O processo de transformação revolucionária no Chile iniciado com a eleição do presidente Allende e a formação do governo de Unidade Popular, em Setembro de 1970, alarmaram os EUA.
Aliado às forças fascistas e ao grande capital chileno o imperialismo não olhou a meios para destruir o processo democrático.
Antes da tomada de posse de Allende, a CIA assassina o Comandante-Chefe do Exército.
Sucedem-se actos de violência visando a desestabilização social e a paralisação da economia do país para minar o apoio popular ao governo.
Não o conseguindo, é desencadeado o golpe de Estado chefiado por Pinochet, de uma bestialidade atroz: dezenas de milhares de mortos, incluindo Salvador Allende, centenas de milhares de presos, torturados ou exilados, o Parlamento dissolvido, o Palácio Presidencial destruído a tiros de canhão e bombas da aviação, os partidos políticos proibidos.
A eleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos significa a continuação das políticas pro-imperialista e pro-capitalista a nível externo e doméstico. A eleição de um afro-americano como presidente dos EUA representa um progresso nos Estados Unidos e uma oportunidade para o avanço das lutas dos trabalhadores e dos pobres. Ambas as afirmações são verdadeiras. As duas asserções contradizem-se, mas não se anulam. Coexistem. São contraditórias porque a campanha de Obama e a sua eleição são acontecimentos contraditórios.
Na maioria dos países da Europa Ocidental, a generalidade dos partidos e dos média de direita apoiou Obama. Mais, apresentaram a vitória de Obama como sinónimo de mudança na natureza dos EUA. Como o fim dos constrangimentos neoconservadores da administração Bush, Washington abrir-se-ia agora ao diálogo com os aliados europeus. Deixa de ser preciso, argumentam, que os europeus sejam anti-EUA.
Trata-se, evidentemente, de um falso argumento. As forças dominantes controlam firmemente as eleições nos EUA. Apesar de haver diferenças na composição dos partidos Republicano e Democrata, ambos servem os interesses dos ricos e poderosos. Ambos conduziram os EUA para guerras de agressão. Por exemplo, os democratas invadiram a Coreia e o Vietname, os republicanos invadiram o Iraque e o Afeganistão. E nenhuma eleição pode mudar a natureza intrínseca dos EUA.
A maioria dos ricos e poderosos nos EUA começaram a apoiar a campanha de Obama depois de previsões secretas terem mostrado que o talentoso político negro podia ganhar. Estas forças queriam uma administração equivalente ao que em termos europeus pode designar por «grande coligação». Nos EUA, esta coligação deveria incluir todo o Partido Democrata e todos os republicanos, à excepção da extrema-direita. A maioria das forças dominantes apoiou Obama porque ele se revelou o mais capaz dos candidatos para conseguir esta coligação governamental pro-capitalista.
Nomeações do grupo Clinton para o governo
As nomeações de Obama, muitas das quais ligadas à administração Clinton de 1990, mostram qual é a a sua opção. A sua secretária de Estado, Hillary Clinton, é uma centrista com estreitas ligações ao Pentágono. O seu secretário da Defesa, Robert Gates, é um republicano, um escolhido por Bush, que continua no seu posto, mas sem estreitas ligações aos ultraconservadores.
O pro-empresário Tim Geithner da direcção da Reserva Federal de Nova Iorque será o secretário do Tesouro. Richard Rubin, que ocupou esse lugar na administração Clinton, e o presidente da Harvard, Larry Summers, serão os conselheiros económicos de Obama. Todos eles estiveram envolvidos na desregulamentação do sector bancário.
Nenhum dos designados de maior relevo é oriundo do que é considerada a «esquerda» nos EUA. Em termos políticos norte-americanos, «esquerda» significa apenas uma posição mais progressista ou pro-trabalhadores entre os membros do Partido Democrata. Não existe uma esquerda social-democrata significativa equiparável à tradição da Europa Ocidental, e a esquerda comunista está completamente excluída da política eleitoral dos EUA.
