«Em nome do povo angolano, o Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) proclama solenemente perante África e o mundo a independência de Angola.» Começou com estas palavras, proferidas por Agostinho Neto na noite de 11 de Novembro de 1975, o anúncio do nascimento de um novo país, a República Popular de Angola, tornado possível pela luta tenaz do seu povo e pela solidariedade que ela despertou nos quatro cantos do mundo.
A «grandiosa tarefa de reconstrução nacional», anunciada então pelo líder do MPLA e primeiro presidente do país, revelou-se particularmente difícil e acidentada, com o povo angolano a enfrentar uma brutal agressão militar, sucessivas ingerências externas do imperialismo que levaram a uma prolongada guerra civil, diversas conjunturas internacionais e graves problemas económicos e sociais, muitos dos quais ainda persistem. O caminho a seguir traçou-o Agostinho Neto no final da proclamação, naquele que é um dos principais lemas do MPLA: «A luta continua! A vitória é certa!»
«O PCP esteve em Luanda nesse histórico 11 de Novembro de 1975, representado por Sérgio Vilarigues, do Secretariado, e Francisco Miguel, do Comité Central. Foi o único partido português a estar presente. As restantes forças políticas, da extrema-esquerda à direita (e particularmente o PS), opuseram-se frontalmente à proclamação da República Popular de Angola pelo MPLA, preferindo – de forma aberta ou encapotada – a eternização da guerra e a adopção de soluções neocolonialistas. Só em Fevereiro de 1976 Portugal reconhecia oficialmente a independência da sua antiga colónia. A ingerência, essa, estava longe de terminar…
A presença do PCP nessa cerimónia não foi fruto do acaso, antes representou o reconhecimento pelo permanente apoio e solidariedade dos comunistas portugueses à luta do povo angolano pela independência, a paz e o progresso.»
Joaquim Pires Jorge (desenho de Álvaro Cunhal) Francico Miguel Duarte
Há 100 anos nasciam Joaquim Pires Jorge e Francisco Miguel Duarte. Filhos da classe operária, ambos elevaram-se à categoria de heróis, combatendo sempre, por mais difícil que se revelasse a luta, pelos ideais da democracia, do socialismo e do comunismo. Com percursos e personalidades distintas, ambos demonstraram uma enorme generosidade na execução das tarefas partidárias, aliada a uma inquebrantável coragem. Sofrendo as torturas da PIDE e largos anos de prisão, Pires Jorge e Francisco Miguel prepararam fugas e fugiram, eles mesmos, das mais guardadas masmorras do País para – sempre – retomarem a luta. Ambos aderiram ao PCP quando o Partido era mais uma aspiração do que uma organização consolidada. Ajudaram a construí-lo e a defendê-lo, ligando-o à classe operária e aos trabalhadores, às suas aspirações a uma vida melhor, libertada da exploração e da opressão. No horizonte, sempre o socialismo e o comunismo. Construtores do Partido, Pires Jorge e Francisco Miguel serão, também, obreiros da futura sociedade socialista em Portugal. Porque nela estará o seu exemplo, a sua dedicação e o Partido que ajudaram a construir.
