se tivessem plenamente afirmado nestas circunstâncias.
No distrito de Viseu, apesar de uma imensa campanha mediática destinada a favorecer uma artificial bipolarização, a CDU regista um aumento de 25% da sua massa eleitoral na votação para as Assembleias de Freguesia. Quase que duplica o seu número de eleitos. Alarga significativamente o número de concelhos onde passa a ter representantes. Conquista duas freguesias.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
1. Não deixa de ser intrigante que um dos eixos fundamentais da campanha eleitoral do PPD/PSD tenha sido a «asfixia democrática».
Os leitores recordar-se-ão que em sucessivos escritos nesta coluna foram revelados comportamentos «asfixiantes» de diversos interventores com responsabilidades institucionais nas diferentes fases dos processos eleitorais. Sobre algumas das questões aqui levantadas membros da Comissão Nacional de Eleições vieram a terreiro pronunciar-se. Pois bem, em mais de noventa por cento dos casos relatados a sua origem esteve em militantes do PPD/PSD, nomeadamente em autarcas seus.
A direcção do PPD/PSD sanciona tais comportamentos? Pergunto porque nunca li, ouvi ou vi declarações de críticas dessas actuações. Ou será que desconhece a realidade? Ou, o que é mais grave, sabe e assobia para o lado?
Quando na Madeira, ainda não há muito, se ameaçava atirar os comunistas e outros democratas ao mar estávamos (estamos?) perante comportamentos democráticos? Quando um primeiro-ministro do PPD/PSD, hoje Presidente da República, permitiu que durante anos a fio os então denominados Serviços de Informação da República lhe remetessem relatórios onde partidos políticos, sindicatos, movimentos de cidadãos, associações cívicas e tuti quanti eram apelidados de «inimigos internos» estamos perante o quê?
2. Igualmente intrigante é a «extraordinária vitória eleitoral» do Partido Socialista. O PS sofreu uma acentuada quebra eleitoral. Passou de maioria absoluta a maioria relativa. Perdeu mais de meio milhão de votos e 24 deputados. Algum leitor caridoso me quer explicar em que parte do mundo é que tudo isto pode ser interpretado como «extraordinária vitória»? Parafraseando alguém «depois o burro sou eu…»
Como intrigante foi (ou talvez não), mais uma vez, a peregrina ideia veiculada por quase toda a comunicação social de que estas eleições se destinavam a eleger um primeiro-ministro em vez de 230 deputados. Mas os leitores querem apostar comigo que os que criaram as «caixas» de eleições para primeiro-ministro vão ser os mesmos que mais adiante vão falar da não ligação dos deputados aos eleitores?
Menos intrigante foi o assistirmos, também sem carácter de novidade, a uma cobertura por parte de muitos órgãos de informação das campanhas eleitorais das diferentes forças políticas assente numa atitude pré-determinada de silenciamento, desvalorização e discriminação de alguns partidos face a outros. Mais uma vez nos títulos de jornais, revistas, rádios e televisões predominaram as tentativas de bipolarização PS-PPD/PSD, a crescente fulanização, a lateralização dos assuntos relevantes da campanha. Os objectivos são conhecidos: por um lado, escamotear as responsabilidades que PS, PPD/PSD e CDS/PP partilham na actual situação do país. Por outro esconder ou, no mínimo, a esbater a identidade de políticas entre estes partidos.
Umas quantas eleições legislativas depois continuam a intrigar-me os «critérios jornalísticos» que presidem a tais actuações. Mas o problema deve ser meu…
3. E, para terminar, desde já me declaro intrigado pelo facto de haver muita gente inteligente que parece não aprender com os erros passados.
Aí estão de novo as mistificações sobre a instabilidade política do país (como será que tantos e tantos países são governados há dezenas de anos por coligações?). Aí estão os falsos argumentos de combate ao défice orçamental. Aí estão as sugestões de pactos de regime. Tudo muito bem embrulhado em discussões académicas e/ou especulações de cenários.
