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O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

E Borges não tinha facebook?

Allan Mcdonald, Rebelión de 7 de Setembro de 2010

-

- Borges metia todo o universo num parágrafo.

- E não tinha facebook?

Este desenho pode referir-se ao primeiro parágrafo do seguinte conto:

adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge
-

Álvaro Cunhal (10 de Novembro de 1913 / 13 de Junho de 2005)

-

    Sinais de Fogo: A Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro de 1936 (3)

    (...)

    Saí, atirando com a porta que logo se abriu para a minha mãe me lançar maldições lacrimosas, entremeadas de aterrorizados avisos pelos riscos que eu corria; e, do alto do patamar, os clamores seguiram-me até à rua. Na rua, não tinha para onde ir, e fui des­cendo a caminho da Baixa.

    Não se sentia nas pessoas e nas coisas alteração alguma. Talvez em tudo um ar de acontecimento, certa movimentação à porta das mercearias e outras lojas, pessoas que ostensivamente paravam na rua de jornal aberto (para darem ênfase à atmosfera que pressen­tiam ou que desejavam pressentir) e depois procuravam os olhos dos restantes transeuntes, em busca de tácito calor comunicativo. Mas, e seria talvez impressão minha, os outros olhares furtavam-se. Era como se dois pares de olhos se levantassem de um jornal, ou se cruzassem para comunicar um silencioso acordo ou um começo de conversa, e logo recuassem a refugiar-se numa cauta reserva. Subitamente, senti que a solidão que era a minha, a de saber que sabia e não sabia o quanto sabia, não era senão um caso parti­cular de outra solidão maior que se abatera sub-reptícia sobre tudo e todos, e a que todos se sujeitavam sub-repticiamente. Não era que as pessoas fossem coniventes de uma revolução falhada, uma rebelião, uma «intentona», como eu me lembrava de ouvir dizer quando era pequeno, e temessem denunciar-se com um gesto ou uma palavra. Algumas, por certo, leriam o jornal com o mesmo ansiado prazer de a ordem e a disciplina serem mantidas, que houvera na voz de minha mãe. E, todavia, essas mesmas sentiam-se sós e incomuni­cáveis, por terem aceitado que a ordem e a disciplina fossem uma coisa exterior a elas, defendida por outros, em nome de um governo que tomara sobre si o defini-las e se atribuía a omnisciência mesmo de revoluções que chegavam a sair e causavam mortos e feridos. Ainda que se entusiasmassem umas às outras, seria sempre um entusiasmo triste, como forçado pela necessidade de compensar o que nem saberiam haver perdido ou abandonado.

    Jorge de Sena, Sinais de fogo

    _
    adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

    _

    Sinais de Fogo: A Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro de 1936 (2)

    (...)

    Vesti outra vez o pijama, fui tomar café. Sentada à mesa, minha mãe lia atentamente o jornal. Debrucei-me por cima do ombro dela, para ler também.

    — Senta-te e come primeiro, que são mais do que horas — por­que embirrava que alguém lesse por cima do ombro dela, e nem o sensacionalismo do caso lhe alterava o reiterado hábito.

    Enquanto eu comia, ia-me recitando excertos de noticiário. Mas eu detestava ouvir ler por fracções: — Leia, que eu leio depois.

    Mas minha mãe prosseguiu apaixonadamente: — «Uma revolta a bordo do navio Afonso de Albuquerque e do contratorpedeiro Dão...» Ora aí está. «Algumas dezenas de cabos e marinheiros tomaram conta dos navios»... Coisa de gente ordinária... Marinheiros, ui que gente!... Ah, espera, «marinheiros, representando uma pequena parte das guarnições daqueles barcos, tomaram conta dos navios»... Foram poucos, está-se a ver... «prenderam os oficiais de serviço»... Prender os oficiais, que indisciplina... «e tentaram sair a barra para se irem juntar à esquadra marxista espanhola»... Para onde é que eles iam?

    —  Juntar-se à esquadra espanhola, à do governo.

