«Os dirigentes europeus podem fazer rufar os tambores de guerra contra o terrorismo, mas haja a noção de que grande parte do ruído não passa de propaganda.
As vítimas são sempre os povos do Médio Oriente e agora também os povos europeus que, caso não se previnam, além do terrorismo estão cada vez mais cercados pelo fascismo a que ele serve de pretexto.»
França e Turquia concentram as tensões e as atenções nestes dias por serem os epicentros do tumulto mediático obrigatoriamente constante e vertiginoso que engorda os impérios globais da comunicação social. Tal acontece pelas piores e mais trágicas razões, se bem que não suceda por acaso nos citados países, nem por razões assim tão díspares quanto poderia supor-se.
Os povos francês e turco são as principais vítimas dos trágicos acontecimentos. Duplas vítimas, deve dizer-se, porque sofrem as contingências dos efeitos conjugados da guerra e do terrorismo e, simultaneamente, as consequências nefastas do comportamento dos seus dirigentes em exercício. Porque a democracia é a outra grande vítima do que está acontecer.
Mesmo assim, associar Hollande e Erdogan no mesmo patamar de actuação lesiva contra os seus concidadãos não será um exagero? Poderá parecer, mas o que conta são os resultados – não é assim que a tecnocracia vigente recomenda?
Ao fim de mais de três meses de luta incessante contra a reforma laboral, sete organizações sindicais realizaram, dia 14, uma enorme manifestação na capital francesa.
A jornada nacional de luta teve Paris como palco principal, onde cerca de um milhão de pessoas desfilaram entre a Praça de Itália e o Palácio dos Inválidos (1,3 milhões em toda a França, de acordo com os números dos sindicatos).
«Aqui está, em todo o seu esplendor, a resposta do capitalismo à sua crise, agora na pátria da Comuna de Paris, mas que é o exemplo do que vai por essa Europa fora – mais exploração, mais empobrecimento, mais concentração e acumulação da riqueza nos mesmos.
Os trabalhadores franceses são, pois, nesta batalha titânica, merecedores de toda a solidariedade dos trabalhadores de todo o mundo.»
«No entanto, prossegue o texto, o governo «está obstinado em não abrir mão da lei [do trabalho], em particular no que respeita ao primado dos acordos de empresa sobre os acordos sectoriais e a lei geral, à chantagem, por meio de acordos, sobre a manutenção e criação de postos de trabalho, aos referendos de empresas, à facilitação dos despedimentos».
Os sindicatos frisam que estes são os pontos que estão no coração da luta e a razão pela qual exigem a retirada do projecto e o início de negociações.
As centrais sindicais lembram ainda que aguardam, desde 20 de Maio, resposta ao pedido de audiência com o presidente da República.»
«Acontece que Paris já se encontrava em polvorosa, antes de o Sena se armar em Amazonas gaulês. A capital francesa (e todo o país, em geral) está em convulsão há mais de dois meses, numa luta em crescendo contra a decisão protagonizada pessoalmente pelo presidente François Hollande, que pretende impor a desregulamentação laboral a toda a brida (além de desabridamente) com uma nova Lei do Trabalho, que o governo já aprovou por decreto, tal é a pressa.»
O caso Edward Snowden esteve na origem de um grave incidente diplomático entre a Bolívia e vários países europeus. Após uma ordem de Washington, França, Itália, Espanha e Portugal proibiram que o avião presidencial de Evo Morales sobrevoasse seus territórios.
1. Após uma viagem oficial à Rússia para assistir a uma cimeira de países produtores de gás, o Presidente Evo Morales tomou o seu avião para regressar à Bolívia.
2. Os Estados Unidos, a pensar que Edward Snowden – ex-agente da CIA e da NSA autor das revelações sobre as operações de espionagem do seu país – se encontrava no avião presidencial ordenou a quatro países europeus (França, Itália, Espanha e Portugal) que proibissem o sobrevoo do mesmo nos seus respectivos espaços aéreos.
3. Paris cumpriu imediatamente a ordem procedente de Washington e cancelou a autorização de sobrevoo do seu território que havia concedido à Bolívia em 27 de Julho de 2013, quando o avião presidencial se encontrava a apenas alguns quilómetros das fronteiras francesas.