• Francisco Miguel Duarte nasce em 18 de Dezembro de 1907, em Baleizão, perto de Beja, no seio de uma família de camponeses pobres. Em 1914 muda-se para Vale de Zorras, onde os pais arranjam trabalho, numa herdade da Casa de Ficalho. O monte dista cinco quilómetros de Serpa, o que dificulta a ida à escola. Ajuda os pais nos trabalhos no campo. • Aos 13 anos torna-se aprendiz de sapateiro, em Serpa. À custa da própria e dura experiência de vida, vai ganhando consciência de classe. Contribui activamente para a reanimação de duas associações profissionais existentes na vila, a dos sapateiros (para cujos corpos gerentes é eleito) e a dos trabalhadores rurais. Numa assembleia desta, em 1930, faz o seu primeiro discurso público. • Na tarde de 1 de Setembro de 1931, frente aos Paços do Concelho de Serpa, cerca de 400 trabalhadores rurais manifestam-se, reclamando pão e trabalho. Um funcionário vem dizer que não havia trabalho para ninguém. Francisco Miguel sobe para cima de um banco da praça, fala sobre a situação dos camponeses e da ausência de soluções por parte da autoridades. A GNR avança para ele mas, protegido pela multidão, consegue escapar. • Foge para Espanha e trabalha como sapateiro em Rosal de la Frontera. Contacta com exilados republicanos portugueses e oposicionistas espanhóis, nomeadamente membros do PCE. Aprofunda as suas convicções políticas e ideológicas. Passado menos de um ano regressa a Portugal, fixa-se em Lisboa, arranja emprego e faz-se sócio do Sindicato dos Sapateiros. • Em 1932 entra para o Partido e integra o Comité Local de Lisboa. Contacta com vários dirigentes, um dos quais particularmente o marcou: Manuel Rodrigues da Silva. Começa a controlar algumas células, com reuniões realizadas (então era usual) em plena rua, em sítios pouco frequentados – por exemplo, zonas periféricas onde terminavam as carreiras dos eléctricos, como Benfica, Ajuda, Lumiar ou Poço do Bispo. • No início de 1935 parte para Moscovo, enviado pelo Partido, a fim de estudar na Escola Leninista. Conhece José Gregório, Bento Gonçalves e Álvaro Cunhal, estes dois últimos então na capital soviética em representação do PCP, respectivamente, no VII Congresso da Internacional Comunista e no VI Congresso das Juventudes Comunistas. A oportunidade é aproveitada para longas trocas de opiniões sobre a realidade portuguesa e a situação do Partido, constituindo uma ocasião que Francisco Miguel não desaproveita para enriquecer a sua formação teórica. • Em 1937 regressa a Portugal e passa à clandestinidade, ficando responsável pelo Comité Local de Lisboa. No ano seguinte é preso pela primeira vez, no Marquês de Pombal. Barbaramente espancado, da sua boca não sai uma palavra. A 19 de Março de 1939 evade-se da prisão de Caxias, juntamente com Augusto Valdez. • Cooptado para o Comité Central, poucas semanas depois passa a integrar o Secretariado do Partido, com Álvaro Cunhal e Ludgero Pinto Basto. Uma das tarefas que lhe cabe é a reactivação da publicação do Avante!, mas a casa onde tem instalada a tipografia, em Algés, é assaltada. Francisco Miguel volta à prisão. • Julgado e condenado, é deportado para o Tarrafal em Junho de 1940, só regressando a Lisboa seis anos volvidos e libertado ao abrigo de uma amnistia decretada em 1945. Será a primeira e única vez que sai da prisão sem ser através de fuga… • Durante alguns meses retoma a sua profissão, mas não abandona a actividade política e, depois do IV Congresso do PCP, em Agosto de 1946, em que é eleito para o Comité Central, volta à clandestinidade. • Francisco Miguel, com Pires Jorge, recebe a tarefa de dirigir a actividade partidária no Alentejo. Entre o intenso trabalho desenvolvido inclui-se o início da publicação do jornal O Camponês. Menos de um ano volvido, porém, é novamente detido, em Évora, quando procedia à transferência para o Algarve da casa de um funcionário que havia sido preso. • Levado para o Aljube, é sujeito durante quatro semanas, em três períodos inercalados, à tortura da «estátua» (obrigatoriedade de estar de pé e sem dormir). Julgado e condenado no célebre processo dos 108, entre os quais se encontravam comunistas e outros antifascistas, é