«Este artigo foi publicado no nº 157, de 16.4.2016, da revista PESSOAL.
Nele procuramos apresentar a face do trabalho temporário que é sistematicamente ocultada (a situação do trabalhador temporário e precário).
Quem tenha lido a revista conclui rapidamente que este artigo destoa das inúmeras declarações de representantes de empresas de trabalho temporário e da sua associação - ASPE-RH - que enchem as páginas da revista com afirmações em que apresentam o trabalho temporário como uma forma de progresso nas relações laborais (flexibilidade, adequação), e um instrumento importante de crescimento económico e de desenvolvimento do país (competitividade, parceria especializada com as empresas); portanto, só “vantagens”, mas para as empresas.
No entanto, a realidade é bem diferente, como todos sabemos.
Pedimos aos trabalhadores que estejam com contratos temporárias ou que tenham tido experiência de trabalho temporário que nos enviem a sua opinião sobre a sua experiência para eugeniorosa@zonmail.pt.
Fazemos o mesmo pedido aos restantes leitores que nos queiram dar a sua opinião sobre o trabalho temporário.»
«A "troika" esteve em Portugal para fazer a 4ª revisão do PAEF [1] e, como era previsível, o problema do desemprego que já atinge mais de um milhão de portugueses e que está a arrastar centenas de milhares de famílias para a miséria não lhes mereceu qualquer atenção. Apenas concluíram que era necessário "mais medidas para melhorar o funcionamento do mercado laboral, ou seja, reformas institucionais que permitam às empresas maior flexibilidade", isto é, facilitar os despedimentos. Vitor Gaspar, em conferência de imprensa para apresentar os resultados da visita da troika, com o seu ar limitado, papagueou o mesmo tendo afirmado o seguinte: "A deterioração das perspectivas do desemprego exigem uma resposta de políticas que visem a criação de emprego. Desde logo a revisão do Código Laboral ... e criar condições para tornar o nosso mercado de trabalho mais flexível… o banco de horas ou a restrição de extensões de acordos colectivos de trabalho". Segundo estes "senhores", para criar emprego não é necessário investir e promover o mercado interno através do poder de compra da população, basta liberalizar ainda mais os despedimentos e reduzir mais os custos do trabalho.
Desde 2007, ano de início da crise actual, já foram destruídos em Portugal 537,8 mil postos de trabalho. Num ano de intervenção da "troika" foram destruídos 203,5 mil empregos. Se se mantiver durante todo o ano de 2012, o ritmo de destruição de empregos registado no 1º trim. 2012 (72,9 mil), este ano serão destruídos 291.600 postos de trabalho. É uma situação económica e socialmente insustentável, mas governo e "troika" dizem que "faz parte da transição para uma economia direccionada para as exportações … e da já antiga rigidez do mercado laboral português" (do comunicado da "troika").»
Sétimo de sete posts descaradamente «surripiados» ao João Valente Aguiar do Blog «Vinhas da Ira»:
«7 - a transformação das Ciências Sociais numa ferramenta técnica de regulação sistémica. A desqualificação do pensamento crítico, particularmente do marxismo, concorre paralelamente com a transformação da História, Sociologia, Economia, Psicologia em acessórios instrumentais de regulação do sistema. De facto, o abafar do pensamento crítico, dentro e fora das universidades, tem sido peça-chave na própria reconfiguração das Ciências Sociais. Estas são vistas pelos académicos e intelectuais como apetrechos não mais orientados para percepcionar e compreender o mundo em que vivemos. Inversamente, o catecismo neoliberal que se tem assenhorado das faculdades de ciências sociais e humanas um pouco por todo o mundo - salvo honrosas e relevantes excepções - aposta na expulsão dos princípios da interrogação, da inquirição e da problematização dos fundamentos da sociedade contemporânea. Na Economia, por exemplo, os estudantes são treinados para assimilar acrítica e acefalamente os princípios da nova ordem, sendo formados para, no máximo, aprender a gerir taxas de juro, inflação, défice das contas públicas, etc. Questões essenciais na estruturação das sociedades e da economia contemporâneas como a natureza da mercadoria e a produção de valor a partir da exploração da força de trabalho ou a hipertrofia da financeirização em ordem a criar um balão de oxigénio (temporário) face à crise na extracção de mais-valia não são nunca sequer leccionadas. Na Sociologia, os estudos cada vez mais valorizados por sectores (cada vez mais) vastos da academia abrangem dois ramos: a) estudos que investiguem processos de exclusão social e que proponham medidas de tipo caritativo-filantrópicas e com uma redução máxima de custos, onde o recurso massivo a trabalho temporário e precário, quando não sob o regime do voluntariado, surge como uma dimensão de primeira importância para as chamadas políticas públicas definidas pela União Europeia e pelos governos neoliberais; b) estudos que incidam em meras enunciações de percentagens de desempregados jovens, de infoexcluídos, de jovens que abandonam a escola precocemente, número de horas dedicadas a ver televisão ou a navegar na internet, etc. Temos aqui a valorização de estudos (quase) estritamente quantitativos, onde a reflexão teórica sobre os fundamentos e os factores estruturantes que estão na base dos referidos fenómenos é clara e assumidamente desprezada.