4. Assim, Paris pôs em perigo a vida do Presidente boliviano, o qual teve efectuar aterragem de emergência na Áustria por falta de combustível.
5.Desde 1945, nenhuma nação do mundo impediu um avião presidencial de sobrevoar o seu território.
6. Paris, além de desencadear uma crise de extrema gravidade, violou o direito internacional e a imunidade diplomática absoluta de que goza todo Chefe de Estado.
7. O governo socialista de François Hollande atentou gravemente contra o prestígio da nação. A França surge perante os olhos do mundo como um país servil e dócil que não vacila um só instante em obedecer às ordens de Washington, contra os seus próprios interesses.
8. Ao tomar semelhante decisão, Hollande desprestigiou a voz da França na cena internacional.
9. Paris tornou-se também objecto de riso no mundo inteiro. As revelações feitas por Edward Snowden permitiram descobrir que os Estados Unidos espionavam vários países da União Europeia, dentre os quais a França. Após estas revelações, François Hollande pediu pública e firmemente a Washington que parasse estes actos hostis. Não obstante, no seu âmago, o Palácio do Eliseu segue fielmente as ordens da Casa Branca.
10. Depois de descobrir que se tratava de uma informação falsa e que Snowden não se encontrava no avião, Paris decidiu anular a proibição.
11. Itália, Espanha e Portugal também cumpriram as ordens de Washington e proibiram a Evo Morales o sobrevoo dos seus territórios, até mudarem de opinião depois de saberem que a informação não era verídica e permitirem ao Presidente boliviano continuar a sua rota.
12. Antes disso, a Espanha até exigiu revistar o avião presidencial em violação de todas as normas legais internacionais. "Isto é uma chantagem, não o vamos permitir por uma questão de dignidade. Vamos esperar todo o tempo necessário", respondeu a Presidência boliviana. "Não sou um criminoso", declarou Evo Morales.
13. A Bolívia denunciou um atentado contra a sua soberania e contra a imunidade do seu presidente. "Trata-se de uma instrução do governo dos Estados Unidos", segundo La Paz.
14. A América Latina condenou unanimemente a atitude da França, Espanha, Itália e Portugal.
15. A União de Nações Sul Americanas (UNASUL) convocou com urgência uma reunião extraordinária após este escândalo internacional e exprimiu sua "indignação" pela voz do seu secretário-geral Ali Rodríguez.
16. A Venezuela e o Equador condenaram "a ofensa" e "o atentado" contra o Presidente Evo Morales.
17. O Presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, condenou "uma agressão grosseira, brutal, inadequada e não civilizada".
18. O Presidente equatoriano Rafael Correa exprimiu sua indignação: "Nossa América não pode tolerar tanto abuso!"
19. A Nicarágua denunciou o caso como "acção criminosa e bárbara".
20. Havana fustigou o "acto inadmissível, infundado e arbitrário que ofende toda a América Latina e o Caribe".
21. A Presidente argentina Cristina Fernández exprimiu a sua consternação: "Definitivamente estão todos loucos. Chefe de Estado e seu avião têm imunidade total. Não pode ser este grau de impunidade".
22. Mediante a voz do seu secretário-geral José Miguel Insulza, a Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou a decisão dos países europeus. "Não existe circunstância alguma para cometer tais acções em prejuízo do Presidente da Bolívia. Os países envolvidos devem dar uma explicação das razões pelas quais tomaram esta decisão, particularmente porque ela pôs em risco a vida do primeiro mandatário de um País Membro da OEA".
23. A Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América (ALBA) denunciou "uma flagrante discriminação e ameaça à imunidade diplomática de um Chefe de Estado".
24. Em vez de conceder o asilo político à pessoa que lhe permitiu descobrir que era vítima de espionagem hostil, a Europa, particularmente a França, não vacila em criar uma grave crise diplomática com o objectivo de entregar Edward Snowden aos Estados Unidos.
25. Este caso ilustra que se a União Europeia é uma potência económica, é uma anã política e diplomática incapaz de adoptar uma postura independente para com os Estados Unidos.
Uma «quinta» 76 (setenta e seis) vezes maior que a Bélgica. Um exemplo de outros crimes.