    —  Qual governo, aquilo não é governo, estás a ver o resultado dos maus exemplos? Ouve, espera. «Um fogo violento e certeiro das baterias de Almada e do Alto do Duque reduziu os rebeldes à impotência»... Bem feito, foi a tempo... «Em poucos minutos»... Durou pouco, por isso não chegámos a ouvir nada... «obrigando-os a arvorar a bandeira branca, quando os navios estavam já a meter água»... Meter água? (Ir ao fundo — expliquei eu). «À parte estes dois navios, toda a esquadra se manteve absolutamente disciplinada.» Afinal foram só dois navios. E não mataram os oficiais (havia na voz de minha mãe como que uma decepção inconsciente que a levou a percorrer o jornal com precipitada atenção). Não, não dizem nada de terem matado os oficiais.

    —  Só podiam matar dois, um em cada um.

    —  Essa agora! Pois não há tantos em cada navio?

    —  Há, mas vão ficar a casa. E como nos quartéis. E é o que aí diz, não é? «Prenderam os oficiais de serviço.» O que quer dizer que só estavam lá os oficiais de serviço.

    —  É... não mataram os oficiais de serviço... Mas não diz aqui se os navios foram ao fundo... Foram só dois, porque aqui diz que «dos vinte e um navios que ontem se encontravam surtos no Tejo apenas dois se sublevaram, capitaneados por pequenos comités». Aqui está... «Desembarque dos mortos, dos feridos e dos presos...» Vês?... Houve mortos e feridos.

    — Os marinheiros e os cabos.

    — Ah, espera... o governo já sabia (estremeci). «O governo, que já conhecia as intenções dos sublevados, tinha tomado as providências necessárias para os reduzir imediatamente à obediência.» Olha, e vão castigar «os oficiais e sargentos que não tenham empregado todos os esforços para dominar a insubordinação».

    —   Como é que é isso?

    —   Como é? Claro que devem ser castigados.

    —   Mas, se eles não estavam a bordo, porque só estavam os oficiais de serviço, é porque não sabiam de nada, e o governo também não. Ou o governo sabia e eles não, e como é que agora pagam pelo que não sabiam?

    —   Não me perguntes isso a mim. Mas que confusões estás tu a fazer? Olha, sabes que mais? Quem manda manda. O governo lá tem as suas razões. Oh, que horror... Tinham a bordo exemplares, diz aqui, do Marinheiro Vermelho. Que horror.

    —   Horror porquê? A mãe já viu esse jornal alguma vez?

    —   Nem preciso, basta o nome. Marinheiro já é gente de bebe­deira e facada, homens cheios de vícios, ainda por cima «vermelho»! Onde é que tu vais?!

    —   Vou ver navios.

    —   Tu não sais daqui! Bem basta que o teu pai tenha saído, por obrigação. Quem o mandou telefonar para o escritório?! Claro que logo disseram que não havia nada, aquela gente não perdoa nem uma revolução. Mas tu não tens nada que fazer. A tua obrigação é ficares em casa para defenderes a tua mãe.

    —   Defender de quê? — e a discussão eternizava-se, com vai­ vém de razões em círculo e a minha mãe dramaticamente já na porta da rua, de braços abertos, e a criada atrás de mim, supli­cando que eu não saísse, a senhora estava tão aflita, eu não me dava conta?

    Saí, atirando com a porta que logo se abriu para a minha mãe me lançar maldições lacrimosas, entremeadas de aterrorizados avisos pelos riscos que eu corria; e, do alto do patamar, os clamores seguiram-me até à rua. Na rua, não tinha para onde ir, e fui des­cendo a caminho da Baixa.

    (...)