O objectivo é um só: continuar e aprofundar as políticas dos interesses da direita e da direita dos interesses. Só que a solução para os problemas do país parece que passa pela ruptura com trinta e três anos dessas políticas. Digo eu…
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 2 de Outubro de 2009
Desde a aprovação da Constituição da República, em 2 de Abril de 1976, que, ciclicamente, sectores do denominado «bloco central» surgem a defender a recorrente ideia sobre a chamada reforma do sistema político. Esta reforma, no entanto, é sempre concebida na perspectiva de um empobrecimento democrático. Mais. Ela é perspectivada como instrumento ao serviço do branqueamento das responsabilidades das políticas de direita e dos partidos que as aplicam. É por isso que os sucessivos projectos de revisão das leis eleitorais – um elemento central da sua concretização – têm sido no sentido do favorecimento da bipolarização e da diminuição do pluralismo partidário.
São evidentes as crescentes dificuldades que PS e PPD/PSD sentem para manter a base de apoio político necessária ao prosseguimento das suas políticas. O que constitui um factor adicional para procurarem na alteração dos sistemas eleitorais o que mais dificilmente obterão pelo voto.
Vimo-lo, em 2008, nas propostas de mecanismos que, a concretizarem-se, teriam transformado as eleições autárquicas de Outubro deste ano numa tremenda chapelada eleitoral. Pretendia-se a eliminação da eleição directa das Câmaras e a transformação artificial de maiorias relativas em absolutas. O pretexto foi, recorde-se, uma mentira esfarrapada, uma descarada aldrabice. A dita falta de «estabilidade governativa» das autarquias.
No mesmo sentido têm ido os sucessivos projectos de alteração das leis eleitorais para a Assembleia da República. Nomeadamente com a criação dos círculos uninominais e uma eventual redução do número de deputados.
Só num país politicamente muito doente é que os dois maiores partidos (PS e PPD/PSD) podem defender que as maiorias absolutas são um quase insubstituível pilar da democracia. Na verdade, acordos, negociações, coligações e entendimentos entre diversas forças políticas têm, ou deviam ter, igual dignidade e naturalidade democráticas.
PS e PPD/PSD enchem a boca com loas à participação dos cidadãos e à proximidade entre eleitos e eleitores. Não deixa de ser elucidativo que lhes neguem logo à partida o simples e inalienável direito de, com o seu voto, poderem escolher aqueles que melhor os representem.
Alberto João Jardim habituou-nos às suas tiradas ditas de anti-regime. Nas sucessivas revisões constitucionais Jardim assumiu-se sempre como o porta-voz das posições mais «radicais» da direita. Objectivamente, funcionou como a tropa de choque que permitia ao PPD/PSD aparecer com uma posição mais mitigada nas negociações com o PS e daí retirar os devidos dividendos. Daí que seja de estar atento ao significado da sua intervenção na noite das eleições para o Parlamento Europeu.
O somatório da votação do BE e da CDU são um sintoma de «doença democrática», afirmou. É preciso mudar o sistema, diz ele. E com ele, na mesma noite, em perfeita consonância, o candidato do PS, Vital Moreira.
A fazer fé nas suas declarações Jardim e Vital compartilham a concepção anti-democrática (para não lhe chamar outra coisa) de que a esquerda pode existir, desde que não governe nem constitua uma força capaz de influenciar a governação. Ambos lançaram o alarme sobre uma alegada fragmentação do sistema partidário. Ambos defenderam a perigosa teoria de que é preciso «mudar o sistema».
Por outras palavras, ou muito me engano, ou Alberto João Jardim e Vital Moreira já se candidataram para elaborarem a teorização de uma «reforma» do sistema eleitoral. «Reforma» essa que conduza à aprovação de uma lei que assegure, por batota eleitoral, a criação de falsas maiorias (PS e/ou PPD/PSD) e a consequente marginalização dos restantes. A ver vamos.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 12 de Junho de 2009