A esmagadora maioria dos povos do mundo abomina a criminosa administração Bush. Por outro lado, Bush presidiu também a um sério declínio da hegemonia mundial dos EUA, em grande parte como resultado do falhanço da ocupação do Iraque e do Afeganistão. Os ricos e os poderosos esperam que a equipa de Obama reverta esse declínio. O programa eleitoral de Obama inclui a retirada de algumas tropas norte-americanas do Iraque e o aumento da sua presença no Afeganistão. O que a administração de Obama irá efectivamente fazer é ainda uma incógnita. Permanece o risco de uma nova guerra. O movimento progressista deve continuar atento e pronto a combater qualquer aventura belicista.
A administração de Obama também irá procurar as formas de injectar fundos federais na economia capitalista para tentar estancar a crise económica, mas sem alterar a natureza de base do sistema.
Então por que motivo – e esta é a outra parte do carácter contraditório da vitória de Obama – os dirigentes da classe operária nos EUA consideram a sua eleição como um acontecimento que pode contribuir para a unidade dos trabalhadores?
Voto histórico num presidente negro
Em primeiro lugar, a eleição de um político afro-americano para o posto mais importante nos EUA é um avanço extraordinário. Nos EUA, a 250 anos de escravatura seguiram-se 150 anos de racismo institucional. O direito de voto dos negros foi conquistado em muitos estados apenas em 1960, após duras lutas. Polícias e grupos racistas organizados mataram pessoas que lutavam pelos seus direitos. O direito de voto continua sujeito a regras restritivas visando os afro-americanos. O racismo institucional continua a meter mais jovens negros na prisão do que nas universidades. A eleição de Obama representa um simbólico grande passo em frente.
Mesmo pensando que Obama teve a mais cara campanha eleitoral de sempre – cerca de 750 milhões de dólares – com forte apoio financeiro de largos sectores de ricos e poderosos, ele podia ter ganho as eleições apenas através da mobilização do movimento de massas. A sua campanha teve de vencer um profundo racismo entre muitos dos eleitores brancos. E levou a cabo uma mobilização entre os afro-americanos como nunca se viu.
Os comícios foram sem precedentes na história eleitoral norte-americana dado o carisma do orador, com a participação de dezenas de milhares de pessoas. Dezenas de milhões votaram antes de 4 de Novembro nos estados onde isso era permitido, com muitos a esperar quatro horas na fila para votar Obama, o que também não tem paralelo. Muitos afro-americanos, incluindo pessoas idosas que tinham estado afastadas da vida política em eleições anteriores, foram votar pela primeira vez e fizeram-no com orgulho. Obama conseguiu o apoio unânime da comunidade negra, na verdade, da nação negra, que viu a sua eleição como uma expressão da sua própria autodeterminação.
Para além da solidariedade da comunidade negra, também os trabalhadores brancos e latinos mais progressistas – que não têm ilusões quanto ao governo de Obama – ajudaram à sua eleição. Obama conseguiu ainda dois terços dos votos dos eleitores de ascendência latino-americana. Na arena eleitoral, milhões de pessoas passaram da apatia política para a actividade política.
Os 45 por cento de eleitores brancos que votaram em Obama representam uma percentagem mais elevada do que a recebida por Bill Clinton, Al Gore ou John Kerry, os três anteriores candidatos do Partido Democrático, em eleições nacionais. Os jovens são particularmente pró-Obama. Muitos eleitores brancos de camadas trabalhadoras ultrapassaram qualquer resquício de racismo ideológico que sentissem em favor dos seus interesses de classe. Mesmo em estados como a Virgínia e a Carolina do Norte, onde republicanos declaradamente racistas têm ganho eleições nacionais, Obama foi capaz de vencer por estreitas margens. Este voto contribui para melhorar as relações entre trabalhadores negros e brancos e tornar mais fácil a solidariedade de classe.