Por este caminho, as Ciências Sociais têm sofrido um processo de colonização interna, destruindo qualquer tipo de reflexão crítica, retirando-lhe qualquer tipo de fôlego transformador. Este é o objectivo de pensamento neoliberal. A reflexão nas Ciências Sociais fica, assim, destinada aos scholars, aos conselheiros académicos de governos como Castells ou Giddens. Este tipo de autores surgem no panorama mediático e académico como vozes incontestáveis e sapientes. Contudo, a sua reflexão assenta sempre na reprodução dos princípios e das lógicas estruturais onde assenta o sistema, por muito que varie a terminologia de autor para autor. Castells pode falar da “sociedade em rede”, Ulrich Beck na “sociedade do risco” ou Giddens na “modernidade tardia” como se de novas configurações de sociedade e de organização da vida humana se tratasse. Todavia, a persistência - ao nível económico, do trabalho assalariado e da exploração dos trabalhadores; ao nível político, do Estado-Nação como organizador político nuclear da classe dominante; ao nível cultural, do domínio e concentração dos meios de produção simbólicos e ideológicos por parte da burguesia - mostra que os pilares do sistema capitalista mantêm-se intactos, apesar de reformulados, algo que nem sequer se pode dizer que seja absolutamente inédito na história desse sistema social.
Pela visualização destas tendências constata-se o grau profundamente perverso do pensamento neoliberal.
Para concluir, registe-se que o pensamento neoliberal não desaparece por pura e simplesmente desmontar as suas contradições e seus limites. Esse trabalho teórico é importantíssimo, quanto mais não seja pelo fornecer armas ideológicas e teóricas robustas aos progressistas e revolucionários. Contudo, em última instância, só a luta prática dos povos e dos trabalhadores, com suas organizações revolucionárias, permitirá superar de vez o arcaísmo do pensamento social neoliberal. Luta teórica (e ideológica) e luta de massas articulam-se como meios para o relançamento de uma perspectiva alternativa à forma actual de organização global do capitalismo. Perspectiva alternativa que passará necessariamente pelo socialismo.»
Sexto de sete posts descaradamente «surripiados» ao João Valente Aguiar do Blog «Vinhas da Ira»:
«6 - a estratégia da desqualificação do pensamento crítico. O pensamento social neoliberal comporta um conjunto de variantes. Desde as correntes mais abertamente mais liberais e que utilizam um vocabulário mais defensor e apologista do chamado “mercado livre”, até às correntes de tipo, digamos, social-liberal - onde uma linguagem com “preocupações sociais” se mistura com a adopção mais ou menos subreptícia das teses do desmantelamento das funções sociais do Estado, a partitura que orienta o pensamento social neoliberal no seu conjunto assenta em princípios estruturantes e considerados como intocáveis. Assim, a defesa acrítica do mercado (com um Estado minimalista e militarista/securitário mesmo ao lado) e dos princípios e teses que enunciámos anteriormente constituem o corpo teórico e ideológico dos think tanks neoliberais. Contudo, nenhuma concepção do mundo se sustenta sem procurar criticar correntes alternativas. Como se viu no ponto anterior, o neoliberalismo não critica e desqualifica apenas os partidos e organizações sindicais de classe. De facto, para o neoliberalismo qualquer tipo de pensamento não mecânico e que aponte qualquer tipo de questionamento ao sistema é imediatamente atacado como algo de ultrapassado. Em relação ao marxismo, o pensamento neoliberal tem adoptado duas principais estratégias.