    Jorge de Sena, Sinais de fogo

    _
    adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge
    _

    Sinais de Fogo: A Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro de 1936 (1)

    (...)
    Minha mãe mandou a criada para a cozinha, arrastou-me para a sala de jantar e fechou a porta.
    —   Valha-nos Deus! O coração bem me dizia! E agora?
    — E agora o quê? A mãe não entende. Eu não estou metido nisto, em revolução nenhuma, é outra coisa.
    — Que outra coisa? Eu logo vi que toda esta vadiagem havia de acabar mal.
    — Não faça misturas nem confusões (e eu sentia que em mim tudo era mistura e confusão), deixe-se de romances. Já disse que não tenho nada que ver com coisa nenhuma e — foi uma inspiração — acha que, se tivesse, tinha ficado em casa esta noite?
    O argumento impressionou-a: — Não sei... Talvez não... Juras que não andas com gente perigosa?
    — Juro — e, ao mesmo tempo, perguntava-me quem seria ou não perigoso.
    — Tem cuidado, não te desgraces, nem nos desgraces a nós.
    Fui para a casa de banho, a pensar naquela filosofia: «não te desgraces, nem a nós», como se desgraçar voluntariamente ou por inadvertência, ou por inesperada consequência, os outros fosse decidi­damente secundário. Tremi, reconhecendo naquilo o pior dos egoísmos, sem dúvida. O egoísmo da inocência, da ignorância, do conformismo, o egoísmo pavoroso dos que se querem, e querem os outros, inocentes, ignorantes, e conformados, cada um fechado sossegadamente na sua paz, e defendendo, pior que com ferocidade, com bondade e até honesta doçura, as fronteiras invioláveis do seu primeiro, segundo ou terceiro andar, mais as pratas e os filhos, contra a invasão de qualquer grito de angústia. Estendido no banho, deixando-me embebedar de ensaboado calor, não me sen­tia lavado ou repousado. E o próprio parcial flutuar na banheira dava-me uma sensação de horror. Mas recusava-me a recordar fosse o que fosse, a fazer ligações entre os acontecimentos e as pessoas. De súbito, levantei-me, ou uma ideia levantou-me: se o forte, um dos fortes que tinham entretanto afundado os navios, estava de prevenção na véspera, era porque o governo sabia o que ia acon­tecer — e ou não sabia a extensão do que ia acontecer, e esperara pela saída da revolução, para agir depois, ou sabia perfeitamente a extensão dela, e deixara que tudo acontecesse, porque isso muito melhor servia os seus fins. E navios iam ao fundo, pessoas eram mortas, por um frio cálculo de vantagens políticas. Estava eu, porém, isento de ter feito cálculos semelhantes? E tinha sequer a desculpa de um plano de acção, que, por idealismo ou por reles cálculo, ou mesmo por obediência a sórdidos interesses que tivesse por missão defender, me justificasse? Mas justificar era afinal o mesmo que estar dentro da justiça e da razão? Mas que justiça e que razão não serviam para justificar tudo?
    (...)
    Jorge de Sena, Sinais de fogo
    _
    adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge
    _

      Sinais de Fogo: há os originais e há os que copiam

      Há os originais...

      RTP:

      Sinais de Fogo - Grandes Livros

      Sinais de Fogo (1995)

      ... e há os que copiam...

      Vídeo:

      adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

                                                                         

      Manuel Bandeira: Porquinho-da-Índia

      Porquinho-da-Índia

                                                     
      Quando eu tinha seis anos
      Ganhei um porquinho-da-índia.
      Que dor de coração me dava
      Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
      Levava ele prá sala
      Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
      Ele não gostava:
      Queria era estar debaixo do fogão.
      Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .
                                             
      — O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

      (Manuel Bandeira)

                                                                  

      adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

                                                                                

      Manuel Bandeira: Poema tirado de uma notícia de jornal / Tragédia brasileira

      Poema tirado de uma notícia de jornal

                                                                             

      João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
      Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
      Bebeu
      Cantou
      Dançou
      Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

      (Manuel Bandeira)

      Tragédia brasileira

                                                        

      Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade.

      Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.

      Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.

      Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.

      Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.

      Viveram três anos assim.

      Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa. Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...

      Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul. 

      adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

                                                                          

      Manuel Bandeira: Irene no céu

      Irene no céu

                           

      Irene preta
      Irene boa
      Irene sempre de bom humor.
                                           
      Imagino Irene entrando no céu:
      — Licença, meu branco!
      E São Pedro bonachão:
      — Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

      (Manuel Bandeira)

      adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

                                                                         

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