-
No passado 17 de Outubro, o presidente Hollande fez um tímido reconhecimento oficial (42 palavras) do massacre policial de centenas de argelinos em Paris, em 1961. O massacre não foi coisa menor: cerca de 30 mil argelinos exigiam nas ruas a independência da então colónia francesa. A polícia de Paris, sob a chefia de Maurice Papon respondeu com ferocidade: «entre 300 e 400 mortos por balas, à coronhada ou por afogamento no rio Sena, 2400 feridos, e 400 desaparecidos» (Algérie Patriotique, 17.10.12). Foi preciso mais de meio século para que a França oficial admitisse sequer que o massacre existiu. Mas nem 51 anos chegaram para que reconhecesse o número de vítimas, abrisse os ficheiros policiais ou apontasse responsáveis. Fosse na Síria e outro Hollande cantaria.
Papon foi colaboracionista dos nazis durante a II Guerra Mundial e viria a ser condenado em 1998 por «cumplicidade em crimes contra a humanidade, tendo colaborado na deportação de judeus sob o regime de Vichy» (FranceInter, 17.10.12). Mas como em muitos outros países, a restauração burguesa e imperialista na França após 1947 foi feita com a pior escória fascista. Durante décadas Papon teve numerosos cargos oficiais. Em 8 de Fevereiro de 1962 participou noutro massacre de Estado em Paris: durante uma manifestação sindical contra o terrorismo fascista da OAS, nove membros da CGT e do PCF foram assassinados pela polícia na estação de metro de Charonne. Papon foi ministro sob os presidentes gaullistas Barre e Giscard d'Estaing (1978-81). E o massacre de 1961 passou em silêncio durante a presidência do socialista Mitterrand, ele próprio implicado na brutal repressão colonial na Argélia. Mitterrand era ministro da Justiça de França no início de 1957, quando o General Massu e os seus paraquedistas (imortalizados no filme de Gillo Pontecorvo, A Batalha de Argel) receberam plenos poderes policiais na capital argelina, desencadeando uma feroz repressão, com tortura e assassinatos, que esmagou temporariamente o movimento de libertação nacional argelino. O sangue de centenas de milhares de argelinos manchou as mãos de toda a classe dirigente francesa, antes que – fez este ano meio século – a Argélia conquistasse a sua independência.
-
-
Também neste último mês, do outro lado do Canal da Mancha, se confessou bárbaros crimes. Um tribunal de Londres reconheceu a três quenianos vítimas da ferocidade colonial, ao fim de seis décadas, o direito a apresentar (!) pedidos de indemnização. Um deles foi castrado pelas autoridades coloniais (BBC, 5.10.12). Como informa a notícia, «milhares de pessoas foram mortas durante a revolta Mau Mau contra a dominação britânica do Quénia nos anos 50 e 60». O governo inglês recorreu da sentença e com um cinismo inexcedível «alegou que a responsabilidade de compensações por torturas infligidas pelas autoridades coloniais foi transferida para a República do Quénia após a independência em 1963». Escreve o Guardian (18.4.12): «milhares de documentos relatando alguns dos mais vergonhosos actos e crimes cometidos nos anos finais do Império britânico foram sistematicamente destruídos para impedir que caíssem nas mãos de governos pós-independência» e «os documentos que escaparam à destruição foram discretamente transferidos para a Grã Bretanha, onde ficaram escondidos durante 50 anos, num ficheiro secreto do Foreign Office». Alguns documentos «pormenorizam a forma como suspeitos insurrectos foram espancados até à morte, queimados vivos, castrados […] e agrilhoados durante anos», enquanto «ministros e altos funcionários públicos tinham total conhecimento dos abusos e do assassinato horrendo e sistemático de detidos […] mas declaravam repetidamente ao público britânico que tal não estava a acontecer».
Há quem esteja surpreendido com o comportamento dos dirigentes troikeiros da UE. Mas esta sempre foi a natureza das potências imperialistas que estão por detrás do «projecto europeu». Podem pintar a cara de azul com estrelinhas amarelas e trautear Beethoven. Mas a UE reflecte a natureza de classe do sistema imperialista que a gerou: criminoso, explorador, agressivo. E que hoje procura novas colónias.
In jornal «Avante!» - Edição de 16 de Novembro de 2012