Em primeiro lugar, a ofensiva ideológica neoliberal tem procurado esvaziar universidades, centros académicos, publicações, etc. de qualquer tipo de reflexão que não se balize nos seus princípios. Neste capítulo, o marxismo - salvo pequenos núcleos de pesquisa em alguns países - tem sido literalmente expulso das universidades. Para as várias cambiantes do pensamento neoliberal, o marxismo não passaria de uma velharia, uma teoria congelada no tempo incapaz de pensar a dinâmica do presente. Esta justificação ideológica surge com o intuito de expurgar a reflexão crítica de espaços que no passado foram produtores de conhecimento científico robusto tanto ao nível da interpretação da realidade como na interrogação dos pressupostos do capitalismo. Esta é, aliás, a pedra-de-toque do pensamento neoliberal.
Em segundo lugar, o pensamento neoliberal tem procurado consolidar a ideia de que o marxismo não é um pensamento crítico mas um pensamento totalitário e conservador. Totalitário, dizem eles, porque quereria impedir a liberdade individual de trabalhadores e patrões negociarem livremente no mercado. Como se o trabalhador e o patrão se encontrassem em situação de igualdade estrutural no mercado… Conservador, dizem eles, porque o marxismo reflectiria uma concepção sobre o mundo típica do século XIX onde teria vigorado a luta de classes. Hoje a harmonia entre as classes seria uma realidade indesmentível, onde os princípios da sujeição das organizações políticas e sindicais de esquerda aos ditames do capital teria predominância sobre a afirmação de uma linha que defendesse a independência política da classe trabalhadora. O mesmo se aplicaria ao pensamento marxista. Este não serviria para mais nada.
Voltando a alguns aspectos intrínsecos ao pensamento neoliberal, saliente-se ainda que não existe no seio de qualquer corrente neoliberal sequer a mais básica pergunta de qualquer investigação científica minimamente consistente: o porquê das coisas. Ou seja, o pensamento neoliberal funciona como uma malha para os seus próprios defensores, impedindo que os fundamentos do sistema sejam sequer identificados, quanto mais questionados. Não é por acaso que as próprias universidades e institutos superiores, com particular destaque para a Economia, procuram formar quadros intermédios e superiores - consoante a instituição - para a gestão do sistema, nunca para a reflexão sobre o mesmo. Por conseguinte, o pensamento neoliberal é tudo menos um pensamento científico mas uma mera ideologia com laivos de cientificidade para legitimar o funcionamento de um sistema económico perverso.»
Quinto de sete posts descaradamente «surripiados» ao João Valente Aguiar do Blog «Vinhas da Ira»:
«5 - a tese da resistência à mudança. Os neoliberais partem do pressuposto formalmente correcto de que o mundo está em constante mudança. Aliás, mudança e inovação são dois termos muito utilizados pelos boys de serviço do sistema. Contudo, o que entendem estes por mudança? Para o pensamento social neoliberal a inovação resumir-se-ia a dois parâmetros: a) inovação em termos de produtos e bens. Inovação que poderia ser mais ou menos cosmética. b) “inovação” ao nível das relações laborais e sociais. Aqui a inovação e a mudança significaria o retirar de direitos (na linguagem neoliberal, privilégios) dos trabalhadores. No fundo, ser moderno e inovador é, no ideário neoliberal, tornar-se flexível, um trabalhador disponível em toda a latitude para o capital utilizar como bem entender.
Por conseguinte, todos os que critiquem estas asserções neoliberais são taxados muito simplesmente como retrógrados. De facto, não deixa de ser surpreendente o poder ideológico da grande burguesia no que toca à manipulação massiva de grandes camadas da população, particularmente na capacidade que tem evidenciado em conseguir apresentar um ideário da primeira metade do século XIX - quando quase não havia direitos sociais para os operários - como profundamente moderno e high-tech. Aliás, o controlo quase absoluto por parte da burguesia da esfera mediática e da produção noticiosa e cultural faz com que essa classe dominante nem perca tempo a criticar teoricamente as teses alternativas ao seu modo de pensar e de agir. Com tal controlo hegemónico dos media, no contexto actual, à burguesia e seus intelectuais tem bastado classificar os seus contestários como conservadores e imobilistas. A crítica resume-se a isto e ponto final. É verdade que a crítica realizada é superficial mas ela é extremamente eficaz quanto mais não seja pela sua simplicidade (para não dizer simplista) e linearidade: «nós, neoliberais, transportamos a mudança civilizacional; eles, os comunistas e outros progressistas, são fósseis com ideias do século passado».
