O exército britânico dispara, sem motivo e sem aviso prévio, sobre milhares de manifestantes – católicos republicanos e nacionalistas, habitantes do gueto de Derry – que participam numa marcha pacífica pela democracia, contra a discriminação de que são alvo por parte das autoridades de Londres e dos seus representantes locais (protestantes), contra a repressão da polícia norte-irlandesa, fanaticamente unionista.
A praça Free Derry Corner é o cenário dantesco do banho de sangue que enluta a Irlanda e envergonha o Reino Unido.
As imagens do massacre, captadas pelo jornalista italiano Fulvio Grimaldi, são proibidas na Grã-Bretanha mas correm o mundo.
Depois de muita polémica, em 1998 é finalmente aprovado um inquérito oficial aos acontecimentos daquele Domingo Sangrento (Bloody Sunday).
O relatório Saville, publicado em 2010, prova que de facto o Domingo Sangrento foi um massacre, que os manifestantes que não constituíam qualquer ameaça e que foram baleados sem justificação.
O referendo britânico constitui um acontecimento de grande importância política para os povos do Reino Unido e da Europa. A ideia da irreversibilidade da União Europeia sofre um profundo abalo. O debate sobre o futuro do continente europeu e das relações entre os seus povos e estados está na ordem do dia.
É por isso que o referendo britânico adquire uma tão grande magnitude. Se ele fosse o resultado de uma mera conjuntura política interna britânica, ou mesmo de uma curva apertada da relação entre potências no continente europeu, não teria o impacto que está a ter. Mas não é só isso. É preciso enquadrar o referendo britânico para o entender na sua plenitude.
Ele acontece precisamente quando o mundo e a Europa estão às portas de um novo pico de crise económica e financeira do capitalismo;
quando a crise social no continente europeu faz desta região uma das zonas do globo de maior regressão social da última década;
quando se sucedem escândalos financeiros uns atrás de outros e se torna visível que a corrupção faz parte do status quo;
quando países como a Grécia continuam a ser esquartejados económica e socialmente e humilhados politicamente;
quando os discursos delicodoces da «construção europeia» dão lugar à despudorada arrogância da Alemanha imperialista;
quando o sistema político burguês no continente mergulha numa profunda crise e o fascismo se alimenta da exploração social e da opressão nacional;
quando as rivalidades inter-imperialistas extravasam os corredores de Bruxelas e fazem estalar o verniz da hipocrisia eurocrática;
quando o Mediterrâneo se transforma na maior vala comum da história recente da Europa e a União Europeia diz explicitamente aos povos do mundo «não venham para a Europa»;
quando a União Europeia militarista faz a guerra em várias partes do mundo, alimenta e financia terroristas, faz acordos de «cooperação» com governos fascistas e empurra o continente europeu para um embate com a Federação Russa de incalculáveis consequências.