Alívio pela saída de George W. Bush
O outro aspecto importante da vitória de Obama foi a esmagadora atitude anti-Bush. O programa público de Obama foi um vago apelo à «mudança». As pessoas perceberam que Obama era a antítese de Bush. Viram a candidatura de John McCain/Sarah Palin e a sua mal disfarçada campanha racista como uma continuação de Bush. Advogados, sindicalistas, trabalhadores da saúde e todos os progressistas mobilizaram-se para derrotar o gang de Bush. Até ao dia das eleições as pessoas recearam que de algum modo a máquina republicana encontrasse uma forma de usar o racismo para ganhar votos ou para falsear as eleições, como fez em 2000 na Florida e se suspeita que tenha feito em 2004 no Ohio.
A vitória de Obama desencadeou a alegria das massas, com centenas de milhares a manifestarem-se em Chicago, Harlem, Nova Orleães e muitas outras cidades dos EUA. Milhões estarão na tomada de posse de Obama, tanto para celebrar o primeiro presidente negro como para saudar o fim da era Bush. A maioria deseja o fim da guerra do Iraque, emprego e casas para os trabalhadores, um sistema universal de cuidados de saúde e educação para todos, e a vitória de Obama encoraja-os a prosseguir a luta por estes objectivos.
Desde as eleições, algumas lutas importantes mostram o incremento da combatividade dado pela vitória de Obama. Fortes manifestações de protesto de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais exigiram o direito a casar. Trabalhadores imigrantes em Chicago ocuparam uma fábrica reclamando mais salário – e ganharam. Cerca de 4600 trabalhadores de uma empresa de criação de gado suíno na Carolina do Norte – um estado contra os direitos laborais – ganharam o seu direito à representação sindical depois de terem perdido por duas vezes numa batalha que durou 14 anos. Em cada caso, a vitória de Obama foi um ponto de referência, mesmo quando os que lutam não esperam por Obama para resolver os seus problemas.
Estes dois lados do fenómeno Obama continuarão a fazer-se sentir quando o novo presidente dos EUA assumir funções e a sua administração enfrentar a gestão da profunda crise económica capitalista que afecta o centro do mundo imperialista. Por um lado, as massas foram arrastadas pela campanha para eleger o primeiro presidente negro apoiado pelo Partido Democrata, um partido de exploradores e opressores. Mas por outro lado, a campanha pela mudança criou expectativas, gerou optimismo e fez subir o moral dos trabalhadores, o que é o caldo de cultura necessário para a transição para a luta activa contra o sistema e os seus defensores no Partido Democrata.
In jornal "Avante!" - Edição de 24 de Dezembro de 2008
As eleições políticas italianas de Abril deste ano merecem particular atenção. Pela importância do país, berço do fascismo e onde os seus herdeiros assumem de novo as rédeas do poder. Mas também onde os comunistas tiveram um notável papel na organização e condução da luta dos trabalhadores e das massas.
Um país que durante décadas teve o maior partido comunista da Europa ocidental. E onde hoje, pela primeira vez no pós-guerra, não há no Parlamento deputados comunistas ou de qualquer força que sequer se afirme de esquerda.
A coligação eleitoral de extrema-direita, chefiada por Berlusconi, obteve cerca de 47% dos votos e a maioria absoluta nas duas Câmaras do Parlamento. A coligação de centro, que optou por concorrer sem alianças à sua esquerda, ficou-se pelos 38%. A coligação «A Esquerda – O Arco-íris», que juntou o Partido da Refundação Comunista (PRC), o Partido dos Comunistas Italianos (PdCI), os Verdes e a Esquerda Democrática (SD), sofreu um severo revês, tendo obtido apenas 3% dos votos (face aos 10-11% obtidos pelos partidos que a constituem nas eleições de 2006, dos quais 8% dos dois partidos comunistas). Caberá certamente, em primeiro lugar, aos trabalhadores e aos comunistas italianos analisarem as causas desta derrota. Tanto mais, quanto a variação na votação é muito drástica e em sentido contrário ao registado por alguns outros partidos comunistas e progressistas europeus em eleições recentes, o que sugere causas específicas nacionais e não apenas os efeitos de uma conjuntura internacional seguramente negativa e difícil. Mas o significado e o impacto dos acontecimentos italianos ultrapassam as fronteiras desse país e impõem algumas considerações.