Por outro lado, a abordagem neoliberal do conceito de mudança procura retirar a sua carga de historicidade. De facto, o pensamento neoliberal concebe a mudança em termos estritos. Para o neoliberalismo a mudança circunscreve-se aos dois vectores mencionados acima (inovação de produtos e retirada de direitos). No fundo, mudanças que em nada alteram as bases estruturais do sistema e que apenas servem para reproduzir a mecânica da acumulação capitalista. Pela via do desenvolvimento do consumo (e do consumismo) e pela via do abaixamento de custos na produção, procurando elevar a taxa de exploração. Ora, tal conceito de mudança encontra-se despido da sua carga histórica, isto é, para o neoliberalismo a história acaba no capitalismo e ali se manterá indefinidamente. Ora, a tentativa de fechar a humanidade em tal sistema social e económico só pode representar, este sim, um pensamento retrógrado e bárbaro. Sobre a real mudança - a perspectiva de construção de uma sociedade socialista assente no poder dos trabalhadores - o neoliberalismo, como não poderia deixar de ser, nada nos diz. Por aqui se percebe que a resistência à mudança com que os apologistas do capital procuram atribuir a sindicatos e partidos de classe é, pelo contrário, algo geneticamente presente no pensamento neoliberal. Se para os seguidores - mais ou menos conscientes - deste último a mudança se resume ao célebre adágio “é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”, para os marxistas e progressistas de todo o mundo poderíamos afirmar que “é preciso mudar tudo para que nada fique na mesma”. A luta pelo socialismo também passa pela necessidade de desmontar as teses congeladoras da história que a classe dominante procura inculcar nas massas.»
Quarto de sete posts descaradamente «surripiados» ao João Valente Aguiar do Blog «Vinhas da Ira»:
«4 - O mito da flexibilidade=liberdade. De acordo com o que se avalizou no post anterior, o capital procura inculcar nos trabalhadores modelos ideológicos com o propósito de estes actuarem como mini-empreendedores, como auto-empregadores. Esse vector ideológico não contribui apenas para criar referências de actuação individual dos trabalhadores coincidentes com os desígnios do capital. Importa também ao capital utilizar tal artifício como justificação e legitimação para o acentuamento da extracção de mais-valia, para o agravar da exploração da força de trabalho. Nesse âmbito, a retirada de direitos: o aumento da carga horária e da intensidade do trabalho; a limitação das idas à casa-de-banho, refeições, etc.; o reduzir de subsídios de alimentação, doença, assiduidade, etc. anexos ao salário; a redução salarial (em relação ao volume global de riqueza criada) - tudo isto, modalidades de redução do valor da força de trabalho, portanto, modalidades de aumento da exploração - são assumidos pelo capital perante os trabalhadores como inevitabilidades. A todo este processo de desbaste de direitos laborais o capital dá-lhe o nome de flexibilidade.
Na óptica dos apologistas neoliberais, tudo o que acrescentar valor ao salário, tudo o que assegurar um nível razoável à massa salarial é tomado como um atentado às liberdades individuais de cada trabalhador, pois este deveria apresentar-se no mercado livre de quaisquer “amarras” a não ser a mais completa ausência de garantias laborais. Para o pensamento neoliberal, a transformação do trabalhador em peça livre, em pau para toda a obra do capital é o consumar da “liberdade” individual. Ou seja, o indivíduo reduzido a si mesmo, o indivíduo trabalhador disponível a toda a hora e a todo o momento para executar as tarefas produtivas definidas pelo capital. A isto o capital chama de liberdade. Chamar-lhe-e-mos, a liberdade de o capital fazer do trabalhador uma mercadoria ajustável aos objectivos de elevação do lucro. Ainda mais simplesmente, a flexibilidade é a liberdade do capital fazer do trabalhador um indivíduo escravo dos ditames do lucro.
Independentemente de todos os artifícios ideológicos, a liberdade de uma classe é a ausência/constrangimento de liberdade da outra.»