o único réu a quem não é permitida fiança. • Encarcerado em Peniche, só tem um pensamento: como fugir. É o que tenta, em 3 de Novembro de 1950, juntamente com Jaime Serra. Tem menos sorte que o camarada, que consegue escapar, sendo detido e pouco depois deportado novamente para o Tarrafal. • Ali permanece entre 1951 e 1954. Decidido o encerramento do Campo da Morte Lenta, devido às pressões internacionais, os detidos vão sendo transferidos para o continente. Todos menos Francisco Miguel. Passa o último mês sozinho e muito debilitado fisicamente. • Apesar de a sua pena já ter expirado, é levado para Caxias e depois para o Porto. Nos dois anos que aqui passou, chegou a estar incomunicável durante mais de oito meses. Em Agosto de 1958 é transferido para Peniche. Em 3 de Janeiro de 1960 participa na histórica fuga de uma dezena de camaradas, entre os quais Álvaro Cunhal. • Em Julho desse mesmo ano, quando iniciava uma viagem a França, em missão do Partido, é detido em Elvas. Evade-se de Caxias a 4 de Dezembro de 1961, com outros sete camaradas, protagonistas da célebre fuga no automóvel blindado de Salazar. Reintegrado na actividade política do Partido, participa em 1965 no VI Congresso, onde é mais uma vez eleito para o Comité Central. • No início dos anos 70 toma parte activa nas operações da ARA (Acção Revolucionária Armada), participando no planeamento e execução de acções de sabotagem do aparelho militar colonial e de propaganda contra o regime fascista. • Depois do 25 de Abril, é eleito deputado à Assembleia Constituinte, em 1975, e à Assembleia da República, entre 1976 e 1985. No VIII Congresso do PCP, em 1976, é membro da Mesa da Presidência e da Comissão de Verificação de mandatos. Em 25 de Abril de 1980 é agraciado pelo Presidente da República, Ramalho Eanes, com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade. • Morre em 21 de Maio de 1988, com 81 anos.
In «O Militante» - Edição Novembro/Dezembro de 2007
Combatentes heróicos contra a ditadura, pelo socialismo
«Passam agora cem anos sobre o nascimento de Joaquim Pires Jorge e Francisco Miguel Duarte, militantes e dirigentes do Partido que, pela sua actividade política antes e depois do 25 de Abril, pela sua luta contínua e infatigável de décadas, pela sua vida de sacrifícios e de privações mas também de entusiasmo combatente em prol da liberdade, da justiça social e de um futuro socialista para os portugueses e para Portugal, merecem figurar na lista dos mais heróicos lutadores do nosso Partido contra o fascismo e pela conquista e consolidação da democracia. Poucos, como eles, passaram tanto tempo e sofreram tanto nos cárceres fascistas – Pires Jorge 16 anos, Francisco Miguel 21. Mas nunca deixaram de tudo fazer para voltar à luta o mais depressa possível – Francisco Miguel, com as suas quatro fugas, é mesmo o camarada que mais vezes o conseguiu. Eram pessoas diferentes: Pires Jorge, alto, forte, extrovertido, permanentemente bem disposto; Francisco Miguel, pequeno, franzino, tímido, com alma de poeta – e com obra publicada. Seguiram no Partido percursos próprios, ainda que tenham trabalhado juntos, na direcção da organização a Sul do Tejo, nos anos quarenta. Tinham várias coisas em comum, desde as origens sociais até ao gosto pela música. Sublinhemos o essencial: a sua vida (que a seguir brevemente recordaremos) é um exemplo de como a luta dos comunistas só tem sido e continua a ser possível e compreensível, se tivermos em conta a estreita ligação entre a militância individual e o trabalho colectivo, entre a criatividade de cada um e o cumprimento das decisões resultantes do debate por todos participado, numa simbiose que – ontem como hoje – ganha a sua mais significativa expressão na luta de massas. Evocar Pires Jorge e Francisco Miguel não é apenas homenagear a memória de dois inesquecíveis camaradas; é também reafirmar princípios básicos da identidade do PCP, redescobrindo razões e raízes que ajudam a fazer do Partido aquilo que ele foi, é e continuará a ser, ao serviço da classe operária e de todos os trabalhadores, dos portugueses e de Portugal.»
(sublinhados meus)
In «O Militante» - Edição Novembro/Dezembro de 2007