A aquisição por Portugal de dois submarinos alemães proporcionou aos quatro arguidos no processo e a membros do Grupo Espírito Santo 27 milhões de euros, segundo apurou o inquérito do Ministério Público.
Apesar dos factos estabelecidos, o caso foi arquivado por «impossibilidade de recolher prova documental», como se explica numa nota do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), divulgada dia 18.
O DCIAP adianta ainda que não teve acesso «aos dados constantes do RERT (Regime Excepcional de Regularização Tributária) e às declarações dos arguidos», o que inviabilizou «a possibilidade de incriminação por fraude fiscal». Também «não foi possível imputar o crime de corrupção», nem de branqueamento de capitais.
No entanto, o documento afirma que cada membro do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo recebeu um milhão de euros. Trata-se em concreto de António Luís Roquette Ricciardi, Ricardo Espírito Santo Salgado, Manuel Fernando Espírito Santo Silva e José Manuel Pinheiro Espírito Santo Silva.
Foi ainda depositado um milhão de euros em nome de «Mónica, Marta, Tiago e Pedro Mosqueira do Amaral».
O DCIAP refere igualmente que investigou um eventual crime de prevaricação de titular de cargo político, confirmando a celebração «de um contrato substancialmente diverso do adjudicado pela Resolução do Conselho de Ministros, com alteração de aspectos essenciais em matéria de direitos e deveres das partes».
O contrato da compra dos dois submarinos por mil milhões de euros foi assinado em 2004, quando Durão Barroso era primeiro-ministro e Paulo Portas ministro da Defesa.
Comecemos por uma «estória». «Encontrei-o em Londres. Só tinha uma camisa e estava cheio de frio. Vivia num apartamentozinho com dois quartos.» Esta pungente «estória», contada pelo primeiro presidente da CIP, refere-se a Manuel Ricardo Espírito Santo que, passado pouco tempo, no seguimento das nacionalizações e da Reforma Agrária, entendeu fixar-se em Londres.
Pobre como Job, despojado dos seus bens, este herdeiro da poderosa e influente família Espírito Santo, associada ao nepotismo fascista (o avô era visita semanal de Salazar), viu-se obrigado, face à sua situação de pobreza, a pedir um empréstimo a Rockefeller, com o qual monta um pequeno negócio na Suíça, justamente conhecida por ser um dos paraísos fiscais, onde proliferam milagres do tipo da Rainha Santa Isabel, não na transformação do pão em rosas, ludibriando D. Dinis, mas na transformação de dinheiro sujo em «dinheiro limpo», ludibriando as receitas fiscais e estimulando, entre outros, o branqueamento de capitais, os circuitos da droga e o comércio ilegal ligado ao armamento.
Na versão do ex-presidente da CIP não sabemos qual o valor do empréstimo da família Rockefeller, empréstimo que é de surpreender bastante, na medida em que não é normal os banqueiros emprestarem dinheiro a pobres, salvo se a pobreza tivesse, em 1975, uma tipologia específica, do género: «a pobreza da família Espírito Santo».
Também não sabemos qual o juro imposto pelo Rockefeller, nem qual a taxa de rentabilidade obtida por Manuel Ricardo Espírito Santo nos seus novos negócios.
Em seis semanas sucederam-se a um ritmo vertiginoso as notícias sobre o «caso BPN». Por mim confesso que a realidade tem, de longe, superado tudo o que pudesse imaginar. Dava para argumento de uma série. Não há por aí produtoras interessadas?
Temos de tudo: um banco com órgãos sociais saídos do bloco central do poder, com predominância para o PSD. Rotatividade anormal e excessiva dos mesmos. Accionistas desconhecidos. Auditoras – que mudam quase de dois em dois anos –, que referenciam negócios cujo contributo para os resultados do banco era difícil de detectar e que vão de oficinas de reparação automóvel, passando pela saúde, seguros, agro-alimentar e até fundos de arte. Auditoras que alertam para a excessiva concentração de créditos concedidos a empresas imobiliárias e com projectos em construção, algumas ligadas a accionistas do grupo. O Banco de Portugal tem seis processos abertos e admite agora que as irregularidades remontam ao ano 2002. A Procuradoria-geral da República está a investigar o banco.
Um banco que apresenta, a 30 de Outubro de 2008, 700 milhões de euros de prejuízos. Mas que em 2007, reportou resultados positivos 77 milhões de euros e, em 2006, de 86 milhões de euros. Um banco que manteve anos a fio taxas de remuneração de depósitos bastante acima da concorrência. Que guarda várias obras de Arte no valor de milhões e milhões de euros nos seus cofres-fortes. Mas que motivou ao longo dos anos sucessivos avisos e denúncias sobre a sua eventual associação ao branqueamento de capitais.
Um banco aparentemente não fiscalizado em condições por quem de direito: o Banco de Portugal, presidido pelo «funcionário mais bem pago do Estado Português» (Vítor Constâncio ganha, anualmente, 281.804, 83 euros). Um banco onde administradores executivos e não executivos, bem como membros dos órgãos sociais, nada viam, nada ouviam, nada liam, logo nada sabiam. Uns incompetentes estranhamente assumidos na primeira pessoa. Apetece perguntar: eram pagos pelos accionistas, a peso de ouro, para serem assim?
«Caso BPN» que atinge um ex-ministro e actual Conselheiro de Estado, que afirma que quando saiu da política não tinha dinheiro nenhum – o que é manifestamente um exagero. E que nos revelou a todos o segredo da sua fortuna: «Geri dinheiro com parcimónia, com sensatez». Deve ser por isso que em 1991 comprou e remodelou uma vivenda, no Estoril, por 150 mil contos – dinheiro proveniente de uma herança e venda de propriedades em Coimbra. Antes havia a casa de Sete Rios, comprada por 9.600 contos. Depois a nova casa na Quinta Patiño, no Estoril, uma das zonas mais privilegiadas e caras do País (diz-se que cada metro quadrado de terreno custa 5 mil euros). Previdente, quando o BPN explodiu Dias Loureiro já tinha saído e levado consigo todo o dinheiro que havia investido no banco.
«Caso BPN» onde o Presidente da República entende elaborar um comunicado por não poder «tolerar a continuação de mentiras e insinuações visando pôr em causa o meu bom-nome».
«Caso BPN» onde se fala de um banco de Cabo Verde. De 130 milhões de euros correspondentes à venda de uma empresa no Brasil. De ligações que chegariam a deputados do PSD-Madeira. De membros da comissão política nacional do PSD que se demitiram por não quererem que avançasse a fiscalização da supervisão bancária. De contributos para campanhas eleitorais. De uma ida às corridas a Inglaterra com escala a Leste para recolher prostitutas, tudo pago pelo BPN. De reuniões em casas de alterne. De compras de empresas de valor duvidoso em Porto Rico. De Abdul Rahman El-Assir, referenciado como traficante de armas, acusado de estar ligado ao narcotráfico mundial. E de tudo o que mais adiante se verá.
Todos os dados foram retirados de jornais, revistas, rádios e televisões de Portugal.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 12 de Dezembro de 2008